Medieval

354 – 430 Ficheiro:Simone Martini 003.jpg

Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), dito de Hipona, conhecido como Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354  — Hipona, 28 de agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e Doutor da Igreja Católica.

Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo de Plotino, mas depois de tornar-se cristão (387), ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e perspectivas diferentes. Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a desintegrar-se, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (num livro de mesmo nome), distinta da cidade material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval. A Igreja se identificou com o conceito de “Cidade de Deus” de Agostinho, e também a comunidade que era devota de Deus.

Na Igreja Católica, e na Igreja Anglicana, é considerado santo, e importante Doutor da Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostiniana. Muitos protestantes, especialmente os calvinistas mas também os luteranos (basta recordar que Martinho Lutero era inicialmente um sacerdote católico agostiniano), consideram-no como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando asalvação e a graça divina.

Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que se tornou conhecido como a cláusula filioque. Entre os ortodoxos é chamado de “Agostinho Abençoado”, ou “Santo Agostinho, o Abençoado”.

1 Biografia

Agostinho na escola de Tagaste

Agostinho, em um afresco de Sandro Botticelli.

Agostinho nasceu na cidade de Tagaste (atual Souk-Ahras, Argélia), a cerca de 90 km do Mediterrâneo, na Numídia (atual Souk Ahras), à época uma província romana do norte da África. Apesar do gentílico Aurelius, que poderia indicar a aquisição da cidadania romana sob o reinado deMarco Aurélio, Cômodo ou Caracala, Agostinho era de ascendência berbere. Seu pai, Patricius, era um berbere romanizado, cidadão romano, pagão; a mãe, Mônica, era berbere cristã. A esperança da família, sem muitos recursos, era educar seus filhos para que se tornassem professores, advogados ou membros da administração imperial. Agostinho foi educado no norte da África e resistiu aos ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão.

Com onze anos de idade, foi enviado para a escola em Madaura, uma pequena cidade da Numídia. Lá familiarizou-se com a literatura latina e com práticas e crenças do paganismo. Em 369 e 370, permaneceu em casa.

Durante esse período Agostinho leu o diálogo Hortensius de Cícero (hoje perdido), que deixaria uma impressão duradoura sobre ele e despertando-lhe o interesse pela filosofia. Passou a ser um seguidor do maniqueísmo.

Com dezessete anos, graças à generosidade de um concidadão, chamado Romaniano, o pai de Agostinho pôde enviá-lo para Cartago para continuar sua educação na retórica. Vivendo como um pagão intelectual, ele tomou uma concubina. Numa tenra idade, desenvolveu uma relação estável com uma jovem, em Cartago, com a qual viveu em concubinato por quinze anos e com quem viria a ter um filho, Adeodato. Segundo a lei romana, sendo a mulher de classe inferior, eles não poderiam se casar. O casal viria a separar-se em 386, quando ela o deixou em Milão e partiu para a Numídia.

Durante os anos 373 e 374, Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se para Cartago a fim de ocupar o cargo de professor da cadeira municipal de retórica, e por lá permanecera durante os próximos nove anos.

Desiludido pelo comportamento indisciplinado dos alunos em Cartago, em 383, mudou-se para estabelecer uma escola em Roma, onde ele acreditava que os melhores e mais brilhantes retóricos ensinaram. No entanto, Agostinho ficou desapontado com as escolas romanas, que ele encontrou apática. Quando chegou o momento para os seus alunos para pagar os seus honorários eles simplesmente fugiram.

Amigos maniqueístas apresentaram-lhe o prefeito da cidade de Roma, Symmachus, que tinha sido solicitado a fornecer um professor de retórica imperial para o tribunal provincial em Milão. Agostinho ganhou o emprego e ocupou o cargo no final de 384.

1.1 Cristão

Agostinho recebe o batismo das mãos de Ambrósio.

Enquanto ele estava em Milão, Agostinho mudou de vida. Ainda em Cartago, começou a abandonar o maniqueísmo, em parte, devido a um decepcionante encontro com um chefe expoente da teologia maniqueísta, Fausto.

Em Roma, ele relata ter completamente se afastado do maniqueísmo, e abraçou o movimento cético da Academia Neoplatónica. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão e também seus próprios estudos sobre o neoplatonismo também foram levando-o neste sentido, e seu amigo Simplicianus instou-o dessa forma também. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.

A mãe de Agostinho havia o seguido para Milão e insistiu para que abandonasse a relação com a mulher com quem vivia ilegalmente e procurasse outra para casar, conforme as leis do mundo e a doutrina cristã. A amada foi mandada de volta para a África e Agostinho deveria esperar dois anos para contrair casamento legal; mas logo se ligou a uma concubina.

No verão de 386, após ter lido um relato da vida de António do Deserto, de Atanásio de Alexandria, que muito inspirou-lhe, Agostinho sofreu uma profunda crise pessoal. Decidiu se converter ao cristianismo católico, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino em Milão, desistir de qualquer ideia de casamento e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio.

A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim em Milão, que cantava repetidamente, “Tolle, lege”“tolle, lege” (“toma e lê”; “toma e ler”). Ele tomou o texto da carta de Paulo aos romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: “Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites”.

Ele narra em detalhes sua jornada espiritual em sua famosa Confissões (Confessions), que se tornou um clássico tanto da teologia cristã quanto da literatura mundial. Ambrósio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, na vigília da Páscoa, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família.

1.2 Bispo

Após o regresso ao Norte da África, vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A única coisa com que ele ficou foi a casa da família, que se converteu em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos.

Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona (atual Annaba, na Argélia). Em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.

Ele deixou o seu mosteiro, mas continuou a levar uma vida monástica na residência episcopal. Ele deixou uma regra (latim, regulamentos) para seu mosteiro que o levou ser designado o “santo padroeiro do clero regular”, isto é, sacerdotes que vivem por uma regra monástica.

Tumba de Agostinho na Basílica de São Pedro em céu de ouro em Pávia.

Sua vida foi registrada pela primeira vez por seu amigo São Possídio, bispo de Calama, no seu Sancti Augustini vita. Descreveu-o como homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos seus inimigos.

Possídio também descreveu traços pessoais de Agostinho com detalhe, desenhando um retrato de um homem que comia com parcimónia, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo.

Sua vida não é tranquila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende aos pobres e órfãos, etc.

Pouco antes da morte de Agostinho, a província da África Proconsular foi invadida pelos vândalos, uma tribo guerreira que estava aderindo ao arianismo. Pouco depois de Hipona ser cercada pelos bárbaros, Agostinho adoeceu. Possídio relata que ele gastou seus últimos dias em oração e penitência, pedindo para que os salmos penitenciais de Davi fossem pendurados em sua parede para que ele pudesse ler. Pouco tempo após sua morte, os vândalos levantaram o cerco de Hipona, mas não muito tempo depois eles voltaram e queimaram a cidade. Eles destruíram tudo, mas a catedral de Agostinho e a biblioteca ficaram inalteradas.

Agostinho foi canonizado por reconhecimento popular e reconhecido como um Doutor da Igreja. Na Igreja Católica, o seu dia é 28 de agosto, o dia no qual ele supostamente morreu. Ele é considerado o santo padroeiro dos impressores, teólogos e de um grande número de cidades e dioceses. Para os protestantes ou evangélicos, Agostinho é referencial na história eclesiástica, pois foi um valoroso líder da Igreja primitiva e deixou suas marcas como verdadeiro discípulo de Cristo.

2 Obras

Agostinho foi um autor prolífico em muitos gêneros — tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas.

Dele restaram algumas centenas de cartas (Epistulae) e de sermões (Sermones) considerados autênticos. Além disso, deixou 113 obras escritas.

Agostinho é chamado de o Doutor da Graça, por sua compreensão sobre o tema.

  • Textos autobiográficos:

As suas Confissões (Confesiones), escritas entre os anos 397-398, são geralmente consideradas como a primeira autobiografia. Agostinho descreve sua vida desde sua concepção até à sua então relação com Deus, e termina com um longo discurso sobre o livro do Génesis, no qual ele demonstra como interpretar a Bíblia. A consciência psicológica e auto-revelação da obra ainda impressionam leitores.

Mesmo sendo uma autobiografia, as Confissões não deixam de ter a marca filosófica de Agostinho. No Livro X, Agostinho escreve sobre a memória e suas atribuições. Já no Livro XI, Agostinho fala sobre a Criação, sobre o Tempo e da noção psicológica que se tem deste.

No fim da sua vida, Agostinho revisitou os seus trabalhos anteriores por ordem cronológica e sugeriu que teria falado de forma diferente numa obra intitulada Retratações, que nos daria uma imagem considerável do desenvolvimento de um escritor e os seus pensamentos finais.

  • Filosóficos:

Diálogos: Solilóquios (Soliloquiorum libri duo), Sobre o Mestre (De Magistro, trata da educação neste diálogo), Sobre o livre arbítrio (De Libero Arbitrio, trata sobre o mal e sobre as escolhas)

Contra os acadêmicos (Contra academicos, em que combate o cepticismo).

O Livro das disciplinas (Disciplinarum libri é uma vasta enciclopédia com o fim de mostrar como se pode e se deve ascender a Deus a partir das coisas materiais. Não está acabada).

  • Apologéticos: Da verdadeira religião (De vera religione), etc.

A Cidade de Deus (iniciada c. de 413, terminada em 426, uma de suas obras capitais, nela nos oferece uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político). O De civitate Dei libri XXII.

  • Dogmáticos:

Entre 399-422, escreveu A Trindade, uma das principais obras que apoia a crença na Santíssima Trindade de Deus. O De Trinitate libri XV.

Sobre a imortalidade da alma (De inmortalitate animae)

Sobre a potencialidade da alma (De quantitate animae)

Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium ou De fide, spe et caritate liber I, é um manual de teologia segundo o esquema das três virtudes teológicas. Contém uma explicação do Credo, da oração do Padre Nosso e dos preceitos morais da Igreja Católica).

Da fé e do credo livro I (De fide et símbolo liber I), etc.

  • Morais e pastorais:

Contra mendacium, Da catequese dos não instruídos livro I (De catechizandis rudibus liber I), Da continência livro I (De continentia liber I), Da paciência livro I (De patientia liber I), etc.

  • Monásticos:

Regula ad servos — a mais antiga das regras monásticas do Ocidente.

  • Exegéticos:

A Bíblia teve um papel decisivo para Agostinho. Pode-se destacar:

Da doutrina cristã livro IV (De doctrina christiana libri IV (é uma síntese dogmática que servirá de modelo para as Sententia e os pensadores da Idade Média), De Genesi ad litteram libri XII, Da harmonia dos evangelistas livro IV (De consensu Evangelistarum libri IV (foram escritos em resposta aos que acusavam os evangelistas de contradizer-se e de haver atribuído falsamente a Cristo a divindade), etc.

  • Tratados:

Tratados sobre o evangelho de João (In Iohannis evangelium tractatus), As enarrações, ou exposições, dos Salmos (Enarrationes in Psalmos), etc.

  • Polémicos:

Muitas de suas obras tem caráter polêmico por causa dos conflitos que ele enfrentou. Isso levou São Posídio a classificá-las conforme os adversários combatidos: pagãos, astrólogos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.

De natura boni liber IPsalmus contra partem DonatiDe peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri III (de 412, primeira teología bíblica da redencão, do pecado original e da necessidade do batismo), De gratia et libero arbitrio liber I (de 426, em que demonstra a necessidade da graça, da existência do livre arbitrio),De haeresibus, etc.

3 Pensamento

O problema do mal
Em seu livro Sobre o livre arbítrio (em latim: De libero arbitrio) Agostinho responde de ao problema filosófico do mal de forma filosófica, demonstrando também filosoficamente que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser benevolente, pudesse ter criado o mal.

A concepção que Agostinho tem do mal, tem como base teoria platônica e a desenvolve. Assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que “sobraria” quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto o mal não seria oriundo da criação divina, mas seu antagonista por excelência, na condição de fruto do seu afastamento. No diálogo com seu amigo Evódio, Agostinho explica-lhe que a origem do mal está no livre-arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária, um ser consciente. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente de Deus em uma criação perfeita) e algo mau (a prevalência da vontades humanas imperfeitas e que afetam negativamente a criação da perfeição idealizada por Deus).

Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem. Esse argumento também implica que o ser humano tem direito de escolha sobre sua própria vida, não é apenas um ser programado. E se, segundo Agostinho, o bem é apreciado por Deus e a prática perfeita, todas as ações por ele inspiradas se tornam virtuosas e louváveis. Sendo que em um universo de seres não conscientes e que não têm livre-arbítrio, as práticas do bem e do mal seriam programadas e não poderiam ser classificadas como boas ou ruins.

Tempo e Criação

No Livro XI das Confissões (em latim: Confessiones) Agostinho põe-se a cargo de versar acerca da criação do mundo por meio do Verbo, que podemos entender como “palavra criadora”. Com efeito, o filósofo compreende que o mundo só poderia ter duas origens: 1. do nada (em latim: ex-nihilo) e 2. a partir de parte da sua substância. No entanto, a última suposição é falsa pois teria de se admitir um Deus mutável, algo não condizente com o pensamento do Doutor Africano.

A fim de responder a asserção: “Do que faria Deus antes de criar o mundo?” o filósofo tece sua crítica aos maniqueus e expõe seu pensamento a respeito do tempo e da criação. A evidente resposta de Agostinho à tal pergunta é a de que Deus não estaria a fazer nada, pois não havia tempo antes deste ter sido criado por Deus, ficando expresso que o tempo nada mais é do que uma criatura assim como o mundo e todas as coisas. Para o pensador, o tempo e o universo foram criado em conjunto, e Deus estaria fora deste contexto pois ele é eterno e a eternidade não entra no tempo.

Para o filósofo medieval, o tempo não tem existência per se e só pode ser apreendido por nossa alma por meio de uma atividade chamada de “distensão da alma” (em latim: distentio animi). A distensão da alma, grosso modo, nada mais é do que a compreensão dos três tempos; pretérito, presente e futuro na alma, de modo que seja possível lembrar do passado, viver o presente e prever o futuro. Agostinho afirma que a alma é quem pode medir o tempo e essa “medição” atesta a existência do tempo apenas em caráter psicológico.

4 Influência como pensador e teólogo

Santo Agostinho.

Na história do pensamento ocidental, sendo muito influenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino, Agostinho foi importante para o “baptismo” do pensamento grego e a sua entrada na tradição cristã e, posteriormente, na tradição intelectual europeia. Também importantes foram os seus adiantados e influentes escritos sobre a vontade humana, um tópico central na ética, que se tornaram um foco para filósofos posteriores, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, mas ainda encontrando eco na obra de Albert Camus e Hannah Arendt (ambos os filósofos escreveram teses sobre Agostinho).

É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental concorda com a doutrina do pecado original. Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho de que Deus existe fora do tempo e no “presente eterno”; o tempo só existe dentro do universo criado.

O pensamento de Agostinho foi também basilar na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação da Bíblia deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um “texto alegórico”, iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Tomás de Aquino tomou muito de Agostinho para criar sua própria síntese do pensamento filosófico grego e do cristão. Dois teólogos posteriores que admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino e Cornelius Otto Jansenius.

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entre os séculos XIV e IV a.C

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Lao Zi (em chinês: 老子, transl. Lǎozi – pronunciado como Láu‑tz, em mandarim) também conhecido como LaoziLao Tzu,Lao TséLao-TséLáucioLao TziLao TseuLao Tze (Wade-Giles), Lao Tan e Li Erh, foi um mítico filósofo ealquimista chinês. Sua imagem mais conhecida o representa sobre um búfalo (o processo de domesticação deste animal é associado ao caminho da iluminação nas tradições zen budistas). A ele, é atribuída a autoria de uma das obras fundamentais do taoismo: o Tao Te Ching (道德經). A influência deste livro é tão disseminada que ele tornou-se, na atualidade, um dos livros mais traduzidos em todo o mundo.

Alguns consideram Lao Zi um personagem mítico, no limiar das lendas. Uma destas lendas conta que ele nasceu com a aparência de um velho: por isto, teria recebido este nome (Lao Zi significa, literalmente, “criança velha”, “jovem mestre”, pela junção de lao[idoso, maduro, sábio] com zi [criança, jovem, adolescente]). Muitos consideram que esta lenda pode ser interpretada como uma metáfora sobre a antiguidade do taoismo, doutrina fundamentada em conceitos filosóficos tradicionais anteriores à própria redação do Tao Te Ching. Alguns estudiosos, como Russell Kirkland, chegam a duvidar de sua existência como indivíduo, considerando sua obra um agregado de contribuições de antigos mestres taoistas. Seu texto sobre a “Comunidade Taoista” pode ser encontrado entre oslinks indicados abaixo nas “páginas externas”.

Segundo Ronnie Littlejohn, o material escrito mais antigo associado a Lao Zi aparece nos capítulos internos da obra de Zhuangzi. O cânon religioso taoista, citado abaixo, situa sua vida em por volta de 1300 a.C. As referências mais conhecidas informam que viveu aproximadamente nos séculos VII ou VI a.C.. Muitos historiadores situam sua vida no século IV a.C., durante a época das Cem Escolas de Pensamento e o Período dos Reinos Combatentes.

1 O Legado do Tao Te Ching

Ao deixar a China, o guarda da fronteira lhe pede que deixe um registro de sua sabedoria: o Tao Te Ching

Segundo a tradição Chinesa, Lao Zi trabalhou muitos anos como bibliotecário real, exercendo o cargo de superintendente judicial dos arquivos imperiais em Loyang, capital do estado de Ch’u. O seu contato com os livros e a sua sabedoria pessoal induziram-no a criar uma doutrina de caráter panteísta segundo a qual o Tao, ou caminho, é o princípio material e espiritual, criador e ordenador do mundo. No terreno prático, preconizou a vida contemplativa e a supressão de qualquer desejo. Desgostoso com as intrigas e disputas da vida na corte, ele decidiu abandonar esta vida, seguindo para as Terras do Oeste, em direção à Índia.

Ao chegar à fronteira, o guardião de fronteiras Yin-hsi reconheceu sua sabedoria, o reverenciou conforme a tradição chinesa pedindo para tornar-se seu discípulo e pediu a ele que, antes de sair da China, deixasse um registro de seus ensinamentos por escrito. Assim, antes de partir, Lao Zi escreveu os 81 pequenos poemas que receberam o título de Tao Te Ching.

2 A história de Lao Zi segundo o cânon religioso taoista

O bebê Lao Zi e sua mãe

Na introdução de sua tradução do “Tao Te Ching: O Livro do Caminho e da Virtude”, Wu Jyh Cherng comenta a biografia de Lao-Tsé. Conforme os registros do cânon religioso taoista, “Lao Tse teria nascido na província de Na Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano Ken-Tzen da era Wu-Tin (no período entre 1324 a.C. – 1408 a.C.).” Segundo a mesma fonte, seu pai seria um famoso alquimista da dinastia San que viveu mais de cem anos. Sua mãe e mestra o teria concebido ao engolir uma pérola de luz, e sua gestação teria demorado 81 anos. “Lao Tse nasceu do lado esquerdo das costelas da sagrada mãe, no jardim da família, sob uma árvore de nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por isso, recebeu o nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande da ameixeira).” A união dos termos chineses para ‘velho’ e ‘criança’ em seu nome justificam seu título de ‘Senhor do Fim e do Princípio’.

Foi convidado pelo rei Wen para ser o responsável pela biblioteca real e assumiu o cargo de historiador real até o 19º dia da quinta lua do 25º ano da era do rei Zhao, ano em que “iniciou sua grande viagem para o ocidente, com intuito de chegar aos reinos da atual Índia, Afeganistão e Itália. Durante a viagem, permaneceu algum tempo na fronteira de Yü Men e aceitou o oficial-chefe da fronteira como discípulo. Ditou-lhe vários escritos, entre eles o Tao Te Ching.” Até este ponto, temos a história mais divulgada sobre a vida do autor do Tao Te Ching. A continuação desta história registrada no cânon taoista não é tão conhecida.

Lao Zi representado como divindade taoista

Ainda segundo o texto de Wu Jyh Cherng:

“Muitos anos depois, teve sua ascensão no deserto de Gobi, durante a qual emanou raios de luz em cinco cores, transformando-se em corpo de luz dourada e desaparecendo no céu.”

“Após sua ascensão, retornou novamente à terra encarnado como filho único do senhor Li Po Yang da província Shu.” Seu discípulo Yi Shi, o oficial da fronteira, o reencontrou na aldeia da família Li. Diante dele, a criança de três anos de idade revelou sua verdadeira imagem. Seu corpo cresceu, transformando-se em luz dourada branca. “Lao Tse pronunciou mais um ensinamento: o Tratado Maravilhoso do Princípio Solar do Tesouro do Espírito (Ling Bao Yuan Yang Miao Ching). Após concluir seu ensinamento, os duzentos membros da família Li ascencionaram, seguidos por Lao Tse e Yi Shi. Isso aconteceu no dia 28 de abril de 1118 a.C.”

“Depois do segundo nascimento e ascensão, Lao Tse ainda retornou inúmeras vezes para transmitir os ensinamentos e para ordenar as novas tradições. Por isso, é chamado pelos taoistas como Sublime Patriarca do Caminho.”

3 Influência

Pintura da Dinastia Qing onde Confúcio apresenta a Lao Zi o jovem Buda Gautama

Lao-Tse é tradicionalmente considerado o fundador do taoismo, movimento com vertentes filosóficas e religiosas distintas designadas por nomes diferentes em chinês: Tao Chia é o termo que se refere ao taoismo filosófico; Tao Chiao é o termo que se refere ao taoismo religioso. Junto com o confucionismo e o budismo, o taoismo integra os fundamentos da tradição espiritual da China. Seu seguidor Zhuangzi é outro famoso filósofo taoista chinês cuja filosofia foi muito influente no desenvolvimento do budismo chan e do budismo zen.

Na religião taoista, Lao Zi recebe a consideração de uma divindade

A religião taoista o considera como uma divindade, reverenciada em diversos templos e cerimônias.

3.1 Brecht e Lao Zi

Bertolt Brecht escreveu um belo conto sobre o importante papel deste guardião de fronteiras na transmissão deste legado para a humanidade. O poema foi escrito em 1938 e inserido na terceira parte do volume Poemas de Svendborg, publicado em Copenhague em 1939. O texto completo com a tradução literal deste poema por Marcus V. Mazzari pode ser encontrado em “páginas externas”. Esta é a conclusão do texto:

“Mas não celebremos apenas o sábio

Cujo nome resplandece no livro!

Pois primeiro é preciso arrancar do sábio a sua sabedoria.

Por isso, agradecimento também se deve ao aduaneiro:

Ele a extraiu daquele.”

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470 – 524

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Anício Mânlio Torquato Severino Boécio (em latim: Anicius Manlius Torquatus Severinus Boethius, Roma, 480 — Pavia, 524 ou525), mais conhecido simplesmente por Boécio, foi um filósofo, estadista e teólogo romano que se notabilizou pela sua tradução e comentário do Isagoge de Porfírio, obra que se transformou num dos textos mais influentes da Filosofia medieval europeia. Traduziu, comentou ou resumiu, entre outras obras dos clássicos gregos, para além do Isagoge de Porfírio e do Organon de Aristóteles, vários tratados sobre matemática, lógica e teologia. Notabilizou-se também como um dos teóricos da música da antiguidade clássica greco-latina, escrevendo a obra De institutione musica, também aparentemente com base em antigos escritos gregos. Sendo senador de Roma, no ano de 510 foi nomeado cônsul e em 520 foi elevado a chefe do governo e dos serviços da corte pelo rei ostrogodo Teodorico, o Grande. Pouco depois, devido a desacordos políticos e por ter apoiado um senador apontado pelo rei como traidor, foi ele próprio acusado de traição a favor do Império Bizantino e de magia, sendo subsequentemente torturado, condenado à morte e executado. Enquanto aguardava sob prisão a execução, escreveu De Consolatione Philosophiae (Do Consolo pela Filosofia), obra que versa, entre outros temas, o conceito de eternidade e na qual tenta demonstrar que a procura da sabedoria e do amor de Deus é a verdadeira fonte da felicidade humana. Membro de uma família ligada ao então nascente cristianismo, é considerado pela Igreja Católica Romana, pelo seu contributo para a teologia cristã e pelos serviços que prestou aos cristãos, um mártir e um dos Padres da Igreja.

1 Biografia

Iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae, feita em Itália no ano de 1385, mostrando Boécio a ensinar os seus pupilos.

Boécio na prisão (iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae feito em Itália no ano de 1385).

Tumba de Boécio em San Pietro in Ciel d’Oro,Pavia.

Anício Mânlio Severino Boécio nasceu em Roma por volta do ano 480, quando o Império Romano do Ocidente vivia os seus últimos anos e quando na Europa a Antiguidade Clássica já cedia lugar à Idade Média. Era filho de Flávio Mânlio Boécio, pertencente a uma importante e antiga família patrícia dos Anicii, cristianizada há mais de um século, que tinha dado a Roma vários cônsules e o imperador Anício Olíbrio. Na linha paterna contava, pelo menos, dois papas e a linhagem materna incluía alguns imperadores romanos. O pai seria feito cônsul em 487, já depois de Odoacro depor o último imperador romano do ocidente. O pai faleceu pouco depois de ter sido nomeado cônsul, deixando órfão Boécio com apenas sete anos, que em resultado foi educado por Quinto Aurélio Mêmio Símaco (Quintus Aurelius Memmius Symmachus), amigo da família, também ele um patrício e cristão pio.

Desconhece-se onde Boécio aprendeu a língua grega com tamanha proficiência e profundidade e onde adquiriu os profundos conhecimentos sobre os autores clássicos greco-latinos que a sua obra demonstra. Os documentos históricos conhecidos são ambíguos, mas alguns estudiosos apontam como muito provável que tenha estudado em Atenas ou em Alexandria, sendo esta última hipótese mais provável dado existirem referências a um Boécio, talvez o seu pai, que seria, por volta do ano de 470, proctor de uma escola daquela cidade.

Qualquer que tenha sido a sua origem, os conhecimentos de grego e de literatura e filosofia grega que Boécio demonstrou estava muito além do que era então a norma, mesmo para a classe mais educada, até porque se vivia um período de grande conturbação social, marcado pelo desmoronar do Império e pelas invasões bárbaras, em que o ensino estava em decadência e havia um marcado recuo no conhecimento da filosofia clássica.

Casou com Rusticiana, uma filha do seu mentor Símaco, tendo, pelo menos dois filhos. Seguindo a tradição familiar, era senador e em 510 foi escolhido cônsul, já quando Roma se encontrava sob domínio dos ostrogodos.

Face à crescente escassez de pessoas com formação avançada, resultado das convulsões do tempo e do declínio dos estudos clássicos, o jovem Severino Boécio entrou ao serviço do rei ostrogodo Teodorico, o Grande, sendo encarregado de múltiplas funções de grande responsabilidade.

Por volta do ano 520, quando tinha cerca de 40 anos de idade, Severino Boécio já ocupava a posição de magister officiorum, posição correspondente à de governador da corte e chefe dos serviços governamentais do rei Teodorico, o Grande. Refletindo a importância política e o prestígio do pai, os seus dois filhos foram escolhidos para co-cônsules no ano de 522.

Acabou por se tornar amigo e confidente daquele rei, o que o não livraria de no ano de 523 ser preso por sua ordem. A prisão ocorreu supostamente por Boécio ter defendido abertamente o senador Albino, caído em desgraça e acusado de traição por ter escrito uma missiva ao imperador bizantino Justino I queixando-se da governação de Teodorico. Outras fontes acusam-no de estar envolvido numa conspiração para restaurar a república, com o favor do imperador bizantino.

Estas acusações têm como enquadramento a profunda rivalidade política e religiosa existente entre Justino I, um cristão ortodoxo imperador bizantino e Teodorico, que defendia as teses do arianismo e pretendia manter o domínio sobre Roma. Apesar de no ano de 520 se ter conseguido ultrapassar o cisma religioso existente entre o Império Bizantino e Roma, as relações eram tensas e seguramente o helenismo de Boécio fazia dele um alvo óbvio. Foi acessoriamente acusado de magia, por estar envolvido em estudos de astrologia, algo então considerado como sacrílego, mas que ele negou veementemente, atribuindo a sua prisão a difamação pelos seus rivais pessoais.

Qualquer que tenha sido a causa, foram-lhe retiradas todas as honras, viu os seus bens confiscados e foi aprisionado em Pavia, onde foi torturado. Ainda assim, pôde escrever na prisão a obra De Consolatione Philosophiae, um dos seus melhores trabalhos, na qual reflete sobre a instabilidade de um Estado cujo governo depende de um único homem, como era o caso do rei Teodorico, e sobre conceitos metafísicos, entre os quais o conceito de eternidade.

Por ordem de Teodorico, ratificada pelo Senado aparentemente sob coação, foi executado em Pávia em finais do ano de 524 ou princípios de 525, sem chegar a ser julgado. Considerado desde logo como um mártir cristão, morto pela sua ortodoxia face ao arianismo do rei, os seus restos mortais foram recolhidos e ainda hoje repousam como relíquias num altar da basílica de San Pietro in Ciel d’Oro de Pavia.

Considerado o “Último dos Romanos” e o primeiro dos filósofos escolásticos, a fama de Boécio foi duradoira, propagando-se através da suas obras, as quais serviram durante a Idade Média europeia como forma de acesso à filosofia, à matemática e à música da Antiguidade Clássica, com destaque para os autores greco-latinos.

O Bem-aventurado Severino Boécio é, também, afamado teólogo e padre da Igreja. Venerado como mártir pela Igreja Católica Romana, Leão XIII sancionou seu culto público para a Diocese de Pavia aos 25 de dezembro de 1883, Natal. É celebrado a 23 de Outubro.

Em sua homenagem, o nome de Cratera Boécio foi dado a uma estrutura da orografia da Lua e de Mercúrio.

2 Obras

Filosofia conversa com Boécio, iluminura da obra Consolation (Ghent, 1485).

Entre as obras de Boécio, a mais conhecida é De consolatione philosophiae (A Consolação pela Filosofia), sua última obra, escrita na prisão enquanto aguardava a execução da pena de morte. É um texto neo-platônico, no qual a procura da sabedoria e do amor de Deus é considerada como a verdadeira fonte da felicidade humana. Contudo, toda a sua obra, e um esforço intelectual que ocupou toda a sua vida, foi uma tentativa deliberada de preservar o conhecimento antigo, particularmente a filosofia, então em risco face ao desmoronar do Império Romano e das suas estruturas sociais perante a chegada das hordas de bárbaros incultos que submergiam a sociedade romana.

Tencionava traduzir do original grego para o latim e comentar todas as obras de Aristóteles e traduzir e talvez comentar as de Platão, o que infelizmente não conseguiu. Pretendia com isso restaurar as ideias daqueles pensadores e formar com elas um todo harmônico. Neste labor, Boécio prosseguia o mesmo ideal de helenismo que já tinha animado Cícero.

Apesar de não ter conseguido atingir o objectivo a que se propunha, ainda assim traduziu os seis volumes de lógica do Organon de Aristóteles, com o seus comentários gregos, num trabalho que produziu a única porção significativa das obras de Aristóteles disponíveis na Europa até ao século XII. Algumas das suas traduções aparecem enriquecidas com o seu próprio comentário, refletindo os conceitos aristotélicos e platônicos que perfilhava. É o caso da sua tradução de Topica de Aristóteles, onde as bases retóricas do inventio são apresentadas numa perspectiva bem diferente da original.

Outras obras de Boécio que teve profunda repercussão no pensamento europeu foi a sua tradução comentada do Isagoge de Porfírio, feita antes do ano 510, na qual ele ressalta o problema dos universais, discutindo se os conceitos são entidades auto-subsistentes, isto é que existiriam independentes do pensamento, ou se eles são meramente ideias cuja existência é resultado directo do pensamento. Este tópico, relativo à natureza ontológica das ideias universais alimentou um das controvérsias mais duradouras da filosofia medieval, com reflexos que atingem a filosofia contemporânea.

Também traduziu, por volta do ano 511 e quando era cônsul, o tratado Kategoriai e escreveu comentários ao tratado Peri hermeneias(“Sobre a interpretação”), ambos de Aristóteles. Um curto comentário a outra das obras de Aristóteles, a Analytika Protera (“Análise prévia”), bem como dois curtos textos sobre silogismos também parecem datar desta época.

Para além de obras de Filosofia, Boécio também traduziu, acrescentando-lhes muito do seu pensamento, textos gregos de carácter didático, cobrindo os tópicos do Quadrivium. Entre esses textos destacam-se os relativos aos campos da aritmética e da música, que são conhecidos, e que são baseados em textos didáticos de Nicómaco de Gerasa, um matemático palestiniano do século I. Pouco sobreviveu da parte do Quadrivium relativa à geometria e perdeu-se toda a parte referente à astronomia.

Apesar de hoje incompletas, as suas obras para o Quadrivium, foram, na acepção moderna do termo, um dos manuais que serviram de base à educação europeia durante muitos séculos.

Boécio também escreveu trabalhos sobre teologia, em boa parte propondo argumentos para suportar a ortodoxia cristã contra o arianismo e o debate de temas importantes da cristologia da época. A autoria desses trabalhos foi frequentemente disputada, em parte por uma aparente falta de congruência com a sua obra De Consolatione Philosophiae, onde não é feita qualquer menção a Cristo ou a conceitos claramente cristãos. Contudo, a descoberta de uma sua biografia, escrita pelo seu contemporâneo e colega senador Cassiodoro, veio afastar essas dúvidas. Naquela biografia, Cassiodoro aponta-o como um poeta, autor de um poema pastoril, tradutor dos clássicos gregos, e como um orador consagrado, a quem coubera fazer o elogio do rei Odoacro.

Roda de Boécio, ou mais comummente a Roda da Fortuna, foi um conceito explicitado por Boécio na sua De Consolatione Philosophiae que ganhou grande popularidade por toda a Europa durante a Idade Média e que ainda mantém actualidade. Baseia-se na aceitação de que a sorte dos indivíduos se alterna, permitindo que os ricos e poderosos sejam humilhados e destruídos e que os desprotegidos possam ascender à grandeza. Múltiplas obras de arte, pictóricas, escultóricas, poemas e textos vários, incluindo composições musicais recentes (como a canção Wheel in the Sky da banda rock Journey).

Boécio é autor de múltiplas obras, das quais as mais conhecidas são:

  • De categoricis syllogismis
  • De consolatione philosophiae ou Philosophiae consolatio
  • De differentiis topicis, comentário a Topica de Cícero
  • De divisione
  • De fide catholica
  • De institutione arithmetica
  • De institutione musica
  • Quomodo trinitas unus Deus ac non tres dii ou De Trinitate
  • Geometria Euclidis a Boethio in latinum translata
  • Introductio ad syllogismos categoricos
  • Liber contra Eutychen et Nestorium
  • Tractatus Theologici
  • Quomodo substantiae in eo, quod sint, bonae sint ou De hebdomadibus
  • Utrum Pater et Filius et Spiritus sanctus de diuinitate substantialiter praedicentur
  • In Porphyrii Isagogen commentorum editio prima, tradução e comentário à Isagoge de Porfírio
  • Tradução e comentário dos tratados de lógica de Aristóteles

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490 – 581

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Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus Senator (Scyllaceum, 490 — 581), mais conhecido apenas por Cassiodorus ou Cassiodoro, foi um escritor e estadista romano, conselheiro do rei ostrogodo Teodorico, o Grande, que se destacou pelos seus dotes jurídicos e literários e ocupou importantes cargos na administração pública ostrogoda da Itália. O apelido Senator no seu nome é antroponímico, não significando que fosse senador. 

Biografia

Cassiodoro, em um manuscrito do século XII.

Cassiodoro nasceu em Scyllaceum (atual Squillace, no sul da Itália), de uma família aparentemente de origem síria ligada à administração romana, já que seu pai ocupou o cargo de governador da província romana da Sicília.

Iniciou a sua vida pública como conselheiro de seu pai, quando este ocupou o cargo de governador da Sicília, tornando-se conhecido pelos seus conhecimentos jurídicos. Tendo-se fixado em Roma, foi nomeado questor por volta do ano 507, exercendo esse cargo até ao ano de 511. Foi feito cônsul no ano de 514.

No ano de 523, Cassiodoro sucedeu, no posto de magister officiorum , a Boécio, que tinha entretanto caído em desgraça e que seria executado por traição no ano imediato. Para além disso o sogro de Boécio, e seu mentor, já que o tinha educado em sua casa desde os sete anos de idade, seria também executado no ano seguinte, o que parece indiciar, para além das tensões religiosas entre a ortodoxia cristã e o arianismo de Teodorico, uma deterioração nas relações entre a antiga aristocracia senatorial romana, centrada em Roma, e os aderentes da governação gótica, centrada em Ravena. Apesar do detalhe com que descreve a administração do tempo, a colectânea Variae epistolae de Cassiodoro não dá qualquer indicação sobre estas matérias, não havendo qualquer menção à morte de Boécio na sua correspondência ou nas obras estantes de Cassiodoro, embora se tenha descoberto uma biografia de Boécio da sua autoria.

O lugar de magister officiorum, isto é chefe dos serviços administrativos da corte e do governo, do rei ostrogodo Teodorico, o Grande, era um dos mais importantes cargos da administração civil ostrogoda, o qual Cassiodorus manteve durante o resto do reinado de Teodorico e durante a regência de Atalarico, o jovem príncipe que foi seu sucessor.

Cassiodoro mantinha copiosos registos e apontamentos sobre todas as matérias que diziam respeito à administração pública e à política do seu tempo. Os seus dotes literários e jurídicos eram tão considerados na corte gótica que quando estava em Ravena eram-lhe confiados para redação os documentos mais significativos da administração real.

Quando em princípios do ano de 534, Atalarico morreu, o reino ostrogodo entrou em convulsão e Cassiodoro foi obrigado a passar o resto da sua carreira administrativa a lidar com as intrigas dinásticas entre a nobreza ostrogoda e com os problemas da reconquista bizantina.

Mesmo assim, a sua carreira administrativa culminou com a nomeação para o cargo de prefeito pretoriano da Itália, cargo que correspondia a uma espécie de primeiro-ministro encarregue da administração civil do reino dos ostrogodos, cargo a que correspondiam grandes honrarias, sendo considerado um fecho de ouro para uma carreira na administração real. As suas últimas cartas oficiais são emitidas em nome de Vitige, tendo já o seu sucessor no cargo de prefeito sido nomeado pela corte em Constantinopla.

Página da Historia ecclesiastica de Cassiodoro.

Por volta do ano de 537, Cassiodoro partiu para Constantinopla, cidade onde permaneceu durante quase duas décadas, concentrando-se no estudo e na discussão dos problemas religiosos que então afligiam a cristandade e o império. Encontrou-se então com Junilius, o questor de Justiniano I. A sua permanência em Constantinopla contribuiu para o tornar num especialista em questões religiosas, especialmente no que dizia respeito às suas implicações jurídicas, matéria que se reflete na sua obra escrita.

Usou o resto da sua carreira a tentar criar condições que permitissem ultrapassar as crescentes fracturas sociais que iam aparecendo entre o cristianismo e a sociedade Ocidente e do Oriente, entre a cultura grega e a latina, entre romanos e godos e entre a ortodoxia cristã da maioria da população e o arianismo da nobreza goda no poder.

No seu livro Institutiones refere-se elogiosamente a Dionísio Exíguo, o responsável pela introdução no calendário da contagem dos anos a partir do nascimento de Jesus Cristo, o sistema dos Anno Domini que ainda hoje se usa.

Retirando-se de Constantinopla para a propriedade que a sua família possuía na costa do mar Jónio, fundou ali o mosteiro de Vivarium, dedicando-se à escrita de temas religiosos e onde desenvolveu uma escola médica. A estrutura do Vivarium foi concebida de forma dupla, permitindo a coexistência no mesmo reduto de monges cenobíticos com eremitas.

No seu mosteiro, Cassiodoro criou uma biblioteca que no período final da Antiguidade Clássica pretendia colocar textos gregos à disposição de leitores latinos e preservar para a posteridade textos sagrados e profanos.

Naquele biblioteca, Cassiodoro não só colecionou todos os manuscritos que conseguiu, mas também escreveu instruções destinadas a guiar os monges na forma correta de os ler e de os copiar de forma precisa, lançando uma corrente de copistas que permitiriam a sobrevivência de muitas das obras dos clássicos durante ao anos difíceis da Idade Média europeia. Foram traduzidas e copiadas obras de autores greco-romanos como Dioscórides, Hipócrates, Galeno, entre outros. Escreveu um texto enciclopédico de História Natural com partes de Medicina. Induziu os religiosos a estudarem e aprenderem as características das plantas e as suas aplicações medicinais e terapêuticas. Apesar da cópia dos manuscritos antigos ser praticada em outros monastérios, Cassiodoro estabeleceu os scriptorium como uma parte regular da vida monástica. Este precedente introduzido por Cassiodoro em Vivarum foi adotados pela maioria dos mosteiros beneditinos.

Infelizmente, a biblioteca do Vivarium foi dispersa e perdida, apesar de ainda estar ativa por volta do ano de 630, quando os monges para ela trouxeram as relíquias de Santo Acácio de Constantinopla, a quem dedicaram um chafariz artístico, alimentado por uma fonte, que ainda existe. Por essa altura, contudo, o reino godo de Teodorico já tinha colapsado sob a pressão combinada das tensões internas entre cristãos e arianos e pelo assalto dos invasores lombardos.

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482 – 565

Ficheiro:Meister von San Vitale in Ravenna.jpg

Flávio Pedro Sabácio Justiniano (em latim: Flavius Petrus Sabbatius Justinianus; em grego: Φλάβιος Πέτρος Σαββάτιος Ιουστινιανός; Taurésio, 11 de Maio de 482 — Constantinopla, 13 ou 14 de novembro de 565), conhecido simplesmente como Justiniano I ou Justiniano, o Grande, foi imperador bizantino desde 1 de agosto de 527 até a sua morte.

Apesar de pertencer a uma família de origem humilde, foi nomeado cônsul ligado ao trono por seu tio Justino I, a quem sucedeu, após a morte deste (527). Culto, ambicioso, dotado de grande inteligência, o jovem Justiniano parecia talhado para o cargo. O Império Bizantino brilhou durante seu governo. Na Páscoa de 527, ele e sua esposa, Teodora, foram solenemente coroados. Sobre Teodora sabe-se que era filha de um tratador de ursos do hipódromo e que tivera uma juventude desregrada, escandalizando a cidade com suas aventuras de atriz e dançarina. Não se sabe exatamente como Justiniano a conheceu. Seu matrimônio com a antiga bailarina de circo e prostituta teria grande importância, uma vez que ela iria influenciar decisivamente em algumas questões políticas e religiosas. Justiniano cercou-se de um estreito grupo de colaboradores, entre eles Triboniano, Belisário, João da Capadócia e Narses. Segundo Procópio, um escritor daquele tempo, Justiniano aspirava a recuperar o antigo esplendor de Roma, motivo pelo qual realizou toda a ampla série de campanhas posteriores.

1 Resistência à ação do imperador

A intransigência com que Justiniano se aplicou na perseguição de seus objetivos provocou uma série de rebeliões no império. A mais violenta delas, a revolta (ou sedição) de Nika, ocorreu em 532, em Constantinopla.

1.1 A Revolta de Nika

Logo no início de seu reinado (532), Justiniano teve de enfrentar uma grave revolta, a Revolta de Nika. Teodora, mulher pequena, mas bem proporcionada, de rosto pálido, iluminado por dois grandes olhos negros, dominou Justiniano e o ajudou a sufocar a revolta.

O que causou esta revolta foi o descontentamento com os altos impostos e a miséria.

Em Bizâncio, existiam organizações esportivas rivais, que defendiam suas cores no hipódromo. Eram os Verdes, os Azuis, os Brancos e os Vermelhos. Esses grupos haviam se transformado em partidos políticos. Os Azuis reuniam representantes dos grandes proprietários rurais e da ortodoxia religiosa. Já os Verdes tinham, em suas fileiras, altos funcionários nativos das províncias orientais, comerciantes, artesãos e adeptos da doutrina monofisista.

Até então, os imperadores tinham tentado enfraquecer um grupo, apoiando o outro. Justiniano recusou essa solução, o que provocou a união dos Verdes e Azuis, que se rebelaram. Aos gritos de Nika (vitória), os rebeldes massacraram a guarda real e dominaram quase toda a cidade, proclamando um novo imperador. Justiniano pensou em fugir, mas foi demovido por Teodora. A altiva imperatriz teria dito:

Ainda mesmo que a fuga seja a única salvação, não fugirei, pois aqueles que usam a coroa não devem sobreviver à sua perda. Se queres fugir, César, foge; eu ficarei, pois a púrpura é uma bela mortalha.

Justiniano ficou e encarregou o general Belisário de cercar o hipódromo e aniquilar os revoltosos. Foi uma verdadeira carnificina, pois 35 mil pessoas foram massacradas. Esmagada a oposição, Justiniano pôde, a partir de então, reinar como um autocrata.

2 Administração de Justiniano

Basílica de Santa Sofia – reconstruída sob supervisão pessoal de Justiniano I.

Para garantir a centralização administrativa, Justiniano combateu o poder local dos grandes proprietários de terra e estabeleceu leis sólidas e eficazes, cujo cumprimento era rigorosamente fiscalizado pela burocracia, que contava com os militares.

Em seu governo, foi redigido o Código Justiniano, um sistema de leis básico que afirmava o poder ilimitado do imperador e, ao mesmo tempo, garantia a submissão dos escravos e colonos a seus senhores. Em seu governo, o regime político do império pode ser caracterizado como autocrático e burocrático. Autocrático, porque o imperador controlava todo o sistema político e religioso. Burocrático, porque uma vasta camada de funcionários públicos, dependentes e obedientes ao imperador, vigiava e controlava todos os aspectos da vida dos habitantes do império. Esse poder não chegava a ser totalitário, porque o império era vasto e composto por povos de naturalidades e línguas diferentes, que conseguiam escapar do controle das autoridades imperiais e manter certas tradições culturais particulares.

Justiniano também se destacou como construtor: fortificações em torno de todas as fronteiras, estradas, pontes, templos e edifícios públicos foram algumas de suas obras.

Internamente, os maiores problemas enfrentados pelo império foram os senhores locais e as heresias. Estas quebravam a unidade da Igreja de Constantinopla e, em geral, surgiam em províncias do império, adquirindo, assim, um caráter de luta autonomista diante do poder central.

3 Os assuntos religiosos

O imperador Justiniano – Mosaico na Basílica de San Vitale em Ravena.

Justiniano tinha grande interesse pelas questões teológicas. Seu objetivo maior era unir o Oriente com o Ocidente por meio da religião. Seu programa político pode ser sintetizado numa breve fórmula: “Um Estado, uma Lei, uma Igreja”. Justiniano procurou solidificar o monofisismo (doutrina elaborada por Eutiques, segundo a qual só havia natureza, a divina, em Cristo). Essa doutrina tornou-se forte na Síria (patriarca de Antioquia) e no Egito (patriarca de Alexandria), que tinham aspirações emancipacionistas. Os seguidores dessa heresia tinham na imperatriz Teodora uma partidária. Esta tentou conciliar ortodoxos e heréticos, com relativo êxito. Autoritário, Justiniano combateu e perseguiu judeus, pagãos e heréticos, ao mesmo tempo que interveio em todos os negócios da Igreja, a fim de mantê-la como sustentáculo do Império e sob seu controle. A Academia de Platão, último baluarte do paganismo, foi fechada. As catedrais dos Santos Apóstolos e de Santa Sofia foram construídas durante seu governo, para evidenciar o poder imperial.

Em 529, Justiniano fechou a Academia de Platão, Em 540 d.C. também considerou extinta o Talmude nas sinagogas. Em 550, eliminou o reduto dos mistérios egípcios na Ilha de Filac.

4 Reconstituição territorial do império

Império Bizantino em 550. A parte mais clara representa as conquistas de Justiniano (r. 527-565).

No plano externo, a política de Justiniano teve como objetivo fundamental a tentativa de reconstrução do fragmentado Império Romano. Uma vez estabilizado o perigo persa na zona oriental graças a um tratado de não-agressão pactuado com Cosroes I, no qual se comprometia a pagar um tributo anual ao sassânida, Justiniano empreendeu a recuperação do Ocidente. Seu primeiro objetivo foi acabar com os vândalos, no norte da África (533 – 534). O general Belisário dirigiu as campanhas com eficiência, conquistando Cartago, a Sicília, as ilhas Baleares e parte da costa levantina peninsular.

Justiniano ordenou ao general Belisário que se lançasse à conquista da Itália, onde Teodorico, o Grande havia estabelecido um reino dos ostrogodos. Belisário dirigiu-se à península Itálica com o mesmo ânimo e rapidez das campanhas anteriores. Conquistou Roma (539) com relativa dificuldade devido à resistência ostrogoda e Ravena um ano mais tarde. Por um momento pareceu que as glórias do Império Romano poderiam reviver. Entretanto, os acontecimentos das décadas seguintes demonstraram que não seria assim. No ano 542, uma grande peste deu um devastador golpe nas ainda populosas cidades do Mediterrâneo Oriental. O restante do território italiano ofereceu importantes resistências dirigidas por Totila. Belisário caiu em desgraça perante Justiniano, sendo substituído por Narses, que eliminou as forças ostrogodas. As guerras duraram 20 anos.

Com a ocupação de um amplo setor do sul da Espanha pelas tropas imperiais, em 554, o Mediterrâneo voltou a ficar sob o controle dos romanos – desta vez, porém, do Império do Oriente. O império alcançou sua máxima extensão.

5 O corpus juris civilis

Ao lado da religião, o direito romano ajudou a manter a unidade e a ordem imperial. Justiniano percebeu a importância de salvaguardar a herança do direito romano e, aproveitando a prosperidade econômica e comercial que lhe proporcionavam as novas conquistas, empreendeu um importante trabalho legislativo e de recompilação jurídica. A recompilação e reorganização das leis romanas tornou-se um dos marcos mais notáveis de sua administração, confiado a um colégio de dez juristas dirigido por Triboniano, cujos trabalhos duraram dez anos. Essa obra ficou conhecida como corpus iuris civilis, composta de quatro partes:
  • Código de Justiniano (Codex): Reunião de todas as constituições imperiais editadas desde o governo do imperador Adriano (117 a 138);
  • Digesto ou Pandectas: Continha os comentários dos grandes juristas romanos.
  • Institutas: Manual para ser estudado pelos que se dedicavam ao Direito;
  • Novelas ou Autênticas: Constituições elaboradas depois de 534.

6 Obstáculos à política de Justiniano

O descomunal esforço de reforma econômica e institucional despendido por Justiniano esbarrou numa infinidade de obstáculos. A desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres se aprofundou, tornando-se um problema constante para o soberano. No campo das agressões externas, uma das ameaças permanentes para o império foi representada por um ataque dos persas, que, reunificados sob a dinastia Sassânida, não escondiam a ambição de ocupar a Armênia, a Mesopotâmia e a Síria. Em duas ocasiões Justiniano se viu obrigado a comprar a paz de seus vizinhos, o que lhe obrigou a dispor de imensas quantidades de ouro.

7 Morte

O autoritarismo e os altos impostos fizeram com que a população respirasse aliviada com a notícia do morte de Justiniano (Constantinopla, 565). Foi sepultado ao lado de sua amada imperatriz Teodora na Igreja dos Santos Apóstolos (igreja onde repousavam as relíquias dos apóstolos, imperatrizes e imperadores bizantinos, patriarcas da Igreja Ortodoxa Grega) em Constantinopla. A data da morte do imperador é tradicionalmente considerada o termo final do direito romano.

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560 – 636

Ficheiro:Isidor von Sevilla.jpeg

Isidoro de Sevilha (em castelhano: San Isidoro de Sevilla; em latim: Sanctus Isidorus Hispalensis) (Cartagena, 560 – Sevilha, 4 de Abril de 636) foi um teólogo, matemático e doutor da Igreja, além de arcebispo de Sevilha, considerado um dos grandes eruditos e o primeiro dos grandes compiladores medievais. A obra influenciou largamente toda a produção intelectual na Espanha medieval.

Isidoro nasceu na cidade de Cartagena, Espanha, de uma família influente que foi crucial para as manobras político-religiosas que levaram os reis visigodos a converter-se do arianismo ao catolicismo. Diversos dos familiares foram canonizados; Isidoro sucedeu como bispo católico de Sevilha seu irmão Leandro, o qual se opusera ao rei visigodo ariano Leovigildo; seu irmão mais novo, Fulgêncio, também recebeu uma diocese no início do reinado do católico rei Recaredo; e sua irmã, Florentina, tornou-se abadessa responsável por quarenta conventos.

Página do Etymologiae, manuscrito carolíngio (século VIII), Bruxelas, Real Biblioteca da Bélgia

Escreveu a obra enciclopédica Etymologiarum Libri XX, compendiando vinte livros com os conhecimentos da época sobre artes e ciências, para ser ensinada na escola fundada por Leandro, bispo de Sevilha e irmão, dirigida também por este e que constituiu um importante centro cultural.

Estátua de Santo Isidoro em Sevilha.

Obra monumental que organizou todo o conhecimento da época como um autêntico banco de dados. Alguns livros desta obra debruçam-se sobre Medicina, Corpo humano, História Natural e dietética. Inclui nos livros de Medicina uma visão geral e sistemática partindo da concepção da matéria através dos quatro elementos (Fogo, Ar, Água e Terra) que correspondem aos quatro humores (Bílis Amarela, Sangue, Linfa e Bílis Negra), e de cujo equilíbrio depende a saúde. As doenças agudas eram derivadas de um excesso de humor quente, enquanto as doenças crónicas resultavam de um desequilíbrio dos humores frios. Dedica um capítulo a doenças da pele, a remédios e a medicamentos. Os livros de Medicina descreviam instrumentos usados no tratamento das doenças, técnicas de flebotomia, clisteres e fórmulas farmacêuticas. Atribui assim um lugar de destaque à Medicina entre as artes liberais, o que conduziu a que o bispo Teodulfo de Orleans a proclamasse como a oitava arte liberal, sendo digna de ser ensinada nas escolas monásticas.

Isidoro escreveu sobre matemática, astronomia, medicina, anatomia humana, zoologia, geografia,meteorologia, geologia, mineralogia, botânica e agricultura, não acrescentando nada de inovador ou original, não realizou qualquer experiência, não fez novas observações ou reinterpretações e não descobriu nada, mas a influência na Idade média e no Renascimento foi grande.

Foi canonizado em 1598, e em 1722 o papa Inocêncio XIII o declarou Doutor da Igreja.

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570 – 632

Ficheiro:Maome.jpg

Abū al-Qāsim Muḥammad ibn ʿAbd Allāh ibn ʿAbd al-Muṭṭalib ibn Hāshim, mais conhecido como Maomé (em árabe: مُحَمَّد, transl. Muḥammad ou Moḥammed; Meca, 6 de Abril de 570 — Medina, 8 de Junho de 632) foi um líder religioso e político árabe. Segundo a religião islâmica, Maomé é o mais recente e último profeta do Deus de Abraão.

Para os muçulmanos, Maomé foi precedido em seu papel de profeta por Jesus, Moisés, Davi, Jacob, Isaac, Ismael eAbraão. Como figura política, ele unificou várias tribos árabes, o que permitiu as conquistas árabes daquilo que viria a ser um império islâmico que se estendeu da Pérsia até à Península Ibérica.

Não é considerado pelos muçulmanos como um ser divino, mas sim, um ser humano; contudo, entre os fiéis, ele é visto como um dos mais perfeitos seres humanos.

Nascido em Meca, Maomé foi durante a primeira parte da sua vida um mercador que realizou extensas viagens no contexto do seu trabalho. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca. Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse os versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade. Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão, durante o califado de Abu Bakr.

Maomé não rejeitou completamente o judaísmo e o cristianismo, duas religiões monoteístas já conhecidas pelos árabes. Em vez disso, informou que tinha sido enviado por Deus para restaurar os ensinamentos originais destas religiões, que tinham sido corrompidos e esquecidos.

Muitos habitantes de Meca rejeitaram a sua mensagem e começaram a persegui-lo, bem como aos seus seguidores. Em 622 Maomé foi obrigado a abandonar Meca, numa migração conhecida como a Hégira (Hijra), tendo se mudado para Yathrib (atual Medina). Nesta cidade, Maomé tornou-se o chefe da primeira comunidade muçulmana. Seguiram-se uns anos de batalhas entre os habitantes de Meca e Medina, que resultaram em geral na vitória de Maomé e de seus seguidores. A organização militar criada durante estas batalhas foi usada para derrotar as tribos da Arábia. Por altura da sua morte, Maomé tinha unificado praticamente todo o território sob o signo de uma nova religião, o islão.

1 Nome

Miniatura persa que retrata a ascensão de Maomé ao céu.

O nome completo de Maomé em árabe pode ser transliterado como Abu al-Qasim Muhammad ibn ‘Abd Allah ibn ‘Abd al-Muttalib ibn Hashim, sendo que Muhammad significa “louvável” e seu nome completo, inclui o nome “Abd Allah”, que significa “servo de Deus”. Este nome já era comum na Arábia antes do surgimento do islão, não sendo por isso necessário ver nele um epíteto criado pelo próprio.

Maomé é uma forma aportuguesada do francês Mahomet, que por sua vez é uma deformação do turco Mehmet, tendo daí derivado os adjetivos portugueses maometano e maometismo para designar, respectivamente, o seguidor e a crença difundida por ele.

Na África Negra muçulmana, o nome foi deformado para Mamadou, e entre os berberes encontra-se a forma Mohand.

Nos textos portugueses mais antigos, este antropônimo aparece grafado de variadíssimas formas, como MafomaMafamedeMafomedeMafomadeMahamedMahomaMahomet,Mahometes ou Mahometo, sendo Mafamede e Mafoma por ventura as mais divulgadas (de resto, a última forma é correlata do nome do profeta nas outras línguas ibéricas, sendo que em castelhano, catalão, galego e até basco, se diz Mahoma). Desde o século XIX, porém, que tais termos caíram completamente em desuso no português, sendo até considerados ofensivos, posto que o seu uso, nas crônicas antigas, se fez sempre associado num contexto de cruzada contra a religião muçulmana.

Hoje em dia, alguns arabistas, islamólogos e historiadores lusófonos optam por utilizar a forma Muhammad em vez de Maomé, por considerarem que esta é a transliteração mais correta a partir do árabe, sendo sua pronúncia a mais aproximada ao nome original (de facto, nos últimos anos, uma parte significativa e crescente da produção científica em Portugal na área dos estudos árabes e islâmicos tem vindo a consagrar este uso). Neste grupo inclui-se o recém-falecido arabista português José Pedro Machado, autor de uma tradução do Alcorão em português na qual utiliza a forma Muhammad para se referir ao profeta do islão.

Todavia, os principais dicionários da língua portuguesa e alguns lingüistas e lexicógrafos adotam a forma Maomé, vulgarizada por dois séculos de uso.1 Ademais, a língua árabe não estipula uma transliteração oficial (como o chinês, por exemplo), portanto a representação morfológica no alfabeto latino das palavras em árabe varia enormemente com as particularidades de cada língua. Outro argumento a favor do emprego de Maomé encontra-se no facto que praticamente todos os nomes de personalidades históricas anteriores ao século XX já possuem forma vernácula em português, como Moisés, Jesus, Martinho Lutero.

2 Fontes

As principais fontes para o estudo da vida de Maomé são o Alcorão, as biografias surgidas nos primeiros séculos do islão (nos séculos VIII e IX, conhecidas como Siras) e os hadith.

Embora o Alcorão não seja uma biografia de Maomé, ele proporciona informações sobre a sua vida. Entre as suras, destaca-se a sura de Ibn Ishaq. Os ahadith (singular hadith) são os relatos daquilo que o profeta disse, fez ou aprovava, e foram transmitidos através de uma cadeia oral.

3 Vida

Maomé, nos braços da mãe, Amina, em miniatura turca, ambos com o rosto velado.

Muhammad nasceu em Meca no dia 12 do mês de Rabi al-Awwal (terceiro mês do calendário árabe) no “ano do Elefante”. Este ano recebeu esta denominação porque nele se verificou o ataque de pelas tropas de Abraha (governador do sul da Arábia ao serviço do imperador da Etiópia) que estavam equipadas com elefantes. Na era cristã este ano corresponde a 570.

Maomé pertencia ao clã dos hachemitas, por sua vez integrado na tribo dos coraixitas (Quraysh, “tubarão”). Era filho de Abdalá e de Amina. Seu pai faleceu pouco tempo antes do seu nascimento, deixando à esposa como herança cinco camelos e uma escrava.

Entre as famílias de Meca existia na época a tradição de entregar temporariamente as crianças às famílias beduínas que viviam no deserto, uma vez que se considerava que o clima de Meca era pouco saudável; para além disso, acreditava-se que uma temporada de vida no deserto prepararia melhor a criança para a vida adulta. Em troca desta adoção temporária, os beduínos recebiam presentes dos habitantes de Meca. Apesar das limitações econômicas, Amina entregou Maomé aos cuidados de uma ama-de-leite chamada Halíma (Haleemah).

Quando Maomé tinha seis anos de idade a sua mãe faleceu; passou a viver então com o seu avô paterno, Abd al-Mutalib, e com os filhos destes, entre os quais se encontravam Abbas e Hamza e que eram praticamente da mesma idade que Maomé, fruto de um casamento tardio do avô. Abd al-Mutalib ocupava em Meca o importante cargo de siqáya (serviço de distribuição pelos peregrinos da água sagrada do poço de Zamzam). Dois anos depois, o avô de Maomé faleceu e este foi viver com o seu tio Abu Talib, novo chefe do clã hachemita.

Meca era nesta altura uma cidade-estado no deserto, onde se encontrava um santuário conhecido por Caaba (“Cubo”) administrado pelos coraixitas. A Caaba era venerada por todos os árabes, sendo alvo de uma peregrinação anual. Nela se encontrava a Pedra Negra e uma série de ídolos, representações de deusas e de deuses, dos quais se destacava o deus nabateu Hubal. Alguns habitantes de Meca distanciavam-se quer dos cultos pagãos, quer do monoteísmo dos judeus e dos cristãos, declarando-se hunafá, isto é, crentes no Deus único de Abraão, que acreditavam ter sido o fundador da Caaba. Apesar de a cidade não possuir recursos naturais, ela funcionava como um centro comercial e religioso, visitado por muitos comerciantes e peregrinos.

Durante a adolescência Maomé foi pastor e teria também acompanhado o seu tio em expedições comerciais à Síria. Segundo os relatos muçulmanos, quando Maomé, o seu tio e outros acompanhantes regressavam de uma destas viagens cruzaram-se perto de Bosra com um eremita cristão chamado Bahira que após ter examinado Maomé concluiu que este era o enviado que todos aguardavam. Bahira recomendou a Abu Talib que levasse o seu sobrinho para Meca e que velasse pelo bem-estar deste.

Gravura otomana retratando o momento da revelação pelo anjo Gabriel do Alcorão para o profeta Maomé.

Por volta de 595 Maomé conheceu Cadija, uma viúva rica de 40 anos de idade. O jovem (na altura com 25 anos de idade) impressionou Cadija pela sua honestidade nos negócios de tal forma que ela propôs o casamento. Este casamento representou uma mudança social para Muhammad, já que segundo os costumes árabes da época os menores não herdavam, razão pela qual Muhammad nada tinha recebido da herança do pai e do avô. Muhammad permaneceu com Cadija até à morte desta em 619. Cadija teve seis filhos de Muhammad, quatro mulheres (Zainab, Ruqayyah, Umm Kulthum e Fátima) e dois homens (Al-Qasim e Abdullah, que faleceram durante a infância). Para Karl-Heinz Ohlig a gênese do islamismo assenta na religião professada pela esposa ebionita, que tal como outras seitas árabes cristãs, os arianos e nestorianos divergiam do cristianismo na aceitação do dogma da trindade. .

Habitualmente afirma-se que Maomé teria sido analfabeto;2 contudo, é provável que alguém que desempenhou funções na área do comércio tenha possuído, autonomamente, conhecimentos essenciais de escrita.

O seu tio Zubair fundou a ordem de cavalaria conhecida como a Hilf al-fudul, que assistia os oprimidos, habitantes locais e visitantes estrangeiros. Maomé foi um membro entusiasta; ajudou na resolução de disputas, e tornou-se conhecido como Al-Ameen (“o confiável”) devido à sua reputação sem mácula nestas intermediações. Como exemplo, quando a Kaaba sofreu danos após uma inundação, e todos líderes de Meca queriam receber a honra de resolver o problema, Maomé foi nomeado para solucionar a situação. Propôs que estendessem um lençol branco no chão, que colocassem a Pedra Negra (também conhecida como Hajar el Aswad) no meio e pediu aos líderes tribais que a transportassem ao seu devido local, segurando os cantos do lençol. Chegados ao devido local, o próprio Maomé tratou de a colocar na posição devida.

3.1 Vida familiar

Durante a sua vida e depois da morte de Cadija, Maomé viria a casar com outras quinze mulheres, na sua maioria viúvas, excepto Aicha. Estas mulheres eram viúvas de companheiros de Maomé, tinham uma idade avançada e o casamento com o profeta surgia como uma forma de garantir proteção e estabilidade econômica. Em outros casos os casamentos serviram para cimentar alianças políticas.

Uma das esposas mais importantes de Maomé foi Aicha (em árabe عائشة), a sua segunda esposa, que tinha seis anos de idade na altura do seu noivado e segundo registos, quatorze anos na altura de seu casamento com o profeta. Mas o casamento foi consumado por volta dos 16 anos de Aicha.

3.2 Morte e legado

Um ano antes da sua morte, Maomé dirigiu-se pela última vez aos seus seguidores naquilo que ficou conhecido como o sermão final do profeta. A sua morte em Junho de 632 em Medina, com a idade de 62 anos, deu origem a uma grande crise entre os seus seguidores. Na verdade, esta disputa acabaria por originar a divisão do islão nos ramos dos sunitas e xiitas. Os xiitas acreditam que o profeta designou Ali ibn Abu Talib como seu sucessor, num sermão público na sua última Hajj, num lugar chamado Ghadir Khom, enquanto que os sunitas discordam.

4 Revelação

Caverna do Monte Hira

Maomé tinha por hábito passar noites nas cavernas das montanhas próximas de Meca, praticando o jejum e a meditação. Sentia-se desiludido com a atmosfera materialista que dominava a sua cidade e insatisfeito com a forma como órfãos, pobres e viúvas eram excluídos da sociedade. A tradição muçulmana informa que no ano de 610, enquanto meditava numa caverna do Monte Hira, Maomé recebeu a visita do arcanjo Gabriel (Jibrīl) que o declarou como profeta de Deus. Desde este momento e até à sua morte, também recebeu outras revelações.

Ao receber estas mensagens, Maomé teria transpirado e entrado em estado de transe. A visão do arcanjo Gabriel o teria perturbado, mas a sua mulher Cadija o reconfortou, assegurando que não se trataria de uma possessão de um gênio. Para tentar compreender o sucedido o casal consultou Waraqa, um primo de Cadija que se acredita ter sido cristão. Com a ajuda deste Maomé interpretou as mensagens como sendo uma experiência idêntica à vivida pelos profetas do judaísmo e cristianismo.

As primeiras pessoas a acreditar na missão profética de Maomé foram Cadija e outros familiares e amigos que se reuniam na casa de um homem chamado Al-Arqam. Por volta de 613, encorajado pelo seu círculo restrito de seguidores, Maomé começou a pregar em público. Ao proclamar a sua mensagem na cidade, ganhou seguidores, incluindo os filhos e irmãos do homem mais rico de Meca. A religião que ele pregou tornou-se conhecida como islão (“submissão à vontade de Deus”).

À medida que os seus seguidores cresciam, ele se tornava uma ameaça para as tribos locais, especialmente aos Coraixitas, a sua própria tribo, que tinha a responsabilidade pelo cuidado da Caaba, que nesta altura hospedava centenas de ídolos que os árabes adoravam como deuses.

5 Rejeição

O Profeta orando na Caaba, numa gravura otomana do século XVI. Seu rosto está vendado, algo comum na arte islâmica da época.

Apesar da mensagem monoteísta de Maomé ter sido aceita por alguns habitantes de Meca, muitos rejeitaram-na. Os conceitos religiosos por ele apresentados, e em particular a ideia de um Julgamento Final, geravam incredulidade e zombaria junto dos mequenses. Pediam-lhe que fizesse um milagre capaz de comprovar as suas alegações ou então acusavam-no de estar possuído por um djiin (um espírito maligno). Para além disso, ele tornou-se muito impopular com os governantes, e seus seguidores foram alvos de ataques físicos repetidos, bem como de ataques às suas propriedades. De acordo com os relatos, alguns dos habitantes de Meca lançaram ataques vigorosos e brutais contra esta nova religião: forçaram pessoas a deitar-se sobre areia ardente, colocaram enormes pedras sobre seus peitos, derramaram ferro derretido sobre eles. Muitos teriam morrido, mas a fé prevaleceu. Esta perseguição não atingiu inicialmente o próprio Maomé, pelo simples motivo de que a sua família detinha muita influência. No entanto, estas circunstâncias tornaram-se intoleráveis e Maomé aconselhou alguns dos seus seguidores a irem para a Abissínia por volta do ano 615.

Os mequenses obrigaram Maomé a deixar a sua missão religiosa oferecendo-lhe poder político. À medida que os seus seguidores aumentaram, os seus oponentes tentaram demovê-lo a deixar ou alterar a sua religião. Ofereceram-lhe uma boa parte do comércio e o casamento com mulheres de algumas das famílias mais ricas, mas ele rejeitou todas estas ofertas. Os habitantes de Meca acabaram por exigir que Abu Talib entregasse o seu sobrinho Maomé para execução. Uma vez que ele recusou, a oposição exerceu pressão comercial contra a tribo de Muhammad e seus apoiantes. Houve também uma tentativa de assassinato. Após a morte do seu tio e de Cadija no ano de 619 (ano a que a tradição muçulmana se refere como o “Ano da Tristeza”), o próprio clã de Maomé retirou-lhe a proteção. Maomé mudou-se então para a cidade de At-Ta’if, onde não encontrou apoio por parte dos seus habitantes. Por esta razão ele regressou à Meca. Então sofreu abusos, foi apedrejado e atirado contra espinhos e lixo. Os seus inimigos preparavam-se para tentar novamente assassiná-lo.

6 A Hégira

Em 622 e em resultado do incremento da perseguição aos muçulmanos estes começaram a deixar Meca em direção a Yathrib, uma cidade a cerca de 350 km a norte de Meca, que mais tarde passaria a ser conhecida por Medina. Esta migração é conhecida como a Hégira, palavra por vezes traduzida como “fuga”, embora o seu sentido preciso seja de “emigração”, mas não num sentido geográfico, mas de separação em relação à família e ao clã. O calendário islâmico tem início no dia em que começou a Hégira, 16 de Julho de 622.

A migração de Meca para Medina não foi um ato impulsivo, mas o resultado de contatos prévios. No Verão de 621, doze homens de Medina visitaram Meca durante a peregrinação anual e declararam-se muçulmanos. Em Junho do ano seguinte uma delegação de setenta e cinco medinenses também se declara muçulmana em Meca e jura proteger Maomé de qualquer ataque. Os primeiros muçulmanos começaram a abandonar Meca em Julho de 622; na época a viagem duraria nove dias. Os muçulmanos partiram em pequenos grupos e como tal não se gerou desconfiança entre os mequenses.

Muhammad partiu em Setembro, tendo conseguido escapar a um plano que visava matá-lo. O plano estabelecia que um homem pertencente a cada um dos clãs de Meca enfiaria a sua espada em Maomé; desta forma, a vingança (conceito enraizado entre as tribos árabes) seria difícil de concretizar. O plano fracassou uma vez que Maomé fugiu durante a noite, tendo deixado a dormir na sua cama Ali, vestido com o seu manto verde. Quando o grupo pretendia executar o plano deparou-se com Ali, que nada sofreu. Maomé chegaria a Medina a 24 de Setembro.

Medina era um oásis que tinha na agricultura a sua principal atividade econômica. Nesta cidade viviam três tribos judaicas, talvez aí chegadas depois da destruição do Segundo Templo pelos Romanos em 70 e duas tribos árabes pagãs, os Khazradj e os Aws. Os habitantes de Medina esperavam que Maomé os unisse e evitasse incidentes tais como a guerra civil de 618, na qual muitas vidas se tinham perdido.

7 Os anos em Medina

Cronologia
Datas e locais importantes na vida de Maomé
569 Morte do pai, `Abdallah´
570 Possível data de nascimento, 20 de Abril:Meca
570 Fracasso do ataque abissínio sobre Meca
576 Morte da mãe
578 Morte do avô
583 Viagens à Síria
595 Conhece e casa com Cadija
610 Início da revelação do Alcorão: Meca
610 Apresenta-se como profeta: Meca
613 Começa a pregar publicamente a sua mensagem: Meca
614 Começa a reunir seguidores: Meca
615 Emigração de muçulmanos para a Abissínia
616 O clã Banu Hashim inicia boicote económico
618 Guerra civil medinense: Medina
619 Termina o boicote dos Banu Hashim
620 Isra e Miraj
622 Emigra para Medina (Hijra)
624 Batalha de Badr Muçulmanos derrotam Meca
625 Batalha de Uhud
625 Expulsão da tribo Banu Nadir
626 Ataque a Dumat al-Jandal: Síria
628 Batalha da Trincheira
627 Destruição da tribo Banu Qurayza
627 Subjuga a tribo Bani Kalb: Dumat al-Jandal
628 Tratado de Hudaybiyya
628 Conquista acesso ao santuário da Kaaba
628 Conquista do oásis de Khaybar
629 Primeira peregrinação
629 Ataque fracassado ao Império Bizantino:Mu’ta
630 Entra em Meca que conquista pacificamente
630 Batalha de Hunayn
630 Cerco de al-Ta’if
630 Estabelece uma teocracia: Meca
631 Domínio sobre quase toda a Arábia
632 Ataca o Império Gaznévida: Tabuk
632 Peregrinação de despedida
632 Morte (8 de Junho): Medina

Um documento conhecido como a Constituição de Medina revela como se estabeleceu uma confederação entre os seguidores de Maomé de Meca e os habitantes de Medina (Umma). O preâmbulo do documento refere-se a ele como “profeta” e estabelece que as disputas devem ser submetidas à mediação deste, mas não lhe outorgou qualquer tipo de autoridade especial. Contudo, nos últimos anos da sua vida Maomé tornou-se soberano da cidade em resultado do prestígio concedido pelas campanhas militares.

Maomé aprovou ataques a caravanas coraixitas que negociavam com a Síria, tendo ele próprio participado de três ataques, que resultaram em fracassos.

7.1 Guerras

Em Março de 624 Maomé preparou um ataque a uma caravana de Meca que regressava da Síria. A caravana, liderada por Abu Sufyan (líder do clã omíada), conseguiu enganar os muçulmanos. Contudo, Abu Jahal de Meca (líder do clã Makhzum) que se tinha previamente oposto a Maomé e organizado um boicote contra o clã hachemita, pretendia ensinar-lhe uma lição.

A 15 de Março de 624, próximo de um lugar chamado Badr, as duas forças colidem. Apesar de serem apenas 300 mal equipados contra 800 mequenses melhores equipados na batalha, os muçulmanos tiveram sucesso, matando pelo menos 45 naturais de Meca, incluindo Abu Jahl, e tomando 70 prisioneiros, com apenas 14 baixas muçulmanas. Para os muçulmanos a vitória foi encarada como uma confirmação da missão profética de Maomé. Muitos habitantes de Medina converteram-se ao Islão e Maomé tornou-se o governador de facto da cidade.

Várias importantes alianças pelo casamento ocorreram nesta altura. Das filhas de Maomé, Fátima casou com Ali (seria mais tarde o quarto califa) e Umm Kulthum casou com Otman (o terceiro califa entre 644 e 656). O próprio Muhammad, já casado com Aisha, filha de Abu Bakr (o primeiro califa) casou então com Hafsah, a filha de Omar (o segundo califa), cujo marido tinha falecido na Batalha de Badr.

As relações com os judeus de Medina começaram a se degradar. Para estes era impossível aceitar a mensagem religiosa de um homem que colocava Moisés, João Baptista e Jesus no mesmo grau de consideração religiosa. Por volta desta altura, Maomé mudou a direção da Qibla de Jerusalém para Meca.

A 21 de Março de 625, Abu Sufyan, em busca de vingança, entrou em Medina com 3 000 homens. Na manhã de 23 de Março começou a luta. A batalha não produziu um vencedor ou perdedor óbvios, apesar dos habitantes de Meca terem clamado a vitória. Nos dois anos seguintes, ambos os lados preparam-se para o encontro decisivo.

Em Abril de 627, Abu Sufyan liderou uma grande confederação de 10 000 homens contra Medina. Maomé ordenou que fosse cavada uma trincheira à volta de Medina, por sugestão do escriba persa Salman e-Farsi. O exército não conseguiu entrar na cidade. Por sua vez, os agentes de Maomé enviados do junto do exército conseguiram provocar algumas deserções. Depois de uma noite marcada pelo vento e chuva, o exército de Sufyan acabou por se desagregar.

Após a retirada de Abu Sufyan e suas forças, os muçulmanos dirigiram a sua atenção para os grupos que tinham cometido traição ao acordo de Medina. Os munafiqun desmoronaram-se rapidamente, e seu líder Abdullah ibn Ubayy prometeu aliança com Maomé. Os muçulmanos cercaram então os Banu Qurayza, que tinha conspirado contra eles. Eles tinham tido a oportunidade de escolher Maomé como árbitro, mas em vez disso, os Banu Qurayza escolheram Saad ibn Muadh, o líder dos seus antigos aliados da tribo Aws.

Saad tinha sofrido uma ferida letal na batalha contra as forças de Abu Sufyan e ordenou a execução das forças ativas da tribo, consistindo de todos os seus homens adultos. Ele permitiu às mulheres não-combatentes e às crianças viverem como escravos para o resto da vida, como era tradição do tempo. Mais tarde, comentadores argumentaram que o punimento de Banu Qurayza era conforme aos ditames da Bíblia hebreia sobre a guerra; no entanto, as fontes originais da sirah não mencionam isto.

7.2 Conquista de Meca

Por volta de 627 Maomé tinha unido Medina sob o Islão, com o desaparecimento dos seus inimigos internos. Os beduínos, após um período de batalhas e negociações, tornaram-se aliados de Maomé e aceitaram a sua religião. Depois de muito contacto com a cidade e com os muçulmanos, alguns converteram-se gradualmente. Por esta altura, as revelações que supostamente tinham visitado Maomé , chegaram ao fim. Ele regressou então a Meca para tomar posse da Caaba.

Maomé colocou os cidadãos de Meca sobre pressão econômica, destinada primeiramente a ganhar a adesão deles ao Islão. Em Março de 628, ele partiu para a “peregrinação” a Meca, com 1600 militares que o acompanhavam. Os naturais de Meca no entanto, puseram travo ao avanço destas forças nos limites do seu território, em Al-Hudaybiyah. Alguns dias depois, os de Meca fizeram um tratado com Maomé. Com negociação e o consentimento dos mais velhos Coraixitas, ele fez uma peregrinação à Kaaba, desarmado. As hostilidades iriam ter um fim e os muçulmanos iriam conseguir a permissão para fazer a peregrinação a Meca no próximo ano. O casamento de Maomé com Habiba, filha de seu antigo inimigo Abu Sufyan, cimentou ainda mais o tratado.

Após um certo período, o acordo extinguiu-se e a guerra rebentou. Em Novembro de 629, aliados de Meca atacaram um aliado de Maomé, o que levou Muhammad a romper o tratado de Al-Hudaybiyah. Após planeamento secreto, Maomé marchou sobre Meca em Janeiro de 630 com 10.000 combatentes. Não houve derramamento de sangue. Abu Sufyan e outros líderes de Meca submeteram-se formalmente. Maomé prometeu uma anistia geral (com algumas pessoas especificamente excluídas). Apesar de ele não os ter forçado, muitos habitantes de Meca converteram-se ao islão. Em Meca, Maomé destruiu os ídolos na Kaaba e em outros pequenos santuários.

8 Unificação da Arábia

Após a Hégira, Maomé começou a estabelecer alianças com tribos nómadas. À medida que a sua força e influência cresceu, insistiu que as tribos potencialmente aliadas se tornassem muçulmanas.

Quando estava em Meca, Maomé foi informado de que havia uma grande concentração de tribos hostis e ele partiu para as defrontar. A batalha teve lugar em Hunain, e os inimigos foram derrotados. Alguns viram agora Maomé como o homem mais poderoso da Arábia e a maioria das tribos enviou delegações para Medina, em busca de uma aliança. Antes da sua morte, rebeliões ocorreram em uma ou duas partes da Arábia mas o estado islâmico tinha força suficiente para lidar com elas.

9 Veneração de Maomé

Gravura Otomana, retratando o momento da morte de Maomé (1596)

Usualmente, quando um muçulmano se refere a Maomé, Jesus ou outro dos profetas, imediatamente após o nome diz ou escreve “que a paz e bênção de Alá estejam sobre ele” ou expressão equivalente em outra língua (frequentemente árabe), ou ainda usa a sigla dessa expressão. Em inglês, por exemplo, é aceitável usar “pbuh” ou “peace be upon him“. A sigla tradicional em árabe é “swas“.

Maomé é considerado pela comunidade muçulmana como um modelo a seguir. A devoção à sua pessoa tem sido expressa ao longo dos séculos das mais variadas formas, como por exemplo através da escrita de poemas. Um dos poemas mais famosos, a “Burda” (ou “Poema do Manto”) foi composto no século XIII por Al-Busiri. Embora não exista registro de milagres feitos por Maomé, alguns relatos populares atribuem-lhe essa capacidade.

Em vários locais do mundo muçulmano existem santuários dedicados a um pelo da sua barba. No Palácio Topkapı, em Istambul, um relicário guarda aquilo que se acredita ter sido o seu manto, as suas espadas, bem como uma pegada que ficou registada numa superfície enlameada e alguns pelos da sua barba.

A maioria dos muçulmanos celebram o nascimento de Maomé (Mawlid), embora o movimento religioso ultra-conservador Wahhabismo e algumas outras menores ramificações consideram que essa celebração é incorreta por se tratar de uma inovação religiosa proibida pelo Islão. Estes muçulmanos são igualmente contra a veneração destas relíquias, por considerarem tratar-se de idolatria.

10 Representações de Maomé

As representações visuais do profeta podem eventualmente ser proibidas e consideradas insultuosas. Geralmente os xiitas e os sufis aceitam mais a ideia da representação, que em geral o Islão rejeita, por ser, à semelhança do judaísmo, uma religião da palavra e não da imagem.

Recentemente, charges de Maomé criticando o terrorismo que foram publicadas na Europa causaram muita polêmica, grande furor do mundo islâmico e protestos em todo o mundo. Como vingança, o jornal iraniano Hamshahri fez uma competição internacional de charges sobre o Holocausto.

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672 – 735

Ficheiro:The Venerable Bede translates John 1902.jpg

Beda (inglês antigo Bæda, inglês Bede), também conhecido como São Beda ou Beda, o Venerável, nascido cerca de 672 e falecido a 26 de maio de 735, foi um monge anglo-saxão do mosteiro de Jarrow, no antigo Reino da Nortúmbria. Tornou-se famoso pela sua Historia eclesiástica gentis Anglorum (História Eclesiástica do Povo Inglês), que lhe valeu o título de “Pai da História Inglesa”, embora tenha escrito sobre muitos outros temas. Logo após a morte tornou-se conhecido como Venerável. A sua importância para a doutrina católica foi reconhecida em 1899, quando foi declarado Doutor da Igreja.

1 Biografia

Quase tudo o que se sabe sobre a vida de Beda está contido no ultimo capítulo de sua obra Historia eclesiástica gentis Anglorum, que narra a história da igreja na Inglaterra. Sua data de nascimento é calculada por uma passagem em que diz ele ter completado a escrita quando tinha 59 anos, e sabendo-se que isso se deu em torno do ano 731, terá nascido entre 672–673. Contudo, a interpretação da passagem é controversa. Ainda segundo o próprio Beda, nasceu “nas terras do seu mosteiro”, referindo-se aos mosteiros gêmeos de Wearmouth e Jarrow. Uma tradição diz que ele nascera em Monkton, a duas milhas do mosteiro de Jarrow. Ele não mencionou sua origem, mas é provável que sua família fosse rica e talvez nobre.

Com sete anos foi mandado para o mosteiro de Wearmouth para ser educado por Benedict Biscop e Ceolfrith, mas não é claro se já havia intenção de torná-lo monge. Era comum no seu tempo que filhos de famílias nobres fossem educados fora de casa. Ceolfrith fundou em 682 o mosteiro de Jarrow, para onde Beda provavelmente foi no mesmo ano. É possível que tenha ajudado na construção da igreja do mosteiro. Um menino que acompanhava Ceolfrith citado em uma Vida de Ceolfrith escrita no ano de 710 quase certamente é Beda. O texto diz que o mosteiro em 686 havia sido flagelado com uma praga, morrendo vários monges, e narra a dificuldade de Ceolfrith e desse dito menino para restaurar o culto. Beda devia ter então uns 14 anos.

Com cerca de 17 anos veio a conhecer Adomnan, que estava visitando os mosteiros de Wearmouth e Jarrow, e dele pode ter partido um estímulo sobre o jovem para estudar a Controvérsia da Páscoa. Em torno de 692 foi ordenado diácono pelo Bispo de Hexham, John of Beverley. A idade canônica para o diaconato era 25 anos, e a ordenação precoce pode indicar que suas habilidades foram consideradas excepcionais. Em torno de 702 foi ordenado padre.

Nesta altura estava escrevendo as obras De Arte Metrica e De Schematibus et Tropis, para uso didático. Foi o início de uma longa carreira literária, deixando um legado de mais de 60 livros, a maioria dos quais sobreviveu até nossos dias, mas nem todos podem ser datados com segurança. Também foi professor, apreciava música, e a tradição diz que ele era excelente cantor e recitador de poesia. Em duas passagens de suas obras citou literalmente possuir esposa, as únicas em que falou na primeira pessoa do singular, mas isso pode ser uma figura de retórica.

Em 708 alguns monges da Abadia de Hexham acusaram-no de heresia por causa de um de seus escritos, De Temporibus. O motivo foi ele ter calculado por si mesmo a idade do mundo em vez de aceitar a doutrina ortodoxa da igreja, apontando a data do nascimento de Cristo para o ano 3952 depois da criação do mundo, enquanto a igreja afirmava que Cristo nascera mais de 5 mil anos depois da criação. Defendeu-se em uma carta para o bispo Wilfrid.

Em 733 viajou para York para visitar Ecgbert, o bispo local. Tentou voltar para lá no ano seguinte, mas uma doença o impediu. Fez outras viagens a vários pontos das ilhas britânicas, pelo que se deduz de sua correspondência, mas ele nada diz sobre quais lugares nem quando os visitou. Beda disse ter visitado Roma, mas isso hoje é considerado improvável.

Seu discípulo Cuthbert escreveu uma carta para um certo Cuthwin, descrevendo os últimos dias do religioso. De acordo com o documento, antes da Páscoa de 735 Beda caíra doente com vários ataques de asfixia, mas quase sem dor. O mal se prolongou e no dia 25 de maio ficou mais grave, mas isso não o impediu de trabalhar, ditando textos para seu secretário até o dia seguinte. Às 3 horas pediu que lhe trouxessem certa caixa, de onde tirou alguns presentes para seus companheiros: um pouco de pimenta, guardanapos e incenso. Logo depois, faleceu, sendo enterrado em Jarrow. Cuthbert também refere um poema de cinco linhas em vernáculo que Beda teria composto em seu leito de morte, mas a autenticidade do texto, o mais divulgado da literatura em inglês antigo, não é inteiramente certa. Seus restos mortais foram transferidos para a Catedral de Durham possivelmente no século XII; sua tumba lá foi saqueada em 1541, mas o conteúdo provavelmente foi reenterrado em uma capela da mesma catedral.

2 Obra

Retrato de Beda na Crônica de Nuremberg (1493).

Fólio do manuscrito Beda Petersburgiensis contendo a Historia eclesiástica gentis Anglorum

Tumba de Beda

Beda escreveu sobre ciência, música, gramática, história, exegese, hagiografia e teologia, além de ter sido um grande correspondente. Conhecia as literaturas patrística e clássica, conhecia um pouco de grego e hebreu, e seu latim é em geral claro. Seus comentários sobre as Escrituras empregam o método alegórico e seus escritos históricos incluem relatos sobre milagres, o que deixa a crítica moderna incerta sobre como analisar essa parte de sua obra. Mas já existe a compreensão de que a visão histórica colorida pelo sobrenatural como a dele era parte da concepção de mundo predominante na época. Sua produção neste campo é importante e muito estudada, e a ela deve a maior parte de sua fama atual, sendo considerado o primeiro historiador da Europa cristã. Porém, quando vivo suas outras obras também foram consideradas referência em suas áreas.

Sua peça mais conhecida é Historia ecclesiastica gentis Anglorum (História Eclesiástica do Povo Inglês), completada em 731 ou pouco depois.35 34 Foi auxiliado na escrita por Albinus, monge da abadia agostiniana de Cantuária. No prefácio, dedica a obra a Ceolwulf, rei da Nortúmbria.

O primeiro dos cinco volumes inicia com uma descrição geográfica da Inglaterra, passando depois para a parte histórica, narrando-a a partir do ano de 55 a.C., quando Júlio César invadiu as ilhas. Depois de um resumo sobre o cristianismo primitivo na Britânia romana, incluindo a história do protomártir Santo Albano, ele passa para o relato da missão de Agostinho de Cantuária à Inglaterra em 597, que introduziu o cristianismo entre os anglo-saxões. O segundo volume inicia com a morte de Gregório, o Grande em 604, segue descrevendo os progressos do cristianismo em Kent e a tentativa de introdução da fé na Nortúmbria, que terminou em martírios. O avanço continuou mais tarde, como ele descreve no terceiro volume, cujo clímax é o relato sobre o Concílio de Whitby, um evento importante na história britânica. No quarto volume é narrada a consagração de Teodoro como Arcebispo de Cantuária e os esforços de Wilfrid para levar o cristianismo ao Reino de Sussex. O quinto volume termina no tempo do próprio Beda, e inclui um relato sobre o trabalho missionário na Frísia e outro sobre a Controvérsia da Páscoa.

Historia eclesiástica foi copiada muitas vezes na Idade Média e sobrevivem 160 manuscritos completos e mais de 100 fragmentários, procedentes de vários pontos da Europa. Apareceu impresso pela primeira vez em 1474. O livro tem sido estudado extensamente, havendo várias edições modernas.

3 Veneração

Em seu tempo Beda era famoso por seus comentários, homilias e exegeses bíblicas, bem como por outros tratados teológicos, e foi por seus méritos neste campo que acabou sendo declarado Doutor da Igreja.

Sua veneração só iniciou na Inglaterra depois de ter se estabelecido no continente ainda no século VIII, pelos esforços de São Bonifácio e São Alcuíno. Quando passou a ser venerado nas ilhas, às vezes sua data de morte era comemorada um dia depois para não coincidir com a festa de Agostinho de Cantuária. No século IX já era conhecido como “Venerável”, embora ainda apenas como um título honorífico. Seu culto ganhou terreno no século X, durante o reavivamento do monasticismo na Inglaterra. Wulfstan, Bispo de Worcester, era um grande devoto de Beda, dedicando-lhe uma igreja em 1062. Foi citado por Dante no Paraíso da Divina Comédia ao lado de Isidoro de Sevilha e Ricardo de São Vítor.

Seu corpo foi roubado do túmulo original em Jarrow e levado para a Catedral de Durham em torno de 1020, sendo depositado na mesma tumba de São Cuthbert de Lindisfarne. Mais tarde foi removido para um relicário em uma capela da catedral, onde permaneceu até o saque durante a Reforma inglesa. Os ossos, porém, logo voltaram a ser enterrados no mesmo local. Em 1831 os ossos foram transferidos para outra tumba na mesma catedral, onde ainda estão. A Catedral de York, a Abadia de Glastonburye a Abadia de Fulda dizem possuir relíquias suas. A importância de sua contribuição foi reconhecida em 1899, recebendo o título de Doutor da Igreja Católica e sua festa, fixada em 27 de maio, sendo incluída no calendário geral romano. Em 1935 foi declarado santo. É festejado pela Igreja Anglicana em 25 de maio.

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675 – 749

Ficheiro:St john damascus.gif

João Damasceno ou João de Damasco (em grego: Ἰωάννης ὁ Δαμασκηνός – Iōannēs ho Damaskēnos; em latim: Iohannes Damascenus), dito Chrysorrhoas (“boca de ouro”), foi um monge e sacerdote sírio. Nascido e criado em Damasco, ele morreu em seu mosteiro, Mar Saba, perto de Jerusalém.

Um polímata cujos interesses incluíam direito, teologia e música, algumas fontes afirmam que serviu como administrador-chefe do califa de Damasco antes de sua ordenação. Ele escreveu obras explicando a fé cristã e compôs hinos que ainda são utilizados na liturgia no cristianismo oriental por todo o mundo. Ele é considerado como “o último dos Padres da Igreja” pela Igreja Ortodoxa e é mais conhecido por sua contundente defesa da veneração de ícones. A Igreja Católica o considera um Doutor da Igreja, geralmente chamado de “Doutor da Assunção” por causa de suas obras sobre a Assunção de Maria.

1 Biografia

A fonte mais utilizada para obter informações sobre a vida de João Damasceno é uma obra atribuída a João de Jerusalém, identificado nela como sendo o patriarca de Jerusalém, que é uma tradução para o grego de um original árabe. Este, por sua vez, não contém um prólogo encontrado na maioria das traduções e foi escrita por um monge árabe chamado “Miguel”. Miguel explica que decidiu escrever a biografia em 1084 por que não havia nenhuma disponível na época. Porém, o texto principal em árabe parece ter sido escrito por um autor anterior em algum momento entre o início do século IX e o final do século X. Escrito de um ponto de vista hagiográfico e, por isso, propenso a exageros e detalhes lendários, não é a melhor fonte para informações sobre a vida de João, mas foi amplamente reproduzido e contém alguns elementos valiosos.

A novela hagiográfica “Barlaão e Josafá”, tradicionalmente atribuída a João, é, na realidade, uma obra do século X de autor desconhecido.

1.1 Histórico familiar

João nasceu numa proeminente família conhecida como Mansour (em árabe: المنصور – al-Mansǔr: “vitoriosa”) em Damasco no século VII. Seu nome completo era Yuhanna (ou Yanah) ibn Mansur ibn Sarjun (em árabe: منصور بن سرجون), em homenagem ao seu avô Mansur, que fora responsável pela coleta de impostos na região sob o imperador bizantino Heráclio. A falta de documentação atestando a sua linhagem tribal específica levou a diversos acadêmicos a colocá-lo entre os Taghlib ou os Kalb, duas proeminentes tribos cristãs-árabes do Deserto da Síria12 . Outros sugerem que ele pode ter sido um sírio de origem não-árabe. Qualquer que seja o caso, João Damasceno tinha dois nomes: João, seu nome cristão, e seu nome árabe, citado como QureinYana ou.

Euthychius, um patriarca melquita do século X, menciona um certo governador árabe da cidade que teria rendido-a aos muçulmanos, provavelmente o avô de João Mansur Bin Sargun. Quando a região caiu sob o jugo dos omíadas no final do século V, a corte de Damasco manteve seu grande contingente de servidores civis cristãos, inclusive o avô de João. O pai dele, Sarjun (Sergius) ou Ibn Mansur, continuou a servir os califas omíadas. De acordo com João de Jerusalém e algumas versões posteriores de sua vida, após a morte do pai, João também serviu na corte do califa antes de se tornar monge. Esta alegação tem sido questionada uma vez que ele não é mencionado nas fontes muçulmanas, que, contudo, se referem ao seu pai. Além disso, as obras do próprio João Damasceno jamais fizeram referência à qualquer experiência na corte muçulmana por parte dele. Acredita-se que João tenha se tornado monge em Mar Saba e que foi ordenado sacerdote em 735.

1.2 Educação

Uma das Vitae descreve o desejo de seu pai para ele, de “aprender não apenas através dos livros dos muçulmanos, mas dos gregos também”. A partir disso, sugere-se que João possa ter sido criado de forma bilíngue. Ele de fato mostra algum conhecimento do Corão, que ele critica duramente.

Iluminura mostrando o patriarca João VII Gramático destruindo um ícone. Detalhe do Saltério de Chludov.

Outras fontes descrevem a sua educação em Damasco como tendo sido conduzida de acordo com os princípios da educação helenística, chamada de “secular” por uma fonte e “cristã clássica” por outra. Um relato identifica seu tutor como um monge chamado Cosmas, que teria sido raptado pelos árabes de sua casa na Sicília, e por quem o pai de João teria pago uma grande quantia. Sob a instrução de Cosmas, que também ensinava para o amigo órfão de João (que seria conhecido como Cosme de Maiuma), acredita-se que João tenha feito grandes avanços em música, astronomia e teologia, logo rivalizando Pitágoras em aritmética e Euclides em geometria.

1.3 Defesa dos ícones

Ver artigo principal: Iconoclasma

No início do século VIII, o iconoclasma, um movimento que buscava proibir a veneração de ícones, ganhou força no Império Bizantino. Em 726, apesar dos protestos do patriarca Germano I de Constantinopla, o imperador Leão III, o Isáurio emitiu seu primeiro édito contra a veneração de imagens e sua exibição em lugares públicos. Um escritor talentoso – e protegido por estar em território do califa – João Damasceno iniciou uma vigorosa defesa das imagens sagradas em três publicações separadas. A mais antiga, chamada “Tratados Apologéticos contra a Condenação das Imagens Sagradas”, assegurou a sua reputação. Ele não somente atacou o imperador, mas adotou um estilo simples que permitiu que a controvérsia fosse acompanhada pelo povo mais simples, estimulando a rebelião entre os fiéis. Posteriormente, suas obras também teriam um papel importante durante o Segundo Concílio de Niceia (787), que se reuniu justamente para tratar do assunto.

A biografia de João Damasceno reconta pelo menos um episódio considerado como improvável ou lendário. Ela relata que Leão III enviou documentos falsificados para o califa que implicavam João numa conspiração para atacar Damasco. O califa teria então ordenado que a mão direita de João fosse amputada e pendurada em lugar público. Alguns dias depois, João pediu a restituição de sua mão e rezou fervorosamente pela intervenção da Theotokos (Virgem Maria) perante seu ícone: depois disso, diz-se que sua mão foi milagrosamente curada. Em agradecimento pela cura milagrosa, ele anexou uma mão de prata ao ícone, que passou a ser conhecido a partir daí como “Três mãos” ou Tricheirousa. A biografia continua afirmando que, depois deste evento, João pediu permissão para deixar seu posto e se retirou para o mosteiro de Mar Saba. Um editor de suas obras, o padre Lequien, demonstrou, porém, que João de Damasco já era monge em Mar Saba antes da disputa iconoclasta, um fato que só torna a história ainda mais improvável. Já se argumentou que João deixara Damasco para se tornar monge em 706, quando al-Walid I tornou mais agressiva a islamização entre os servidores da administração do califado. Fontes muçulmanas mencionam apenas que Sarjun, pai de João, teria deixado a administração nesta época, sem mencionar João.

1.4 Anos finais

João morreu em 749 e foi logo reconhecido como santo. Em 1883 ele foi declarado Doutor da Igreja pela Santa Sé.

1.5 Devoção

Quando o nome de São João Damasceno foi inserido no Calendário Geral Romano, em 1890, ele era festejado em 27 de março. Esta data sempre cai na Quaresma, um período no qual não se comemoram os memoriais obrigatoriamente. Em 1969, ela foi mudada para o dia da morte do santo, 4 de dezembro, o dia no qual ela é celebrada também naIgreja Ortodoxa.

2 Lista de obras

Além de suas obras puramente textuais, muitas das quais estão listadas abaixo, João Damasceno também compôs hinos, aperfeiçoando o “canon”, um hino de forma estruturada utilizado na Igreja Ortodoxa.

2.1 Primeiras obras

São João Damasceno.

  • Os três “Tratatos Apologéticos contra a Condenação das Imagens Sagradas” – estes tratados estão entre as suas primeiras obras em resposta ao édito do imperador bizantino Leão III, o Isáurio contra a veneração e exibição das imagens sagradas.

2.2 Ensinamentos e obras dogmáticas

  • Fonte de Conhecimento ou Fonte da Sabedoria, dividida em três partes:
    1. Capítulos filosóficos (Kephálaia philosophiká) – Geralmente chamados de “Dialética”, lida principalmente com lógica, sendo o seu principal objetivo preparar o leitor para melhor entender o resto do livro.
    2. Sobre a Heresia (Perì hairéseōn) – O último capítulo desta parte (cap. 101) lida com a heresia dos ismaelitas. Ao contrário das seções anteriores, devotadas a combater outras heresias, dispostas em poucas linhas de forma sucinta, este capítulo cobre várias páginas. É um dos primeiros exemplos de escritos polêmicos contra o Islã e o primeiro escrito por um membro da ortodoxia bizantina.
    3. Uma Composição Exata da Fé Ortodoxa (Ékdosis akribès tēs Orthodóxou Písteōs) – Um sumário do escritos dogmáticos dos primeiros Padres da Igreja. Esta foi a primeira obra do escolasticismo no cristianismo oriental e foi uma importante influência no pensamento escolástico posterior.
  • Contra os Jacobitas
  • Contra os Nestorianos
  • Diálogo contra os Maniqueístas
  • Introdução Elementar nos Dogmas
  • Carta sobre o Hino Três Vezes Sagrado
  • Sobre o Pensamento Correto
  • Sobre a Fé, contra os Nestorianos
  • Sobre as Duas Vontades em Cristo (Contra os Monotelitas)
  • Paralelos Sagrados Sacred Parallels (de atribuição dúbia)
  • Sobre Dragões e Fantasmas

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788 – 820

Ficheiro:Raja Ravi Varma - Sankaracharya.jpg

Shânkara (788 – 820) foi um metafísico e monge errante indiano. Foi o principal formulador doutrinal do Advaita Vedânta, ou Vedânta não dualista. Segundo a tradição, foi uma das almas mais excelsas que já encarnaram neste planeta, chegando a ser considerado uma encarnação do deus hindu Shiva. Sua vida encontra-se envolta em mistérios, prodígios e lendas que a tornam semelhante às de outros insignes mestres espirituais da humanidade, como Jesus e Maomé. Outras grafias do seu nome são:SancaraSankaracharyaSancaracaryaShankaracharyaSankaraAdi SankaraAdi Shankaracharya e Adi Shankara, sendo também chamado de Bhagavatpada Acharya (que significa “o Mestre aos pés do Senhor”).

Escreveu profundos comentários sobre os Upanishades, o Bhagavad-Gita e outros livros da sabedoria hindu. Seus escritos fundamentaram as exposições doutrinais dos autores da filosofia perene na época contemporânea, como o francês René Guénon e o suíço-alemão Frithjof Schuon.

1 Biografia

1.1 Nascimento e primeiros anos

Não se sabe ao certo onde e quando nasceu. Alguns o fazem aparecer no século II a.C., já outros fazem a data avançar até mesmo ao século X. Contudo, existe a tendência de situar seu nascimento em torno do século VIII da era Cristã. Igualmente, o local de seu nascimento é objeto de disputas, sendo indicadas as povoações de Shringeri, Sasala-grama, Cidambara-pura, Kalati e, por fim, Kalpi.

Sivaguru e Aryamba, seus futuros pais, há muito desejavam um filho. Então, conforme a lenda, Shiva lhes apareceu em sonho, perguntando se desejavam um único filho, que seria o filósofo mais brilhante de sua geração mas morreria jovem, ou muitos rebentos, todos porém medíocres. Optando pela primeira alternativa, nasceu então Sankaracharya. A tradição oral relata a ocorrência de diversos prodígios na ocasião de seu nascimento, como o congraçamento de feras anteriormente hostis entre si, a emanação sobrenatural de fragrâncias por árvores e outras plantas, a audição de cantos celestiais e outros fenômenos que espelhariam a alegria da natureza e dos deuses com seu nascimento.

Narra-se que com apenas um ano de vida teria aprendido o alfabeto sânscrito, aos dois já saberia ler e, aos três, teria estudado os Kavyas e os Puranas. Com sete anos, suas luzes já eram tantas que deixou o professor e voltou para casa. Ainda na infância, começou a operar milagres, curando a mãe e provocando a cheia de um rio.

Na mesma época, o sábio Agastya profetizou à mãe de Sankaracharya que seu filho não ultrapassaria os 32 anos de vida. Percebendo a fragilidade do mundo material, Sankaracharya decidiu assumir a vida de asceta errante. Encontrando a objeção materna, venceu a oposição com outro milagre. Tendo ido banhar-se em um rio, seu pé foi abocanhado por um crocodilo. Acorrendo a mãe ao local, foi-lhe dito que a fera não o soltaria se ela não concordasse com o propósito do jovem, e então ela cedeu.

1.2 Sua carreira

Estátua representando Shânkara no Shankaracharya Mandir, em Allahabad, na Índia

Após deixar a mãe aos cuidados de parentes, e já não tendo pai, partiu Sankaracharya em perambulação por florestas e cidades, até chegar à caverna onde Govinda Yati estabelecera seu refúgio. Solicitando admissão como discípulo, foi aceito, e aprendeu sobre Brahman através de quatro motes:

  • O conhecimento é Brahman;
  • Esta alma é Brahman;
  • Tu és Aquele; e
  • Eu sou Brahman.

Logo após ser aceito, estando seu mestre em profunda meditação, absorto do mundo, Sankaracharya produziu outro milagre, acalmando uma furiosa tempestade que se desencadeara sobre o local. Despertando Govinda de sua meditação, e percebendo o que o jovem discípulo fizera, felicitou-o, abençoou-o e recomendou que fosse à cidade santa de Benares pare receber as bênçãos da Divindade, despedindo-o com a exortação: “Por teu feito glorioso, vai então, e começa a salvar a humanidade”.

Chegando a Benares, passou ele também a aceitar discípulos, apesar de ainda não ter passado dos doze anos de idade. O primeiro foi Sananda (Padma-pada), que seria seu favorito. Provavelmente houve muitos outros, mas só nos chegaram os nomes de mais três: Suresvara, Totaka (ou Trotaka), e Hastamalaka. Sankaracharya transferiu-se então para Badari, à margem do Ganges, onde compôs sua obra-prima, um comentário sobre os Brahma-sutras. Outras obras se seguiram, como os comentários sobre os Upanishads e outras obras clássicas indianas.

Depois destes feitos, Sankaracharya passou a ser largamente conhecido, atraindo a admiração de muitos seguidores, e também a inveja e fúria assassina de inimigos. Nas muitas disputas filosóficas em que entrava, saía sempre vitorioso, incluindo na que travou com o sábioVyasa, que lhe apareceu disfarçado como um idoso brâmane. Após oito dias de debate, atestando o profundo conhecimento do jovem, Vyasa concedeu-lhe dezesseis anos adicionais à sua perspectiva de vida, a fim de que ele completasse seu trabalho de reformar o hinduísmo.

Daí em diante, Sankaracharya passou de cidade em cidade, e de vitória em vitória em todas as querelas filosóficas, e operando ainda diversos outros milagres, como o de entrar na casa de Mandana Mishra (ou Vishvarupa) pelos ares. Mandara Mishra era um grande filósofo, com o qual disputou, vencendo-o e chamando-o de discípulo. A esposa dele, Bharati, considerada uma encarnação de Sarasvati, também foi instada a debater, sendo vencida em todos os pontos salvo um, a respeito da natureza do amor, tema com o qual o jovem Sankaracharya não tinha familiaridade alguma, tendo sido um asceta celibatário por toda a vida. Entretanto, pediu à deusa um adiamento de um mês, a fim de que pudesse encontrar a resposta requerida, e partiu.

A oeste da cidade deparou-se com uma multidão que estava a prantear um rei, Arnaruka, recentemente falecido. Decidido a aproveitar a oportunidade, confiou seu próprio corpo ao cuidado dos seus discípulos, e em segredo fez sua alma entrar no corpo do rei morto, que despertou novamente para a vida, sem entretanto revelar sua verdadeira identidade. A multidão, em júbilo, levou-o de volta ao palácio real, onde o asceta disfarçado de rei entregou-se aos braços da esposa do defunto, com o objetivo de aprender tudo sobre a Ciência do Amor, o que fez com tal brilhantismo que pôde escrever um tratado sobre o tema. Porém, percebendo todos que seu “rei” voltara à vida muito mais sábio do que quando dela partira há tão pouco tempo, começaram a suspeitar de um possível intercâmbio de almas, e ordenou-se, sem seu conhecimento, que todos os cadáveres do reino fossem imediatamente cremados.

Enquanto isso, seus discípulos, tendo transcorrido um tempo maior do que o previsto para seu retorno, iniciaram sua busca, e acabaram por chegar à cidade real, onde ouviram a história da ressurreição do velho rei e, com cantos e lamentos, tocaram a consciência interna de Sankaracharya, fazendo-o abandonar o corpo emprestado. Retomando o seu, que neste momento já estava sendo entregue às chamas, conforme a ordem dos ministros (ou da própria viúva, segundo outras versões) do rei, voltou então à casa de Mandana, respondeu à pergunta de Sarasvati e converteu Mandana ao vedantismo.

Voltando a perambular, soube que sua mãe estava à beira da morte e acorreu ao seu encontro, tranquilizando-a na hora do desenlace. Sendo impedido por seus parentes de oficiar os ritos de cremação, por ser um asceta, não obstante ele emitiu um fogo de sua mão que incinerou o corpo da mãe.

Depois disso, o sábio continuou em suas peregrinações, visitando diversos reinos, estabelecendo templos, reformando antigos cultos e debatendo incansavelmente com todos os grandes luminares que encontrou, corrigindo os erros que maculavam a pureza da doutrina Hindu. Ouvindo falar de um templo em Cachemira que só podia ser aberto por um ser onisciente, para lá se dirigiu a fim de abrir sua porta sul, a única que ainda permanecia fechada. Sendo examinado pelos doutores, foi considerado apto e, estando prestes a assumir sua cátedra, foi novamente interpelado por Sarasvati. A deusa objetou dizendo que só um indivíduo imaculado poderia ocupar aquela cadeira, aludindo à experiência carnal que ele tivera no corpo do rei falecido. Em resposta, Sankaracharya argumentou que ele não poderia ser responsável pelos pecados de um outro corpo, com o que Sarasvati deu-se por satisfeita, permitindo-lhe a apoteose.

Após outras peregrinações, acabou seus dias conforme havia sido profetizado, com 32 anos, subido aos céus, como diz a lenda, cercado de deuses e sábios que cantavam a palavra “Vitória”.

2 Sua filosofia

Os escritos de Sankaracharya têm uma grande lucidez e profundidade, penetrante insight e grande habilidade analítica. Apesar disso, sua abordagem dos temas é mais religiosa e psicológica do que puramente lógica, o que o torna, na apreciação contemporânea, mais um grande reformador religioso do que um filósofo. Sua obra trai um grande conhecimento do saber Bramânico ortodoxo da época, bem como do budismo mahayana. Muitas vezes, tem sido criticado como um budista disfarçado, pela similitude de sua doutrina com aquela do Buda. Mesmo assim, combateu muitos pontos da doutrina Budista ou adaptou-os à sua interpretação advaíta do Vedanta.

Na época de Sankaracharya, o hinduísmo havia se modificado muito sob a influência do budismo e do jainismo. Sankaracharya enfatizou a importância dos Vedas, recuperando, dessa forma, a pureza doutrinal do hinduísmo. Sua teologia sustenta que a ignorância espiritual (avidya) é causada pela visão de um eu onde não existe eu algum.

Sankaracharya propôs que embora o universo dos fenômenos seja de fato experimentado, não obstante ele não é a verdadeira realidade. Não renega o universo, mas diz que a verdade derradeira é Brahman, que está além do tempo, do espaço e da cadeia de causação. Apesar de ser a causa eficiente do universo, Brahman não se encontra limitado por esta sua autoprojeção, transcendendo toda dualidade ou pares de opostos (donde o termo advaíta, ou não dual). O indivíduo deve entender sua verdadeira natureza e ser, que não é a mudança e a mortalidade, mas sim a beatitude eterna. Para compreendermos o verdadeiro móvel de nossos atos e pensamentos devemos despertar para a unidade do ser. Já que a mente limitada do indivíduo não pode abarcar o Eu universal ilimitado, a mente individual deve ser transcendida para conseguirmos a união com a consciência universal.

Sankaracharya denunciou o sistema de castas e os rituais como tolices, e ensinou que a verdade deve ser atingida pela meditação sobre o amor divino. Sua maior lição é que a razão e a filosofia abstrata não são suficientes para aquisição da liberdade (moksha), sendo imprescindível o altruísmo (a negação do eu pessoal) e o amor orientado pela discriminação (viveka). A acusação de influência Budista é negada com a refutação da negação do ser (shunyata) dos Budistas, acreditando que o Brahman não manifesto se manifesta efetivamente como Ishvara, o ser excelso e perfeito que é adorado sob vários nomes.

2.1 Introdução: sobre a importância das filosofias não ocidentais

A grande maioria dos manuais de história da filosofia não menciona nenhum tipo de reflexão filosófica fora do eixo geográfico formado pela Europa e pela América. E não é o caso de uma história da filosofia pautada, por exemplo, pelo hegelianismo e sua crença na impossibilidade de uma “genuína e própria” filosofia no Oriente (HEGEL, 2000: 442). Mesmo manuais que não professam abertamente alguma doutrina filosófica, ignoram a existência de uma filosofia em outros continentes. As esparsas referências aos filósofos árabes,judeus e, mais raramente, bizantinos, surgem como adendos à linha mestra da história da filosofia nascida na Europa.

Considerar a reflexão filosófica como algo específico da cultura europeia – e de sua extensão americana – já é uma opção que necessita ser justificada. Para melhor situar o problema, podemos utilizar exemplos similares em outras áreas do conhecimento. Quando se trata da criação de uma instituição política, como a democracia grega, estamos falando de um fenômeno que surge a partir de uma série de contingências históricas e sociais bem delimitadas. Mais que isso: não temos registro de nenhuma sociedade que, estando fora da influência helênica, tenha criado uma prática política semelhante a que surgiu na Atenas dos séculos VI e V a.C. Logo, no contexto de uma história das instituições democráticas, faria sentido uma narrativa limitada ao eixo Europa – América. Contudo, muitos dos problemas, teses, argumentos e conclusões da filosofia europeia surgem em outras civilizações que não foram atingidas pela “genuína” reflexão filosófica de matriz grega. Outro exemplo pode deixar mais nítido o caráter injustificado da crença na inexistência de uma filosofia criada no vale do Indo ou na China do século IV a.C.. No campo de estudo das religiões não existe, obviamente, nenhum tipo de chauvinismo como o que se percebe na historiografia da filosofia. Alguém que tentasse provar que a única religião “genuína” é o catolicismo seria visto como um fanático que só compreende o mundo exclusivamente a partir de sua confissão. Entretanto, o mesmo não se aplica aos filósofos ocidentais: defender o pensamento filosófico como um fenômeno especificamente europeu é visto com certa naturalidade e não como uma tese extremamente problemática.

Deste modo, quais razões justificam o primado e exclusividade europeia quando se trata de um tipo de pensamento que nasce em diferentes épocas e regiões do mundo? Desde um natural e inevitável etnocentrismo, até a postura de certas tradições filosóficas, como o positivismo lógico, que se ligam necessariamente a um dos produtos mais típicos do Ocidente – a ciência moderna –, as respostas são inúmeras. Pode-se aventar também a existência de uma difusa e preconceituosa concepção da cultura oriental herdeira de ambas as razões citadas acima. O pensamento indiano e chinês não seria autêntico devido a extrema religiosidade das referidas sociedades. Em outras palavras: não haveria um discurso filosófico autônomo e livre em sociedades tão tradicionais, fechadas e religiosas. Seria, no máximo, uma teosofia que, em última instancia, estaria presas pelas amarras do dogma religioso. Duas citações, oriundas de tradições filosóficas europeias e americanas distintas, comprovam como tal concepção é generalizada. Após caracterizar as filosofias chinesas e indianas como “pensamento filosófico antes da filosofia propriamente dita” (note-se o “F” maiúsculo em filosofia) Jacques Maritan escreve que “somente na Grécia a filosofia adquire existência autônoma, distinguindo-se explicitamente da religião”. Já a professora de filosofia Maura Iglésias, em um texto chamado “O que é Filosofia e para que Serve”, alerta que:

Cquote1.svg é preciso estar ciente de que a disciplina acadêmica que se intitula “filosofia” usa essa palavra em um sentido estrito, que exclui de seu âmbito não só a concepção de vida da vovó [sic] e as disciplinas ascéticas dos monges tibetanos, mas também – e essa afirmação talvez seja um tanto polêmica – textos às vezes altamente especulativos das milenares civilizações chinesas e hindu. Mas não há nenhum julgamento depreciativo por parte de quem nega ao pensamento hindu ou chinês o nome de filosofia. Quer-se, simplesmente, dizer que eles são diferentes, têm outros pressupostos, metas outras que a filosofia propriamente dita. Cquote2.svg

O primeiro texto, de um notório neotomista, é direto em sua avaliação depreciativa da sabedoria oriental, não existindo nele os cuidados politicamente corretos do segundo texto. Mesmo com a distância temporal e intelectual entre os dois, a conclusão é a mesma: hindus e chineses não conseguiram gerar um discurso que possa ser considerado “filosofia propriamente dita” – expressão que se repete literalmente em ambos trechos citados.

Tentar compreender a permanência do discurso de negação da existência de outras filosofias para além da bacia do Mediterrâneo e do litoral do Atlântico é uma tarefa que demonstraria muito das limitações veladas que residem na filosofia ocidental. Entretanto, o texto que se segue não pretende se aprofundar neste assunto. Mais do que criticar manuais escolares de história da filosofia, tem-se como objetivo a formulação de uma breve e despretensiosa aproximação à um dos filósofos hindus mais conhecidos no ocidente: Shankara. Pode-se citar um sem número de limitações inerentes a um trabalho como este, por exemplo, a impossibilidade de se ler os texto primários na língua original – o sânscrito –, o que, por sua vez, não autoriza uma abordagem ausente de rigor e clareza frente ao tema proposto.

O cerne do texto será uma apresentação de dois importantes temas da filosofia de Shankara: a ontologia, que é centrada nas relações entre Brahman e o cosmos, e a epistemologia, especialmente quanto aos problemas da sobreposição.

Não se encontrará, no texto, uma explícita justificação da legitimidade em se acreditar na existência de um pensamento hindu ou chinês. Espera-se que a própria apresentação do pensamento de Shankara faça tal papel.

2.2 O Advaita e seu fundador

O Advaita Vedanta é uma doutrina filosófica hindu centrada na noção de não dualidade (a significa “não”, dvaita significa “dual”) entre o mundo e o absoluto, e na consciência de que a única coisa que realmente existe é Brahman. Além de negar a realidade autônoma do mundo fenomênico, o Advaita defende que não existe uma real oposição entre o Eu e Brahman, sendo eles um único ser. Sua origem estaria nos ensinamentos de Gaudapada, mas, de fato, é com Shankara que o Advaita é fundamentado e consolidado. Muitos ocidentais, assim como inúmeros indianos, consideram Adi Shankara como o maior dos filósofos hindus. É comparado por muitos autores a Platão, Santo Tomás, Espinosa e Hegel em função da profundidade e estilo de sua metafísica.

Suas obras podem ser classificadas em três tipos: comentários aos Upanishades, aos Brahma Sutras e ao Bhagavad Gita; tratados filosóficos e hinos religiosos. Os comentários tencionam buscar na literatura hindu anterior os fundamentos das teses do Advaita e, paralelamente, interpretar tais escritos na perspectiva do próprio Shankara. Já os tratados possuem um caráter metodológico e didático, visando aos estudantes da doutrina e apresentando as dificuldades no entendimento do Advaita e as maneiras de superá-las. Por fim, os hinos religiosos limitam-se a devoção e glorificação da divindade.

Antes de se apresentar a doutrina de Shankara mais detalhadamente, faz-se necessário contextualizar o Advaita Vedanta na ampla, complexa e, em parte, desconhecida história do hinduísmo.

2.3 A literatura védica

Os Vedas são o conjunto de textos sagrados que formam a base religiosa e cultural do hinduísmo. O palavra veda, originada da raiz sânscrita vid, significa “sabedoria” ou “conhecimento”. É provável que suas partes mais antigas tenham surgido por volta de 1500 e 1200 a.C., ou seja, séculos antes da fixação dos poemas homéricos (sécs. VIII ou VII a.C.) em uma forma escrita e que fazem dos Vedas, no mínimo, contemporâneos dos trechos mais antigos do Pentateuco.

Posteriormente a sua composição, os Vedas foram organizados em coleções, ou Samhitas: o Rig Veda, que é o mais antigo documento da literatura hindu, e contém textos tratando de sacrifícios, homenagens aos deuses e descrições mitológicas, o Yajur Veda de caráter litúrgico, Sama Veda que é uma coleção de cantos acompanhados de notações musicais para o culto e, por fim, o Atharva Veda cujo o conteúdo é uma coleção de hinos, fórmulas rituais, narrativas populares.

Posteriormente, por volta dos séculos X e IX a.C., inicia-se uma nova fase na história do hinduísmo com o surgimento de uma literatura que comenta os Vedas, os chamados Brahmanas. Segundo Émile Gathier, seriam uma “ciência do sacrifício”, pois esclareceriam os ritos e fórmulas litúrgicas. O “Brahmana das Cem Trilhas” é a primeira grande obra da literatura védica escrita em prosa e contém a especulação mais antiga sobre Brahman e sua natureza como princípio absoluto.

Pequenos textos, os Aranyaka, “Tratados da floresta”, obra de anacoretas (rishis) que viviam em matas, distantes da massa popular, avançam em um tratamento mais especulativo e alegórico das práticas rituais, sendo considerados uma transição entre as compilações ritualísticas dos Brahmanas e o vigor filosófico posterior dos Upanishades. O nome, além da referência óbvia aos já referidos autores, é originada pela crença de serem uma “doutrina tão poderosa que exigiria, para ser divulgada, a sombra das grandes árvores”.

No período entre os anos de 750 e 550 a.C., surgem os primeiros Upanishades, forma clássica da especulação filosófica hindu. A etimologia do termo é controversa, mas a versão mais aceita seria upa, significando “próximo”, ni, “embaixo” e sad, “sentar”, indicando uma doutrina “dita ao pé do ouvido”: uma referência ao ato do discípulo em sentar-se junto ao mestre para ouvir-lhe as instruções. São textos, em sua maioria, anônimos, e que adotam diversas formas literárias, desde parábolas e diálogos até máximas e poemas.

Apesar de ainda ligados ao ritualismo sofisticado da literatura anterior, os Upanishades já expressam, de maneira assistemática, doutrinas que são encontradas na filosofia ocidental: monismo, idealismo e solipsismo. As perguntas fundamentais da “filosofia propriamente dita”, como “de onde viemos”, “qual o fundamento da realidade” já estão presentes. Neles, a noção de Brahman como fundamento absoluto do mundo e a identidade entre o eu individual e o Eu divino são abertamente defendidas e aprofundadas.

Por volta do ano de 550 a.C., a filosofia na Índia passa a se caracterizar por uma maior exigência crítica e sistemática. Os Upanishades apresentavam incongruências que poderiam levar a crenças dispares e conflitantes. Segundo Hocking, “juntamente com tendências acentuadas para o monismo, há (…) enunciados que justificam um dualismo”. Soma-se, a isso, o imperativo de não romper o liame entre o hinduísmo do presente e suas raízes védicas e o de atacar o surgimento de seitas tidas como heréticas: os jaínas e budistas. Dessa situação, formalizaram-se seis sistemas, os Darshanas, literalmente, “pontos de vista”: Nyaya, Vaiseshika, Sankhya, Yoga, Mimansa e Vedanta. A obra de Shankara situa-se no contexto deste último.

“Vedanta” significa “o fim dos Vedas” ou “a significação última dos Vedas”. Ao Vedanta, também se aplica a expressão sânscrita Uttara Mimamsa – “última investigação”. É o sistema clássico da filosofia hindu e tenciona a conciliação entre as diversas tendências manifestas nos Vedas e nos Upanishades. É uma espécie de espiritualismo monista, no qual o Eu individual – o Atman – é reduzido a Brahman, a única e universal realidade, fundamento ontológico do cosmos. O ponto de partida do Vedanta é obra de Badarayana, o Vedanta Sutra, e, segundo Gathier (1996: 59), é um texto tão conciso em seus aforismos que “em muitas passagens, ele era ainda mais obscuro que os textos que procurava esclarecer”. As diferenças entre as mais proeminentes escolas do Vedanta – Advaita, Dvaita e Vishishtadvaita – são, no fundo, diferenças quanto à interpretação de todo o corpus textual acumulado desde a redação do Rig Veda.

2.4 A ontologia e epistemologia do Advaita Vedanta

hamsa (traduzido do sânscrito, “ganso”) é um importante símbolo no Advaita Vedanta. Seu significado símbólico são os seguintes: em primeiro lugar, ao repetir verbalmente hamsa, ele se torna soham (traduzido do sânscrito, “Eu sou Isto”). Em segundo lugar, mesmo que um hamsa viva na água, suas penas não são manchadas por ela: da mesma forma, um Advaita liberado vive neste mundo cheio de Maya mas é intocado por suas ilusões. Em terceiro lugar, um monge da ordem do Dashanami é chamado um Paramahamsa (“hamsasupremo”)

O judaísmo, o islamismo e o cristianismo podem ser considerados, em suas formas mais ortodoxas, uma espécie de dualismo, no qual o criador e sua criação possuem diferenças ontológicas insuperáveis. Deus é anterior ao mundo que ele criou e a criação é ato de sua vontade e não de uma necessidade lógica e inevitável de sua natureza divina. Identificar criador e criatura, como bem parece demonstrar as reações frente a obra de um pensador como Espinosa, seria rebaixar e confundir dois níveis ontológicos qualitativamente diferentes. De um ponto de vista estritamente filosófico, um dualismo desse tipo parece, a princípio, se adequar melhor ao senso comum quando comparado a um monismo, pois estabelece uma separação entre os entes cotidianos e o absoluto, o que preservaria as diferenças, individualidades e a pluralidade dos fenômenos tão evidentes e caros ao senso comum. Estes parecem ser esvaziados de conteúdo ontológico autêntico quando concebidos dentro de um monismo, seja do tipo defendido por Espinosa, que entende os objetos materiais e conceituais como atributos e modos de Deus, seja do idealismo absoluto hegeliano, que concebe o Absoluto como a atividade incessante do Espírito – seja na Natureza ou na consciência e história humana.

Tal é a situação que a filosofia do Advaita, o não dualismo, coloca diante do leitor: como conciliar Brahman; um absoluto tão universal, simples e total; com as coisas, as ideias e os “eus” individuais? Em outras palavras: como o Absoluto se relaciona com o relativo e o contingente? Por isso, entender a ontologia descrita por Shankara é compreender a natureza do Brahman.

2.4.1 A natureza do Brahman

Deve-se ressaltar, logo de início, que Shankara não é um racionalista do tipo cartesiano que visa provar por meios puramente intelectuais a existência da divindade. São os Vedas as fontes privilegiadas para o conhecimento do Absoluto e todo e qualquer discurso acerca dele deve partir e voltar para os textos sagrados. O debate em termos estritamente racionais visa apenas armar aquele que já dispõe da verdade frente os adversários heréticos.

A sentença tat tvam asi, “isso é você!” resumiria todo o conteúdo dos Vedas: Brahman é a única realidade, existente em si e para si mesmo, homogêneo, sendo impossível atribuir-lhe algo como características, limites, determinações ou modos. Ele não é um mero objeto passível de ser conhecido. Ele é adrisya: além da capacidade dos sentidos, da mente ou do intelecto. É a “testemunha silenciosa”, Saksin. Ninguém está ao seu lado. Ele é turiya – transcendente. Não temos contato direto com o absoluto devido ao foto do mundo, como aparece, é ilusão, um erro derivado do Maya, o poder de Brahman em ocultar sua real natureza. Maya significa “aquilo que não é”. Segundo Shankara:

Cquote1.svg A verdadeira tradição do Vedanta fez a seguinte declaração: ‘quando a alma individual acorda, a alma que esteve mantida nos laços do sono por Maya que não tem começo, então ela conhece a não dualidade eterna, sem forma e desperta (sem sonhos)”. Cquote2.svg

A ilusão é comparada com a confusão que uma pessoa pode fazer entre uma serpente e uma corda: na escuridão uma corda pode ser aceita como uma serpente. Quando se está na luz, quando o conhecimento da verdade dissipa o Maya, a serpente, que era tida como real, se torna falsa. Assim como a cobra é sobreposta à corda, o mundo e o corpo são sobrepostos à Brahman e ao Supremo Eu. Logo, a realidade fenomênica apenas parece ser diferente da Verdade Absoluta, estando elas “cobertas” pelo Maya. Só quando se possui o verdadeiro conhecimento, Jnana, é que entendemos a natureza da ilusão: ela não é real, pois de posse de Jnana, ela desaparece, mas existe enquanto o saber está envolvido pela ignorância (avidya). Nas palavras do próprio Shankara:

Cquote1.svg É uma verdade bem verificada que a noção de identidade do eu individual com o não eu – com o corpo físico e assemelhados -, que é comum a todas as criaturas mortais, é causada por avidya, como uma coluna (na escuridão) é confundida (através de avidya) com um ser humano. (…) de modo similar, a consciência nunca realmente pertence ao corpo – como prazer, dor e aborrecimento – realmente pertence à consciência, ao eu; porque, como decadência e morte, tais atributos são imputados ao eu através de avidya“. Cquote2.svg

Essa é uma ignorância frente a própria natureza humana, pois existiria, na verdade, uma identidade entre o Eu (Atman) e o Brahman. Não é possível estabelecer provas exteriores acerca da existência do Eu, ele é um dado bruto. De modo cartesiano, Shankara nega a possibilidade de negar o Atman, pois o próprio ato de negar afirma a existência dele: “a existência do Brahman nos é ainda, imediatamente certa por ser ele o Eu de todas as coisas e de cada um (…) cada indivíduo percebe imediatamente sua própria existência e ninguém pensa: ‘eu não existo'”. É notável a semelhança entre esse argumento e o argumento do Cogito presente nas “Meditações” de Descartes. A existência indubitável do Atman é visto como uma das evidências da existência do Brahman. Nas palavras do próprio filósofo:

Cquote1.svg A alma é a inteligência eterna, pela única razão de que não é um produto mas sim o mais alto e não modificado Brahhman que, devido ao contato com seus atributos limitados, aparece como uma alma individual. Essa inteligência constitui a natureza essencial do mais alto Brahman (…) se a alma individual não é nada a não ser o mais alto Brahman, (…) assim como a luz e o calor constituem a natureza do fogo”. Cquote2.svg

Não se pode confundir o Atman – princípio divino e universal no homem – e por isso mesmo identificado com o Absoluto, com a Jiva, a alma individual, distinta do nosso verdadeiro Eu. Jiva é imerso na ignorância e identifica o Atman com seu corpo, mente e sentidos. Segundo Shankara: “E aquela alma individual deve ser considerada um mero aspecto do Eu supremo, como o reflexo do sol na água; não é diretamente aquilo, mas tampouco é outra coisa. (…) e aquele ‘aspecto’ é o efeito da ignorância”.

Uma das tendências do Advaita que se seguiram às doutrinas de Shankara, a Vivarana, defende a ideia de pratibimba: o eu individual (jiva) seria apenas um mero reflexo, uma imagem distorcida, de Brahman, que seria o objeto que gera tal imagem (DEUTSCH 2004: 305). A confusão entre o objeto real e a imagem seria também Maya. Afirmar a existência do Maya e sua identidade com os fenômenos é decorrência direta da crença na realidade totalizante de Brahman.

Mas como articular a pluralidade e a contingência do mundo com essa natureza totalizante do Brahman? Shankara formula uma diferenciação entre dois níveis de compreensão do Absoluto. Em um nível mais elementar de entendimento, Brahman surge como Saguna: uma divindade (Isvara) pessoal, causa material e direta do mundo e objeto de culto e de rituais – seria o Brahman como pessoa, segundo os Vedas. Um reflexo do absoluto através do véu da ignorância, o avidya, consequência da tentativa de conhecer a Verdade com uma mente sob a influência do Maya.

Posteriormente, seguidores de Shankara diferenciaram claramente o Maya como sendo o mundo como se apresenta, a ilusão, da avidya, ilusão subjetiva causada pelo Maya. Logo, este último tem um caráter objetivo, mesmo sendo imperfeito e ocultando o aspecto real e divino do mundo e do verdadeiro Eu. Tal conclusão distancia o Advaita de um idealismo subjetivo como o professado por George Berkeley, pois os objetos sensíveis existem, independente de serem percebidos ou não. Outra consequência é a possibilidade de confundir o Advaita com um tipo ilusionismo no qual o mundo seria mera “sombra sem substancia, uma pura ilusão, ou um vazio”. O mundo, então, não é um vazio ontológico: ele é apenas relativamente real, enquanto Brahman é absolutamente real.

Complementando essa visão pessoal de Brahman, tem-se Nirguna – absoluto, sem finalidade, único, incriado, sem atributos – alcançado unicamente por um saber superior. O absoluto por excelência, livre de qualquer relação ou dependência, condição limite ou mudança. Isto faz dele um ser impessoal, impossível de ser descrito, pois ausente de qualquer determinação, ação ou vontade.

A diversidade e as determinações são evidentes no mundo material, desde os entes mais simples – pedras, vegetais, animais – até mesmo em um único ser humano, com suas diferenças de estados mentais e mudanças físicas. Não é possível enquadrar Nirguna nestes conceitos. Não possível qualificar Nirguna, seja como misericordioso ou como criador. Dotá-lo de atributos seria limitado. Referir-se a Nirguna é adotar tão somente uma via negativa, onde não se pode afirmar nada sobre ele sem limitá-lo de maneira ilegítima. Ele só surge como um deus pessoal, Saguna, quando é sobreposto ao Maya.

Shankara não está propondo uma divindade dual em sua essência. Esta separação seria consequência de nossa capacidade cognitiva e não da natureza de Brahman. Seriam dois pontos de vista acerca de uma mesma Verdade, uma absoluta (paramarthika) e outra relativa (vyavaharika). A primeira considera o Brahman como ele realmente é – Nirguna – e a segunda limita-se ao nossa percepção e entendimento empírico, e vê Brahman como um deus, causa do mundo. A vyavaharika não teria validade em um nível cognitivo transcendental, fazendo do ato de aceita um Isvara como apenas uma crença limitada a uma realidade empírica, mas não como a última realidade absoluta.

Desse modo, o imutável Brahman é visto como mutável devido a superposição do não-eu (objetos) ao eu (sujeito, o Atman, identificado com o Brahman). As características dos primeiros são confundidos com as do segundo, gerando a confusão entre o real e o sujeito com o irreal e os objetos. É confundir o Eu com meu corpo, por exemplo. Daí a necessidade por parte da maioria dos homens, envolvidos na ignorância, em ligarem-se a rituais e na crença em um Isvara. É a alma individual, o jiva, em agindo em um plano cognitivo relativamente real. Ela se identifica com o corpo, a mente e os sentidos quando está sob a influência do avidya. Mas quando toma conhecimento do Brahman, e não mais o confunde com Maya, o Eu é comparado com uma bolha que arrebenta em contato com o oceano, tornando-se um com Brahman.

2.4.2 A epistemologia do Advaita

A teoria do conhecimento é necessariamente articulado à ontologia da filosofia de Shankara. A necessidade de se explicar a relação entre Brahman e o mundo material gerou uma diferenciação quanto ao modo como se pode conhecer o Absoluto e não uma diferença na natureza dele mesmo. A separação entre Nirguna e Saguna advém de nossas capacidades cognitivas. O que leva a considerar tanto os aspectos empíricos como os aspectos metafísicos do conhecimento.

De um ponto de vista puramente metafísico, o conhecimento é identificado com a Pura Consciência, que está além da relatividade do sujeito individual. Essa Consciência é a priori, anterior a qualquer forma de existência material, não podendo ser negada ou afirmada. A existência dos objetos é dada pela luz vinda dessa Consciência, sendo ela, portanto, a última realidade. Os objetos referem-se a ela, mas ela não se relaciona e nem depende destes objetos. Brahman Jnana (o conhecimento de Brahman) não pode ser adquirido via dados empíricos, mas tão somente quando se supera a avidya e se compreende a real natureza do Maya.

O conhecimento empírico é relacional, pois muda conforme os objetos. Seria um saber preliminar, tomado pela ignorância. Brahman, por exemplo, é entendido como causa material do universo e diretamente relacionado com o universo em função desta influência da adhyasa que sobrepõem o Brahman Absoluto ao mundo como um todo. Segundo Padmapada, fundador do Vivarana Advaita:

Cquote1.svg Superposição (adhyasa) significa a manifestação da natureza de alguma coisa em outra coisa que não é de sua natureza. Essa manifestação, é razoável sustentar, é falsa (mithya). A palavra mithya tem duplo sentido – denota negação, assim como inexprimibilidade. Aqui, é uma expressão de negação. Cquote2.svg

O fundamento do ato de conhecer é o Eu: ele é auto-evidente, não necessitando de provas ulteriores, como já foi afirmado. É o fundamento, no sentido de início, do ato de conhecer, é ele que ilumina os objetos a serem desvelados, isto é, conhecidos. Na base de cada eu individual, está a onipresente consciência pura de Brahman. Ele se manifesta nas criaturas e, em uma clara ligação entre epistemologia e ontologia, faz com que as criaturas se manifestem pela iluminação gerada pelo conhecimento.

Tal caráter revelador do conhecimento distancia o Advaita de filosofias da representação que tanto marcaram a filosofia ocidental durante os séculos XVI até o XIX. O ato de conhecer não é um acesso direto às representação mentais que fazemos dos objetos exteriores ao espírito e sim, segundo Shankara, fazê-los presentes, desvelá-los. Tal epistemologia distancia-se também de concepções construtivistas e interpretativas do conhecimento que se tornaram comuns no século XX.

3 Influência

Apesar de sua curta vida, sua influência foi desde logo imensa sobre a Índia e o hinduísmo, combatendo veementemente o clericalismo e introduzindo uma forma purificada de pensamento Védico. Sua renovação do hinduísmo tornou esta escola capaz de enfrentar o crescimento do budismo, pavimentando o caminho para os movimentos teístas de Ramanuja e Madhva e contribuindo para o declínio do budismo em grande parte da Índia. Também fundou diversos matha, ou mosteiros. Suas crenças formam a base da tradição Smarta e influenciaram vários pensadores ocidentais contemporâneos.

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801 – 873

Ficheiro:Al-kindi.jpeg

Abu Yusuf Ya’qub ibn Ishaq al-Kindi, conhecido simplesmente como Al-Kindi (em árabe أبو يوسف يعقوب بن إسحاق الكندي, transl. Abū Yūsuf Yaʻqūb ibn Isḥāq al-Kindī; Kufa, atual Iraque, 801 – Bagdade, 873), também conhecido no Ocidente pela versão latinizada de seu nome, Alkindus, foi um célebre polímata árabe: destacou-se como filósofo, cientista, astrólogo, astrônomo e cosmólogo, químico, matemático, músico e médico. Al-Kindi foi o primeiro dos filósofos islâmicos peripatéticos, e se destacou por introduzir a filosofia grega ao mundo árabe.

Al-Kindi era descentente da tribo kindita. Nascido e educado em Kufa, realizou seus estudos superiores em Bagdad. Tornou-se uma figura eminente na Casa da Sabedoria e diversos califas abássidas o indicaram para supervisionar a tradução dos textos científicos e filosóficos gregos para o idioma árabe. Este contato com a “filosofia dos antigos”, como era chamada a filosofia helenística pelos acadêmicos islâmicos, teve um efeito profundo no seu desenvolvimento intelectual e o levou a escrever um grande número de tratados sobre os mais diversos assuntos, desde a metafísica e a ética, até a matemática e a farmacologia.

No campo da matemática, Al-Kindi desempenhou um papel importante ao introduzir os numerais indianos ao mundo islâmico ecristão. Foi um pioneiro na criptoanálise e na criptologia, desenvolvendo diversos novos métodos de decifração, incluindo o método da análise de frequência. Utilizando-se de seus conhecimentos matemáticos e medicinais, foi capaz de desenvolver uma escala que permitia aos médicos quantificar a potência de seus medicamentos. Também realizou experimentos com a terapia musical.

O tema central que sustenta os escritos filosóficos de Al-Kindi é a compatibilidade entre a filosofia e outras ciências islâmicas”ortodoxas”, particularmente a teologia. Muitas de suas obras lidam com assuntos de interesse imediato para a teologia, como a natureza de Deus, a alma e a sabedoria profética. Mas apesar do papel importante que Al-Kindi desempenhou ao tornar a filosofia mais acessível a intelectuais muçulmanos, a sua própria produção filosófica ficou em segundo plano diante da obra de Al-Farabi e poucos dos seus textos ainda estão disponíveis para os estudiosos modernos. Apesar disso, ainda é considerado como um dos maiores filósofos do mundo árabe, e por este motivo é conhecido simplesmente como “O Filósofo Árabe”.

1 Biografia

Al-Kindi nasceu em Kufa, numa família aristocrática da tribo de Kinda, que havia migrado para lá do Iémen. Seu pai era governador de Kufa, e Al-Kindi começou a sua educação formal lá, concluindo-a posteriormente em Bagdade, onde teve como patronos o califa abássida Al-Ma’mun. Devido ao seu conhecimento e às suas aptidões para os estudos, Al-Ma’mun o indicou para a Casa da Sabedoria um centro recém-fundado, dedicado à tradução de textos filosóficos e científicos dos antigos gregos. Também se destacou por sua bela caligrafia, e foi empregado por algum tempo como calígrafo por Al-Mutawakkil.

Com a morte de Al-Ma’mun seu irmão, Al-Mu’tasim, tornou-se califa. Al-Kindi teria uma posição de ainda mais destaque sob o novo governante, que o indicou como tutor de seu filho; porém, com a ascensão de outros intelectuais como Al-Wathiq e Al-Mutawakkil, o seu prestígio entrou em declínio. Existem diversas teorias a este respeito: alguns atribuem a decadência de Al-Kindi às disputas acadêmicas na Casa da Sabedoria; outros referem-se às perseguições violentas de Al-Mutawakkil contra muçulmanos não-ortodoxos (bem como de não-muçulmanos) – Al-Kindi teria até mesmo sofrido agressões físicas e sua biblioteca teria sido apreendida temporariamente. Al-Kindi teria morrido em Bagdade no ano 873, “um homem solitário”, durante o reinado de Al-Mu’tamid.

Depois de sua morte, as obras filosóficas de Al-Kindi caíram rapidamente na obscuridade e muitos deles foram perdidos até mesmo para os estudiosos e historiadores islâmicos. Alguns motivos para isso poderiam ter sido, além da militância ortodoxa de Al-Mutawakkil, a destruição de inúmeras bibliotecas pelos mongóis durante a sua invasão; seus escritos também nunca teriam atingido popularidade entre filósofos influentes, como Al-Farabi e Avicena, cujas próprias obras acabaram por suplantar a de Al-Kindi.

2 Realizações

São atribuídos a Al-Kindi cerca de 15 trabalhos filosóficos. Raramente cita outros filósofos gregos que não Platão e Aristóteles, tendo também como influência a Escola de Alexandria do século VI.

Homem profundamente religioso, foi dos primeiros que fizeram a tradução para árabe da obra de Aristóteles, de quem recebeu profunda influência ao formular a sua própria obra filosófica. Os seus trabalhos tiveram posteriormente um grande impacto em Averroes. Elaborou uma teoria das categorias.

A sua influência aristotélica unia-se a um profundo conhecimento das matemáticas, da medicina, da geometria e outras disciplinas científicas. Isso, juntamente com a sua defesa do livre arbítrio entre os seus contemporâneos, levou-o a considerar a necessidade de criar uma doutrina filosófica capaz de agrupar os distintos conhecimentos humanos.

O primeiro filósofo árabe como é conhecido por muitos biógrafos. Participou na intensa campanha de tradução da filosofia clássica grega e trabalhos científicos desenvolvendo essencialmente correções em obras já traduzidas para o árabe, comentando-as ou resumindo-as. Pode-se de algum modo concluir que Al-Kindi não possuía conhecimentos suficientes de grego para a tradução direta, mas o suficiente para proceder às suas correções enquanto tradução, particularmente no que diz respeito ao discurso filosófico.

O seu trabalho enciclopédico compreendia temas como aritmética, geometria, astronomia, música, medicina, farmácia, etc. A sua formação matemática e estudos sobre a matéria médica foram muito importantes, escreveu várias obras de cunho farmacêutico, como o Agrabadhin, Formulário médico e o Risala fi’ma’rifa quwwat al-adwiyat al- murakkaba latinizado De medicinarum compositarum gradibus investigandis traduzidos por Gerardo de Cremona, impressos em Salamanca (1501).

De medicinarum compositarum gradibus investigandis, dedica-se ao estudo dos graus de intensidades das qualidades (frio, úmido, etc.) dos medicamentos compostos. Al-Kindi considerou que mais difícil e importante que determinar o grau de qualidade de um medicamento simples era determinar e qualidade e potência das fórmulas compostas (segundo Galeno). Resolveu a questão através de uma formula matemática, através da qual a Intensidade de uma qualidade seria igual ao logaritmo de base 2 da proporção entre essa qualidade e a oposta no medicamento composto (ver fórmula). O Agrabadhin é um formulário organizado com muitas receitas segundo a sua forma farmacêutica, indicando a sua aplicação terapêutica.

Além destas áreas Al-Kindi estudou óptica (teoria da cor), investigou sobre temas como geologia, meteorologia, geografia, climatologia e astrologia. Desenvolveu estudos sobre o fabrico de relógios e instrumentos de astronomia.

O seu método combina a força do conhecimento empírico, com uma tendência matemática que o levaram a procurar relações geométricas ou numéricas para os fenômenos naturais.

I=log2 Q/Qo

I= Grau de intensidade de uma qualidade

Q=Número de partes da qualidade (p.e Quente)

Qo=Número de partes da qualidade oposta (p.e. Frio)

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820 – 891

Ficheiro:StPhotios.jpg

Fócio I de Constantinopla (em grego: Φώτιος – Phōtios; c. 810 /820 — c. 893) foi o patriarca de Constantinopla entre 858 e 867 e, novamente, entre 877 e 886 d.C. Ele é reconhecido pela Igreja Ortodoxa como São Fócio, o Grande.

Fócio é considerado o mais poderoso e influente patriarca de Constantinopla desde João Crisóstomo e como o mais importante intelectual de seu tempo, “a luz do renascimento do século IX”. Ele foi uma figura central tanto na conversão dos eslavos ao cristianismo quanto no cisma de Fócio.

Ele era um homem bem educado nascido de uma família nobre de Constantinopla. Seu tio-avô era o falecido patriarca Tarásio. Ele pretendia se tornar um monge, mas escolheu ser um acadêmico e um estadista ao invés disso. Em 858 d.C., o imperador Miguel III, o Ébrio depôs o patriarca Inácio e Fócio, ainda um leigo, foi levado ao trono patriarcal em seu lugar. Em meio a disputas de poder entre o papa e o imperador bizantino, Inácio foi reconduzido ao cargo e Fócio foi derrubado pela primeira vez. Ele reassumiu a posição com a morte de Inácio em 877 por ordem do imperador e com a aprovação do novo papa, João VIII. Os católicos consideram o Quarto Concílio de Constantinopla, que anatemizou Fócio como legítimo, enquanto que os ortodoxos consideram um outro concílio de mesmo nome, o Quarto Concílio de Constantinopla (Ortodoxo), que reverteu o primeiro, como legítimo. Esta contestação mútua sobre o que seria o oitavo concílio ecumênico marca o final da harmonia representada pelos sete primeiros concílios ecumênicos aceitos pelas duas Igrejas.

1 Vida

1.1 Secular

A maior parte das fontes primárias sobre a vida de Fócio foi escrita por pessoas hostis a ele. Os estudiosos modernos são, por isso, cautelosos quanto tentar inferir a acuracidade dessas informações. Pouco se sabe sobre a origem e os primeiros anos de Fócio. Nós sabemos que ele nasceu em uma família nobre e que seu tio, Tarásio de Constantinopla, fora patriarca entre 784 e 806 sob a imperatriz Irene e Nicéforo I, o Logóteta. Durante a segunda onda do iconoclasma, sua família sofreu perseguições por causa de seu pai, Sergios, que era um proeminente iconófilo. A família retornou às graças apenas após o “Triunfo da Ortodoxia” em 842 d.C. Alguns estudiosos afirmam que ele era, pelo menos em parte, de ascendência armênia[c]. Os autores bizantinos também reportam que o imperador Miguel III, o Ébrio certa vez, num acesso de fúria, chamou Fócio de “cara de czar”, mas se isto é um insulto genérico ou uma referência a sua etnia é incerto.

Embora Fócio tenha tido uma excelente educação, não sabemos nada sobre ela. A famosa biblioteca que ele possuía atesta a sua famosa erudição (teologia, gramática,filosofia, direito, ciências naturais e medicina). A maioria dos acadêmicos acredita que ele nunca lecionou na Magnaura (a universidade de Constantinopla) ou em qualquer outra universidade. Vasileios N. Tatakis afirma que, mesmo enquanto patriarca, Fócio ensinou “jovens estudantes sedentos de saber” em sua casa, que “era um centro de aprendizado”.

Fócio diz que, quando jovem, ele tinha um pendor pela vida monástica, mas, o invés dela, optou por iniciar uma carreira secular. O caminho do serviço público provavelmente se abrira para ele quando, de acordo com uma fonte, o seu irmão Sergios se casou com Irene, irmã da imperatriz Teodora, que, após a morte de seu marido Teófilo em 842 d.C., assumira a regência do império. Fócio então se tornou o capitão da guarda (protoespatário) e, posteriormente, primeiro secretário imperial (protasēkrētis). Numa data incerta, Fócio participou ainda de uma embaixada aos abássidas de Bagdá.

1.2 Patriarca de Constantinopla

Fócio entronado como patriarca. Iluminura no chamado Skylitzes de Madri, atualmente na Biblioteca Nacional de España, em Madri.

Fresco da Igreja da Deposição das Vestes em Moscovo que mostra o imperador bizantino Miguel III, o Ébrio e o Patriarca Fócio a colocarem o véu da Theotokos no mar.

A carreira eclesiástica de Fócio avançou de forma invulgar após o kaisar Bardas e seu sobrinho, o jovem imperador Miguel, colocaram um fim na administração da regente Teodora e do Logothetes tou dromou Teoctisto em 856 d.C. Em 858, foi a vez de Bardas se ver em conflito com o patriarca Inácio de Constantinopla, que se recusava a admiti-lo em Santa Sofia por causa de seu relacionamento com a sua nora, que era viúva. Em resposta, Bardas e Miguel tramaram a deposição de Inácio e o prenderam sob acusações de traição, deixando o trono vago. Bardas logo o preencheu com Fócio, que foi tonsurado em 20 de dezembro daquele ano e, nos quatro dias subsequentes, foi ordenado leitor,subdiácono, diácono e padre. Ele foi consagrado como patriarca de Constantinopla no Natal.

A deposição de Inácio e repentina promoção de Fócio provocaram um escândalo e uma divisão eclesiástica de proporções internacionais, pois o papa e os demais bispos ocidentais tomaram as dores de Inácio. A deposição dele sem um julgamento eclesiástico formal significava que a eleição de Fócio era não canônica e, eventualmente, o papa Nicolau I, como patriarca sênior, se envolveu na questão para determinar a legitimidade desta sucessão. Legados foram despachados para a capital imperial com instruções de investigar o caso, mas, ao encontrar Fócio já bem estabelecido na posição, eles concordaram com a sua eleição num sínodo realizado em 861 d.C. Ao retornarem para Roma, eles descobriram que não era isso que Nicolau pretendia e, em 863, num outro sínodo realizado em Roma, o papa depôs Fócio e reconduziu Inácio ao trono patriarcal. A ação foi completamente ignorada em Constantinopla e, quatro anos depois, Fócio se vingaria ao chamar um concílio e excomungando o papa por heresia — por causa da questão da “dupla procedência” do Espírito Santo (veja cláusula filioque). A situação foi adicionalmente complicada por conta da questão da autoridade papal sobre toda a igreja e a contestada jurisdição sobre a recém-convertida Bulgária. Este período ficou conhecido como cisma de Fócio.

Esta confusão mudou com o assassinato do patrocinador de Fócio, Bardas, em 866, e do imperador Miguel no ano seguinte pelo seu co-imperador Basílio I, o Macedônio, que usurpou o trono. Fócio foi deposto como patriarca, não tanto por ser protegido de Bardas e Miguel, mas por que Basílio procurava uma aliança com o papa e com o imperador do ocidente. Fócio foi removido do cargo e banido por volta de setembro de 867 e Inácio foi reinstalado em 23 de novembro. Fócio então foi condenado pelo Concílio de 869-870. Durante o seu segundo patriarcado, Inácio seguiu uma política muito próxima à que vinha seguindo Fócio.

Fócio sendo interrogado. Iluminura no Skylitzes de Madri.

Não muito depois de sua condenação, Fócio conseguiu se reconciliar com Basílio e se tornou o tutor dos filhos do imperador. A partir de cartas sobreviventes de Fócio escritas durante o exílio no mosteiro de Skepi, parece que o ex-patriarca pressionou o imperador para que ele fosse reinstalado. O biógrafo de Inácio argumenta que Fócio forjou um documento sobre a genealogia da família de Basília e o colocou na biblioteca imperial, onde ele tinha um amigo em posição de ajudar. De acordo com este documento, os ancestrais do imperador não eram simples camponeses como acreditavam todos, mas descendentes da Dinastia Arsácida da Reino da Armênia. Verdade ou não, esta história de fato revela a dependência de Basílio em Fócio para assuntos ideológicos e acadêmicos. Logo após Fócio ter sido convidado a se juntar à corte, ele e Inácio se encontraram e se reconciliaram publicamente. Quando Inácio morreu em 23 de outubro de 877, foi uma questão de dias até que seu antigo oponente fosse novamente apontado como patriarca. Shaun Tougher afirma que deste ponto em diante, Basílio não apenas dependia de Fócio, mas estava de fato completamente dominado por ele.

Fócio agora obteve o reconhecimento formal do mundo cristão num concílio reunido em Constantinopla em novembro de 879. Os legados do papa João VIII compareceram, preparados para reconhecerem Fócio como patriarca legítimo, uma concessão pela qual João seria muito censurado pela opinião dos autores latinos. O patriarca permaneceu firme nos principais pontos de contestação entre as igrejas do ocidente e do oriente, o pedido de desculpas exigido pelo papa, a jurisdição sobre a Bulgária e a introdução da cláusula filioque no credo niceno-constantinopolitano. Eventualmente, Fócio se recusou a se desculpar ou aceitar a inclusão do filioque e os legados tiveram que se contentar em retornar para casa apenas com a jurisdição sobre a Bulgária para Roma. Esta concessão, porém, era puramente formal, pois a Bulgária retornou ao rito bizantino em 870 e já havia assegurado para si o status de igreja autocéfala. Sem o consentimento de Bóris I da Bulgária, o papado não tinha a menor condição de fazer valer suas pretensões sobre o território.

Durante as disputas entre Basílio e seu herdeiro, Leão, Fócio tomou o lado do imperador. Em 883, Basílio acusou Leão de conspirar contra sua vida e confinou o príncipe no palácio. Ele o teria cegado não fosse pela intervenção de Fócio e de Estiliano Zautzes, o pai de Zoé Zautsina, a amante de Leão. Em 886, Basílio descobriu e puniu outra conspiração, desta vez dos empregados do hikanatoi João Curcuas e muitos outros oficiais. Nesta, Leão não foi implicado, mas Fócio era possivelmente um dos conspiradores.

Fócio com o monge Teodoro Sandabarenos. Iluminura no Skylitzes de Madri.

Basílio morreu em 886 num acidente de caça, segundo a história oficial. Warren T. Treadgold acredita que, desta vez, a evidência aponta para um plano por parte de Leão, que se tornou imperador e dispensou Fócio, que havia sido seu tutor. Ele foi substituído pelo irmão o imperador, Estêvão I, e enviado para exílio no mosteiro de Bordi, na Armênia. É possível confirmar, pelas cartas de e para o papa Estêvão V, que Leão arrancou uma renúncia de Fócio. Em 887, Leão montou um julgamento de traição contra Fócio, mas não conseguiu a sentença que queria. A testemunha principal, Teodoro Santabarenos, se recusou a testemunhar que Fócio estava por trás da remoção de Leão do poder em 883 e acabou sofrendo a fúria do imperador após o término do julgamento. Como persona non grata, Fócio provavelmente retornou à força para a vida monástica. Porém, parece que ele não permaneceu em opróbrio pelo resto de sua vida.

Fócio continuou sua carreira como um escritor no reino de Leão, que provavelmente reabilitou a sua reputação nos anos seguintes. Em sua Epitaphios, sobre seus irmãos, um texto provavelmente escrito em 888, o imperador representa Fócio favoravelmente, retratando-o como o patriarca legítimo e um instrumento de unidade, uma imagem em contraste com as suas ações contra ele em 886 – 887. A confirmação de que Fócio fora reabilitado apareceu depois de sua morte: de acordo com algumas crônicas, foi permitido que seu corpo fosse sepultado em Constantinopla. Também, de acordo com o biógrafo de Inácio, anti-Fócio, os aliados do ex-patriarca clamaram por sua santidade após a sua morte. Além disso, um proeminente membro da corte de Leão VI, Leão Choiropaktes, escreveu poemas comemorando a memória de diversas figuras famosas da época, como Leão, o Matemático e o patriarca Estêvão, e também Fócio. Shaun Tougher nota, porém, que “ainda que a morte de Fócio pareça de fato ter passado em branco para uma figura de tamanha importância para história bizantina […] Leão […] certamente não permitiu que ele voltasse à sua esfera política e é certamente esta ausência nesta arena que é culpada pela sua morte sem alarde”.

A Igreja Ortodoxa venera Fócio como um santo, comemorado no dia 6 de fevereiro.

2 Análises

Fócio é uma das mais famosas personalidades, não apenas do Império Bizantino do século IX, mas de toda a história do império. Um dos mais cultos homens de sua época, ele mereceu a sua fama parte por conta de seus conflitos eclesiásticos, mas também por seu intelecto e obras literárias. Analisando as suas obras, Tatakis considera Fócio como“uma mente voltada mais para a prática do que para a teoria”. Ele acredita que, graças a Fócio, o humanismo foi incorporado na Ortodoxia como um elemento básico da consciência nacional dos bizantinos. Tatakis também argumenta que, tendo compreendido sua consciência nacional, Fócio emergiu como um defensor da nação grega e sua independência espiritual nos debates contra a igreja ocidental. Adrian Fortescue o considera como “o mais maravilhoso homem de toda a Idade Média” e reforça que “não tivesse ele emprestado seu nome ao grande cisma, ele seria lembrado para sempre como o maior acadêmico de seu tempo”.

3 Obras

A mais importante obra de Fócio é a sua renomada Bibliotheca ou Myriobiblon, uma coleção de excertos e resumos de 280 volumes de autores clássicos (geralmente citados como códices), cuja maior parte dos originais se perdeu. A obra é especialmente rica em citações de historiadores.

A Fócio também devemos quase tudo o que hoje existe sobre Ctésias de Cnido, Memnon de Heracleia, Conon, os livros perdidos de Diodoro Sículo e as obras perdidas de Arriano. A história eclesiástica e a teologia também estão muito bem representadas nas obras dele, mas a poesia e a filosofia antiga foram quase que completamente ignoradas. Parece que ele não considerava necessário ligar com autores que homens bem educados já supostamente seriam familiares. Os trechos citados variam muito no comprimento e as numerosas notas biográficas parecem ter sido baseadas na obra de Hesíquio de Mileto.

Lexicon, publicado depois que a Bibliotheca, foi principalmente obra de alguns de seus pupilos. O objetivo era ser um livro de referência para facilitar a leitura dos antigos clássicos e dos autores sagrados, cuja linguagem e o vocabulário haviam caído em desuso. O único manuscrito do Lexicon é o Codex Galeanus, que está atualmente na biblioteca do Trinity College (Cambridge).

Sua mais importante obra teológica é a Amphilochia, uma coleção de 300 perguntas e respostas sobre assuntos difíceis das Escrituras, endereçada a Anfilóquio, arcebispo de Cízico. Outras obras similares são o seu tratado, em quatro volumes, contra os maniqueístas e os paulicianos, e sua controvérsia contra os latinos sobre a processão do Espírito Santo. Fócio também endereçou uma longa carta de conselhos teológicos para o recém-convertido rei Bóris I da Bulgária. Diversas epístolas também sobreviveram.

Fócio também é o autor de dois “espelhos de príncipes”, endereçado para Boris-Miguel da Bulgária (Epistula 1, ed. Terzaghi) e para Leão VI, o Sábio (Admonitory Chapters of Basil I).

A principal fonte autoritativa contemporânea sobre a vida de Fócio é um amargo detrator, Nicetas, o Paflagônio, o biógrafo de seu rival, Inácio.

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586 – 644

Omar ibn al-Khattab ou Umar ibn al-Khattab (árabe: عمر ابن الخطاب; Meca, ca. 586 — Medina, 3 de novembro de 644), conhecido em português simplesmente como Omar ou Umar, foi o segundo dos califas muçulmanos (634 – 644), o mais poderoso dos califas bem guiados e um dos mais poderosos e influentes governantes muçulmanos.

Omar pertencia ao clã menor dos Adi, integrado na tribo dos Coraixitas (Quraysh), à qual também pertencia o profeta Maomé. Pelo lado materno estava ligado ao clã dos Makhzum, um dos mais poderosos de Meca. Sabia ler e escrever, algo raro na sociedade de Meca nessa época.

Inicialmente um opositor de Maomé e da sua mensagem religiosa, teria sido convertido pela sua irmã Fátima e pelo seu cunhado Said ibn-Zayd por volta do ano de 615. Em 622, partiu com Maomé para Yathrib (Medina), quando a comunidade dos primeiros muçulmanos teve que abandonar Meca. Após participou da Batalha de Badr, onde teve uma grande vitória contra o numeroso exército de Meca, que o superava em número de combatentes na proporção de três para um.

Deu uma das suas filhas, Hafsa, em casamento a Muhammad.

Quando Maomé faleceu em 632, Omar apoiou Abu Bakr como novo líder da comunidade dos crentes, tendo se tornado um dos seus conselheiros. Antes de morrer Abu Bakr nomeou Omar como seu sucessor.

Durante o seu califado, o Islão conheceu uma grande expansão, tendo sido conquistada a Síria (Batalha de Jarmuque, 635), a Mesopotâmia e uma parte da Pérsia (Batalha de Al-Qadisiyya e Batalha de Nehavend em 642, ambas contra o Império Persa Sassânida) e o Egito (conquista de Alexandria, 642).

Omar promoveu uma grande obra administrativa, que seria mais tarde aproveitada pelos Omíadas. Foi ele o responsável pela introdução de uma nova cronologia no mundo islâmico, estabelecida a partir da emigração de Meca para Medina em 622 (a Hégira).

Morreu assassinado por um cristão persa em 644. Foi sepultado junto a Maomé e Abu Bakr no recinto da Mesquita do Profeta em Medina (Masjid al-Nabawi).

Primeiros anos

Omar nasceu em Meca, no clã Banu Adi, que era responsável por arbitragens entre as tribos. Seu pai era Khattab ibn Nufayl e sua mãe era Hatmah bint Hasham, da tribo de Banu Makhzum. Diz-se ter pertencido a uma família de classe média. Em sua juventude, costumava tomar conta dos camelos de seu pai nas planícies perto de Meca. Seu pai era famoso por sua inteligência entre sua tribo. Era um comerciante de classe média e acredita-se ter sido um homem cruel e politeísta emotivo, que muitas vezes maltratava Omar. Isso fica evidente por uma declaração do próprio Omar a respeito de seu pai durante o seu posterior governo, quando Omar disse: “Meu pai Al-Khittab era um homem cruel. Ele costumava me fazer trabalhar duro; se eu não trabalhasse ele costumava me bater e ele me fazia trabalhar até a exaustão”.

Apesar da alfabetização ser incomum na Arábia pré-islâmica, Omar aprendeu a ler e escrever em sua juventude. Apesar dele mesmo não ser um poeta, desenvolveu um grande amor pela poesia e literatura. De acordo com o tradição dos coraixitas, ainda na sua adolescência aprendeu artes marciais, equitação e lutas. Ele era alto e fisicamente forte e assim logo se tornou um lutador de renome. Omar foi também um talentoso orador e devido à sua inteligência e personalidade avassaladora, sucedeu seu pai como um árbitro dos conflitos entre as tribos.

Além disso, Omar seguiu a profissão tradicional dos coraixitas. Tornou-se um comerciante e fez várias viagens pelo Império Bizantino e pela Pérsia, onde se diz ter encontrado vários estudiosos e ter analisado as sociedades romana e persa de perto. No entanto, acredita-se que não tenha sido bem sucedido como mercador. Beber álcool era muito comum entre os coraixitas e Omar também gostava de beber em sua época pré-islâmica.

Durante a época de Maomé

A hostilidade de Omar ao Islã

Em 610, Maomé começou a pregar a mensagem do Islã. Como outras pessoas de Meca, Omar opôs-se frontalmente ao Islã. Ele resolveu defender a religião tradicional politeísta da Arábia. Era o mais inflexível e cruel na oposição a Maomé e muito proeminente em perseguir os muçulmanos. Omar foi o primeiro homem que decidiu que Maomé tinha de ser assassinado para pôr fim ao Islã. Acreditava firmemente na unidade dos coraixitas e viu a nova fé do Islã como uma causa de divisão e discórdia entre os coraixitas.

Devido à perseguição por parte dos coraixitas, Maomé ordenou aos seus seguidores que migrassem para a Abissínia. Um pequeno grupo de muçulmanos migrou e isso fez Omar ficar preocupado com a unidade e o futuro dos coraixitas. Decidiu assim assassinar Maomé para se livrar da divisão que foi criada pelo Islã entre o povo de Meca.

Conversão ao Islã

Omar se converteu ao islamismo em 616, um ano após a migração para a Abissínia. Segundo o relato mais popular da história, contada em Sirah, de Ibn Ishaq, a caminho para assassinar Maomé, Omar encontrou um politeísta que lhe disse para pôr a sua própria casa em ordem, visto que sua irmã e seu marido haviam se convertido ao Islã. Ao chegar na casa dela, Omar encontrou sua irmã e seu cunhado, Saeed bin Zaid (primo de Omar), recitando os versos do Alcorão. Ele começou a bater o seu cunhado selvagemente. Quando sua irmã veio para resgatar o marido, ele também bateu nela até que ela começasse a sangrar. Vendo sua irmã assim, ele se acalmou e pediu a ela que lhe desse o que ela estava recitando. Ela deu-lhe o papel no qual estavam escritos os versos do capítulo Ta-Ha. Ele ficou tão impressionado com a beleza dos versos que aceitou o Islã naquele dia. Dirigiu-se então a Maomé com a mesma espada que pretendia matá-lo e aceitou o Islã em frente dele e de seus companheiros.

Omar tinha 27 anos quando aceitou o Islã. Após sua conversão, Omar foi informar ao chefe dos coraixitas, Amr ibn Hishām sobre a sua aceitação do Islão. Segundo um relato, Omar depois rezou abertamente na Kaaba quando os chefes coraixitas, Amr ibn Hishām and Abu Sufyan ibn Harb, alegadamente assistiram furiosos. De acordo com o mesmo relato esse fato mais tarde ajudou os muçulmanos a adquirirem confiança em praticar abertamente o Islã. Nesta fase, Omar ainda desafiou qualquer pessoa que se atrevesse a interromper as orações dos muçulmanos, embora ninguém se atrevesse a importunar Omar quando ele estivesse rezando.

A conversão de Omar ao Islã deu poder aos muçulmanos e à sua fé em Meca. Foi depois disso que os muçulmanos ofereceram orações abertamente em Masjid al-Haram pela primeira vez. Abdullah bin Masoud disse,

O abraço de Omar ao Islã foi a nossa vitória, a sua migração para Medina foi o nosso sucesso e o seu reinado, uma bênção de Alá, nós não oferecíamos orações na mesquita de Al-Haram até Omar aceitar o Islã, quando ele aceitou o Islã, os coraixitas foram obrigados a deixar-nos rezar na mesquita.

Por todas essas coisas que Omar ganhou o título de Farouq, que significa aquele que faz a diferença.

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1018 – 1078

Ficheiro:Michael Psellos.jpg

Miguel Pselo (em grego: Μιχαήλ Ψελλός, transl. Mikhaēl Psellos; Nicomédia, 1018 – 10781 ) foi um humanista, político, filósofoneoplatônico, poeta, orador e historiador bizantino do século XI.

Pselo foi um cortesão intrigante e um dos políticos mais influentes do seu tempo. Ocupou os mais altos cargos do governo imperial durante trinta e seis anos, sob sete imperadores de três dinastias diferentes. Autêntico polígrafo, escreveu sobre teologia, direito,filologia, arqueologia, história, alquimia, matemáticas, medicina, etc. Foi não somente o espírito mais cultivado e a mente mais lúcida da sua época, mas também um autêntico artista. A sua Chronografia é o mais importante livro de memórias de toda a Idade Média, sem ser igualado por nenhum outro pela sua frescura, a vivacidade da sua expressão, a finura da sua intuição psicológica e as suas dotes para os retratos.

1 Vida

1.1 Vida temporã

Constantino Pselo (Constantino era o seu nome originário; “Miguel”, com o que é conhecido na tradição posterior, era o seu nome monástico) nasceu no seio de uma modesta família residente em Constantinopla. Seu pai, originário de Nicomédia (Bitínia), tinha a patrícios e cônsules entre os seus antepassados mais próximos, mas nada ficava já dessas ilustres origens, e exercia como simples tendeiro num bairro popular da capital imperial, onde se casara com uma mulher de família humilde. Do matrimônio nasceram duas filhas antes do próprio Pselo, que nasceu no final de 1017 ou princípios de 1018, nos últimos anos do reinado de Basílio II Bulgaróctone (959-1025).

Tinha um defeito físico (provavelmente era belfo) que lhe deu o apelido de Pselo (em grego: Ψελλός – psellós), adjetivo aplicado aos que têm uma trava ou um defeito na fala (mas não disfemia).

Quando Pselo concluiu a educação básica, em oito anos de idade, a sua família pensou em lhe procurar um ofício, mas a insistência da sua mãe, convencida das extraordinárias qualidades do seu filho, pôde persuadi-los para que continuassem pagando a sua formação: lembra-o emocionado o próprio escritor no discurso fúnebre que dedicou à sua morte. A decisão da mãe viu-se recompensada, e pronto Pselo, com apenas dez anos, sabia recitar de memória a Ilíada e comentar as suas figuras e os seus tropos, demonstrando um talento excepcional. Apesar das suas qualidades, aos 16 anos a economia familiar não pôde custear mais a sua formação e Pselo começou a trabalhar como secretário de um juiz provincial, provavelmente no thema da Trácia e Macedônia. Por então faleceu a sua irmã e os seus pais retiraram-se para um mosteiro. Pselo regressou a Constantinopla, onde iniciou estudos superiores de retórica e filosofia com João Mauropus (1000-1070), um dos intelectuais mais importantes do seu tempo.

Durante os anos seguintes Pselo veria promovida a sua carreira administrativa como juiz (governador provincial), provavelmente pelo apoio do seu amigo Constantino Licudes, que entrou no Senado e assumiu postos de poder durante os reinados de Miguel IV, o Paflagônio e Miguel V, o Calafate. Assim, Pselo teve o cargo de juiz ao menos em três themas da Ásia Menor (Tracesianos, Bucelários e Armeníacos), sendo desconhecidas as datas exatas. É surpreendente que se encomendassem postos de tão alta responsabilidade a um jovem de uns vinte anos, algo para o qual não se encontra paralelo algum na história administrativa do império e que fala das suas qualidades. É provável que a sua presença em províncias não fosse permanente durante esses anos e que a alternasse com estadias em Constantinopla para continuar com a sua formação.

1.2 Na Corte Imperial

Mosaico de Constantino IX Monômaco e Zoé Porfirogênita na Basílica de Santa Sofia.

Em 1041 entrou na corte como secretário imperial (hypogrammateús) de Miguel V, o Calafate, e por volta de 1042 contraiu matrimônio com uma mulher de boa família, descendente de um valido do imperador Leão VI, o Sábio (886 – 912). Do matrimônio nasceu uma só filha, Estiliana, que faleceu aos nove anos, o que motivou o ingresso da sua esposa num mosteiro. Pselo ficou unicamente com uma filha adotiva, Eufêmia, mas o comprometimento desta com um jovem de boa família deveu romper-se, o que provocou até mesmo um processo legal contra o historiador.

Ao ascender ao trono imperial Constantino IX Monômaco (1042-1055), Pselo tornou-se secretário de Estado e grande chanceler. Tinha nesse momento uns vinte e cinco anos, e ao mesmo tempo ensinava retórica e filosofia na Academia de Constantinopla, onde teve entre outros discípulos a João Ítalo e a Teofilato; foi considerado um grande helenista, constituindo-se na coluna articuladora do qual à época dos Comnenos denominou-se “Renascimento helênico”.

Monómaco foi retirando gradativamente o seu favor aos eruditos do ambiente de Pselo, que tiveram de tomar finalmente o hábito monástico para evitar serem perseguidos. O próprio Pselo tonsurou-se como monge repentinamente em finais de 1054, adotando o nome monástico de Miguel. Na sua Cronografia assinala, surpreendentemente, que o fez apesar dos protestos do próprio Imperador, que não queria ver-se privado da sua companhia. Pselo é de fato deliberadamente ambíguo ao falar acerca dos motivos que impulsionaram a este retiro, e que possivelmente não tivessem a ver com o Imperador mas com o seu ambiente cortesão, algo que explicaria que justamente à morte de Monómaco, em janeiro de 1055, Pselo abandonasse de seguida Constantinopla e se refugiasse no mosteiro da Formosa Fonte, no Olimpo bitínio. Por então faleceu a sua mãe, com o que Pselo ficou privado de família.

1.3 Vida monástica

A experiência do retiro monástico resultou muito decepcionante para Pselo, sobretudo pela ignorância e inatividade dos seus companheiros de hábito, aos que chamou depois“gentes grosseiras e incultas, verdadeiros citas”. Grande admirador de Platão e, em especial, do neoplatonismo, esforçou-se por apresentar esta corrente filosófica alheia do paganismo, como um esforço imperfeito que alcançou com o Cristianismo a sua perfeita coroação. Por isso adotou o alegorismo como o melhor método de exegese para estudar, analisar e comentar os clássicos gregos como antes fora analisada a Bíblia. Dessa forma chegou a ver nos autores gregos uma espécie de profetas do Cristianismo e até mesmo encontrou em Homero nada menos que o mistério da Santíssima Trindade. Acusado por isso de heresia, Pselo viu-se de fato obrigado a acreditar a sua ortodoxia num escrito.

Incapaz de se adaptar ao retiro monástico, e provavelmente inimizado com os demais monges, Pselo regressou para a capital esse mesmo ano de 1055, quando a imperatriz Teodora, última da dinastia macedônica, chamou ao seu lado como conselheiro. Apesar de ter recuperado e até mesmo incrementado a influência perdida, fê-lo já desde a sua condição de monge, e a sua autoridade já não se baseou mais em títulos ou dignidades concretas.

1.4 Intrigas cortesãs

Pouco antes da morte de Teodora em 1056, o consistório de palácio obrigou a que esta designasse um sucessor. O eleito, Miguel VI, o Estratiótico  (1056-1057), foi coroado pouco depois. Pselo declarou na sua Cronografia ter sido testemunha dos conciliábulos para escolher o sucessor, mas situa-se à margem de uma decisão que de seguida se revelará efêmera, pois apenas proclamado imperador Miguel, sublevaram-se contra ele os generais da Ásia Menor, membros de poderosas famílias terratenentes descontentas com o governo de funcionários públicos da capital.

Quando os rebeldes, capitaneados por Isaac Comneno, chegaram às proximidades da capital, Pselo foi enviado como embaixador pelo Imperador para negociar um acordo com o usurpador: Isaac seria nomeado César e herdeiro ao trono em troca de pôr fim às hostilidades.

Pselo afirmou que superou o ambiente hostil de uma loja cheia de soldados inimigos e convenceu com a sua oratória superior aos presentes da bondade da sua proposta. Mas o fato de, a seguir, ser considerado por Isaac o seu homem de confiança, levanta suspeitas sobre a gestão da sua embaixada e dúvidas a respeito da sua fidelidade a Miguel, que foi derrocado em Constantinopla por setores próximos do patriarca Miguel Cerulário, quando o usurpador acampava ainda ao outro lado do estreito do Bósforo em companhia de Pselo.

Isaac entrou pouco depois na capital e nomeou Pselo presidente do Senado, o que fez evidente a todos o seu câmbio de bando. As qualidades de político sem escrúpulos de Pselo ficaram novamente patentes quando, pouco depois, aceitou a encomenda do Imperador de redigir uma acusação contra o patriarca Miguel Cerulário por traição. O patriarca, responsável pelo cisma com Roma em 1054, era um homem com ambições políticas e perigoso para o poder imperial, pelo qual a sua deposição estava justificada. Contudo, o singular do fato é que Pselo fora o encarregue de formular os cargos apesar da amizade que os ligava e ao fato de os sobrinhos de Cerulário serem destacados discípulos seus. O patriarca, deposto e desterrado, faleceu antes que as acusações de Pselo ficassem públicas frente do sínodo convocado na capital, mas a sua deposição originou a animadversão do povo contra Pselo. O Imperador nomeou ademais patriarca a Constantino Licudes (1059-1063), velho amigo de Pselo.

As férreas restrições de despesas decretadas pelo Imperador tiraram-lhe o apoio dos altos cargos políticos da Corte, Pselo incluído. É possível por isso que, como sugestiona Robert Volk, a abdicação de Isaac em 1059 por causa de uma doença fosse estimulada por Pselo, que, como médico pessoal do Imperador, exagerou os sintomas do seu mal para fazer que renunciasse ao trono. É curioso que Pselo não assinale na sua obra que Isaac faleceria meses após abdicar.

1.5 A ascensão dos Ducas

Em qualquer caso, é evidente que a Pselo convinha a ascensão ao poder de Constantino X Ducas (10591067), com quem mantinha excelentes relações desde a época de Monómaco. O novo Imperador, que inventou o novo título de hypertîmos para Pselo, teve a Pselo como principal conselheiro e encarregou até mesmo a educação do seu filho e sucessor, o futuro Miguel VII Ducas.

A hostilidade do povo para ele, como responsável pela condenação do patriarca Cerulário, a dos abundantes exilados de Isaac Comneno que regressaram com o jovem monarca e as pressões dos religiosos, para quem Pselo era um “apóstata”, fizeram com que o patriarca Constantino Licudes lhe aplicasse os cânones dos monges giróvagos e Pselo viu-se forçado a ingressar no mosteiro de Ta Narsu, em Constantinopla, do qual não sairia até um terramoto destruir os seus muros, em setembro de 1063.

As intrigas contra Pselo desencadearam-se abertamente quando, à morte de Constantino, a sua viúva Eudóxia (regente do seu filho menor de idade) continuou confiando em Pselo para o governo. Então Nicéforo acusou-o de manter relações adúlteras com a imperatriz. Não sabemos em que terminaram estas acusações, mas é evidente que o matrimônio de Eudóxia com o general Romano IV Diógenes em 1068 não favoreceu os interesses de Miguel. Diógenes, convertido em co-imperador, desconfiava do intrigante Pselo e temia deixá-lo na capital enquanto ele partia em campanha. O distanciamento entre ambos ficou evidente quando ordenou que o acompanhasse na sua campanha militar contra os Turcos seljúcidas de 1069, uma campanha que Pselo desaconselhara por precipitada. Porém, o erudito conseguiu escapulir-se da expedição ao chegar a Cesareia Mazaca e regressar para Constantinopla.

Quando em 1071 Romano Diógenes foi capturado pelos turcos na catastrófica batalha de Manziquerta, a sua esposa Eudócia assumiu o poder no seu nome e no do seu filho Miguel. Pselo esteve detrás desta decisão, pois foi o que instou ao César João Ducas, irmão do falecido Constantino X e cabeça visível dos Ducas, a dar este passo, tal e qual assinala na sua história. A recuperação do poder efetivo por parte da família Ducas beneficiava Pselo, que era íntimo amigo do César e tinha um grande influência sobre Miguel Ducas, o seu pupilo imperial. O César foi porém mais para lá, e ordenou encerrar Eudóxia, ao fim e ao cabo mulher de Romano, num mosteiro, de modo que o poder ficou exclusivamente nas mãos do seu sobrinho Miguel.

Enquanto isso, o sultão turco Alp Arslan liberara Diógenes, não disposto a ceder o seu poder ao seu filhastro. O conflito estava servido. Pselo descreve na sua Cronografia qual foi a sua reação no meio desta confusão:

” Eu encontrei-me também no meio daquele desconcerto geral, quando todos me instavam a que dissesse o que convinha fazer. Posto que sobretudo o meu nobre e querido imperador me instava e pressionava, eu declarei que Romano não devia ser acolhido já no império, mas era preciso desfazer-se de ele e enviar a todas partes ordens excluindo-o do governo. “

Efetivamente, tropas enviadas de Constantinopla derrotaram Romano Diógenes e, apesar das garantias de segurança dadas quando se rendeu, tiraram-lhe os olhos. Romano faleceu pouco depois como consequência das feridas: um final trágico para um nobre general e um capítulo infames da história bizantina. Pselo foi ainda capaz de dedicar-lhe um panegírico no que declara não saber se lamentar ou invejar o destino de Romano. Embora resulte difícil acreditar que a compaixão de Pselo para Romano Diógenes fosse sincera, sendo ele próprio responsável pelo seu final, talvez tivesse remordimentos por não ter pensado que o confronto entre Diógenes e Miguel Ducas terminaria numa pequena guerra civil e muito menos que acabaria com Romano cegado pelos sicários imperiais.

1.6 Morte

É identificado com o Miguel de Nicomédia que cita o historiador Miguel Ataliates, Pselo teria morto em abril de 1078. Ataliates, inimigo declarado do orador, teria escrito o seu epitáfio com estas palavras:

Pouco depois exalou o seu último suspiro o monge e hipértimo Miguel, que estivera à frente dos assuntos de governo e cuja família procedia de Nicomédia, homem desagradável e orgulhoso, que dificilmente aprovava a munificência do imperador.

São desconhecidas as circunstâncias nas quais faleceu Pselo, mas sim é conhecida a penúria na qual vivia, anos depois, o seu neto, o filho de Eufemia, até o ponto de Teofilato de Ocrida, um dos discípulos de Pselo, ter pedido ajuda para ele.

2 Esboço

O único retrato que conservamos do autor é desta época, em que se descreve a si mesmo como de grande estatura, pele obscura e cabelos louros, celhas retas, olhos brilhantes e uma nariz aquilina da qual sempre se mostrou orgulhoso, ataviado com o preto hábito de monge.

Seu caráter era extremamente veleidoso. Na sua epístola a Miguel Cerulário reconhecia “ser um homem, animal cambiante e instável, alma racional que se serve de um corpo, singular mistura de tendências discordantes”. Era no trato vaidoso, altaneiro e adulador, burlão, mas também magnânimo e místico. Como cortesão era um político maquiavélico e sem escrúpulo algum, um especialista na arte da injúria, cujos desaires eram temidos, mordaz e de afã polêmico. Na vida privada, por outro lado, era terno e sensível, “feminino”, nas suas próprias palavras.

3 Obra

Não existe nenhuma listagem fidedigna das obras de Pselo. Muitas permanecem ainda inéditas e outras foram falsamente atribuídas.

Escreveu uma Cronografia cheia de fortes críticas, que foi censurada cuidadosamente pelo poder, em que pese a que não fossem cortadas as suas digressões contra monges “folgazãos e inimigos da humanidade” ou onde recordava que o dinheiro dos impostos não era destinado a manter conventos nem concubinas do soberano, ou onde afirmava a superioridade da república ateniense sobre o estado romano “instituição de escravos e não de homens livres” e no que, finalmente, dizia textualmente “não estamos governados por Péricles nem por Temístocles, mas pelos mais vis adeptos de Espártaco que temos comprado a preço de ouro aos bárbaros”

Pselos, na sua condição de alto cargo do Estado, ao mesmo tempo em que observou a história da sua época, participou destacadamente nela. Isso explica, por outro lado, a parcialidade das suas opiniões nesta obra, que por vezes dissimulam a verdade e outras a deformam. A obra é dividida em duas partes. A primeira foi escrita a pedido de um amigo, provavelmente Constantino Licudes, entre 1059 e 1063, e trata o período compreendido entre Basílio II e a abdicação de Isaac Comneno. A narração é enriquecida à medida que transcorrem os reinados, em especial a partir do de Miguel V, o Calafate (1041-1042), no qual Pselo se incorporou à corte na qualidade de secretário do Imperador. A segunda parte abrange o período do governo dos Ducas (1059-1078) e foi escrita por petição expressa e em vida de Miguel VII, o qual fica manifesto no caráter claramente tendencioso da narração.

Interessou-se ademais pelo ocultismo e a magia, a astrologia e a adivinhação, reunindo todas estas superstições, que seguíam vivas ao começar o segundo milênio, sob o termo de “caldeísmo” e refutando-as em numerosas obras como contrárias à razão e ao cristianismo. Assim, esforçou-se em encontrar explicações racionais e científicas a fenômenos supostamente mágicos ou misteriosos, e embora não negasse a existência dos demônios nem a sua capacidade para gerar males, susteve que o cristão deve empregar somente a fé em Deus para se defender deles. E seguindo a Orígenes, a Basílio Magno e a São João Damasceno, afirmou que os demônios têm um corpo que utilizam unicamente para agir neste mundo. Também não recusou, apesar do seu racionalismo filo-helênico, a teologia mística, embora recusasse o modo no qual se praticava, entre outros lugares, no convento do monte Olimpo (Bitínia), onde os monges se persignavam com apenas escutarem o nome de Platão, e teve de defender-se da acusação de helenismo pelo seu contínuo uso, leitura e defesa das ideias gregas. Xifilino, reitor da Escola de Direito de Constantinopla e amigo pessoal de Pselo, acusou-o mediante um escrito de querer perturbar a Igreja mediante o seu platonismo e contagiá-la com as aberrações pagãs. Pselos replicou hipocritamente que estudara os sistemas filosóficos mas sempre referindo-os às Escrituras.

A filosofia de Platão era para ele a máxima realização do espírito humano e o filósofo grego torna-se para ele um verdadeiro precursor do cristianismo, pela sua defesa da imortalidade da alma, a sua ideia da justiça e a sua afirmação de que é possível elevar-se para além dos limites da razão até a contemplação do Um. Aristóteles, se bem que merece também o reconhecimento de Pselo, é criticado por abordar os temas teológicos somente com a razão, sem reconhecer que às coisas divinas se chega com a inteligência, que está para além da razão e dos seus silogismos. De Aristóteles especialmente a sua ciência, e sobretudo a sua lógica, que considera como uma preparação para assimilar a metafísica de Platão.

Como teólogo susteve que os anjos possuíam uma certa substância material e a santidade da Virgem Maria no momento da sua concepção e a sua função mediadora.

Entre as obras mais sugestionantes de Pselo encontra-se a sua coleção de mais de quinhentas cartas, na sua maioria pessoais e motivadas por circunstâncias concretas, embora todas escritas com grande cuidado e elegância,

3.1 Listado parcial de obras

  • Noções comuns (miscelânea de reflexões acerca de diversos temas teológicos, filosóficos e cientistas)
  • Soluções breves das questões físicas (breve tratado no que remonta do estudo dos seres sensíveis até a consideração do primeiro princípio de todas as coisas)
  • Crisopeia (onde analisa os métodos da alquimia de uma perspectiva científica)
  • Oráculos caldeus (resume e comentário do livro sagrado neoplatônico homônimo, cujo fim é compará-los com as doutrinas de Platão e com o cristianismo)
  • Sobre a atuação dos demônios (tratado em forma de diálogo no que enfrenta ao ocultismo com espírito cientista)
  • Sobre a cadeia de ouro (interpretação alegórica de um discurso do Júpiter homérico).
  • Cronografia (ed. espanhol: Vidas de los emperadores de Bizancio. Ed. Gredos, Madrid, 2005).

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1021 – 1058

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Solomon Ibn Gabirol (Málaga, 1021 – Valência, 1058), também conhecido como Solomon ben Judah; em hebraico:שלמה בן יהודה אבן גבירולSulaymān ibn Yaḥyà ibn Ŷabīrūl, em árabe سليمان بن يحيى بن جبيرول, conhecido também como Avicebron, foi um judeu andaluzi, poeta e filósofo

1 Biografia

Filho de uma família cordovesa que escapava das revoltas que deram fim ao califado cordovês —pelo qual Ibn `Ezra e Ibn Zakkuto o denominam al-qurtubi, ou seja, “o cordovês”, embora ele próprio se proclamasse em vários dos seus poemas acrósticos al-malaqui, malaguenho—, ficou órfão desde muito jovem.

Foi criado e educado em Saragoça. Ali, o seu precoce gênio poético valiou-lhe a proteção do mecenas Yekuti`el ben Isaac, vizirjudeu do rei Mundir II da taifa de Saragoça. Ibn Gabirol refere Yequtiel ben Isaac como “príncipe” e “senhor dos senhores”, e a ele dedica boa parte dos seus mais excelsos poemas. Eis um fragmento de uma elegia à morte do seu mestre Yequtiel ben Ishaq:

Cquote1.svg Repara no sol do ocaso, vermelho, como revestido de um véu de púrpura: vai desvelando os costados a norte e a sul, enquanto cobre de escarlata o poente; abandoa a terra nua procurando na sombra da noite abrigo; então o céu obscurece-se, como se coberto de luto pela morte de Yequtiel. Cquote2.svg

Em 1039, após os tumultos ocorridos durante o golpe de estado de Abd Allah ibn Hakam contra Mundir II, Yekutiel foi assassinado e, após dedicar-lhe as mais formosas das suas elegias (um fragmento da qual reproduzimos em cima), Avicebron marchou embora de Saragoça para Granada, à procura de outro protetor, um dos mais notáveis e poderosos personagens da sua época, Šemuel Ibn Nagrella, vizir de Badis ibn Habus rei zirida de Granada. Foi preceitor do seu filho Yosef e, apesar da origem comum das suas famílias —ambas eram cordobessas e emigradas para Málaga—, as suas relações foram conflituosas, atingindo mesmo o confronto pessoal, devido, quer à rivalidade poética quer ao particular caráter de Grabriol, do qual disse Ibn `Ezra: “O seu gênio indômito levou-o a injuriar os grandes e a enchê-los de ofensas, sem desculpar os seus defeitos”. Após residir uns anos em Granada, optou por voltar para Saragoça.

A positiva opinião que de Gabirol têm os cronistas posteriores, Ibn `Ezra, al-Tulaituli, al-Harizi, ibn Da`ud, ibn Parhon ou Yosef Qimhi, não são reflexo da estima de que gozou entre os seus contemporâneos, pois uma vez morto Yequtie`el, e sem a proteção de Šemuel ibn Nagrela, o confronto com os seus correligionários foi encerrado com a promulgação de um herem, ou anátema, e a sua expulsão da comunidade hebreia de Saragoça (1045) da que voltou a partir para o exílio.

Não parece que se cumprissem os seus desejos de marchar para Sião, embora não haja testemunhos fiáveis sobre o último período da sua vida. Ibn Zakkuto transmite uma romântica lenda da sua morte em Valência, às mãos de um vate muçulmano ciumento dos seus poemas, e de como após ser inumado sob uma figueira, esta deu os seus mais doces frutos.

2 A sua obra

Foi autor de numerosos panegíricos e elegias, mas também cultivou a sátira e o auto-elogio, gêneros habituais então entre os poetas árabes, mas não entre os hebreus.

Também escreveu abundante poesia religiosa, entre a que se destaca o Keter Malkut (Coroa do reino), um longo poema de tendências místicas que supõe uma síntese entre as crenças tradicionais judaicas e a filosofia neoplatônica, tudo isso enfeitado por um grande conhecimento da astronomia árabe.

Compôs, além disso, dois célebres tratados em língua árabe. O primeiro é de caráter filosófico, citado mais adiante, e foi traduzido para o latim como Fons vitae.

O segundo ocupa-se da ética e a moral e é de orientação ascética, o Kitab islah al-ahlaq, em língua hebraica, Tiqqum middot ha-nefes, ou seja, A correição dos caracteres, de 1045.

2.1 Fons Vitae

Aderente à filosofia neoplatônica, a sua obra mais célebre é A fonte da vida (em latim Fons Vitae –em árabe ينبوع الحياة (Yanbu` al-hayat), traduzido para o hebraico como מקור חיים, (Meqôr hayyîm)– e está baseada em “Salmos” XXXVI, 10. Esta obra adota a forma de um diálogo entre um mestre e o seu discípulo, e é dividida em cinco partes:

  • A primeira parte é uma explicação preliminar das noções de jeito e matéria universal.
  • A segunda descreve a matéria espiritual subjacente sob as formas corporais.
  • A terceira demonstra a existência das substâncias simples.
  • A quarta ocupa-se das formas e matérias das substâncias simples.
  • A quinta discorre a respeito das formas e matérias universais que existem em si mesmas.

Por não conter esta obra referências aos textos fundamentais do judaísmo, ou seja, o Pentateuco e o Talmude, e por ter sido redigida originalmente em árabe, o seu autor “Avicebrão” foi tomado a princípio por um filósofo muçulmano. Traduzida para o latim sob o nome de Fons Vitae por monges franciscanos, foi uma importante referência também para esta ordem e para o mundo cristão em geral.

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1033 – 1109

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Anselmo de Cantuária (Aosta, 1033/1034 – Cantuária, 21 de abril de 1109), nascido Anselmo de Aosta (por ser natural de Aosta, hoje na Itália), e também conhecido como Santo Anselmo, foi um influente teólogo e filósofo medieval italiano de origem normanda.

Foi Arcebispo de Cantuária entre 1093 e 1109 (sucedendo a Lanfranco de Cantuária, também um italiano), por nomeação de Henrique I de Inglaterra, de quem foi amigo e confessor, mas depois divergiu com ele na questão das investiduras. É considerado o fundador do escolasticismo e é famoso como o criador do argumento ontológico a favor da existência de Deus.

Viria mais tarde a ser canonizado pela Igreja Católica, e declarado Doutor da Igreja em 1720, pelo Papa Clemente XI.

Vida e obras

Santo Anselmo nasceu em Aosta, filho de um nobre, e de uma mãe rica, Ermenberga. Seguiu a carreira religiosa, estudou os clássicos e escreveu sempre em latim. Foi eleito prior em 1063, porque era considerado inteligente e piedoso. Sua biografia nos é contada pelo seu discípulo, Eadmer.

Foi comum na Idade Média que os religiosos buscassem o apoio da fé na razão. Anselmo escreveu uma obra sobre esse assunto. É considerado um dos iniciadores da tradição escolástica. “Não só a habilidade dialética fez de Anselmo o precursor da Escolástica, como também o princípio teológico fundamental que adotou: fides quarens intelectum “a fé em busca da inteligência”. Foi ele também quem forjou uma nova orientação à teoria dos universais e que reverteu em grande proveito para os intuitos da Teologia racional”.

Anselmo buscava um argumento para provar a existência de Deus, e sua bondade suprema. Fala que a crença e a fé correspondem à verdade, e que existe verdadeiramente um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ele não existe apenas na inteligência, mas também na realidade. Anselmo desenvolveu uma linha de pensamento sobre essas bases, chamados de argumento ontológico, que foi retomada por René Descartes e criticada por Immanuel Kant, e ela estava numa obra chamada Proslógio. Ele parte do fato de que o homem encontra no mundo muitas coisas, algumas boas, que procedem de um bem absoluto, que é necessariamente existente. Todas as coisas tem uma causa, menos o ser incriado, que é a causa de si mesmo e fundamenta todos os outros seres. Esse ser é Deus. Seus argumentos não foram totalmente aceitos.

Anselmo chegou a arcebispo da Cantuária em 1093. Escreveu outras obras importantes, Do gramático e Da verdade, ambos em latim. Recebeu doações de terras para a Igreja, mas brigou com Guilherme, o ruivo, rei da Inglaterra pois não queria fazer comércio com os bens da Igreja. Isso foi considerado um desrespeito ao poder real, e Guilherme impediu Anselmo de viajar para Roma, desafiando o poder da Igreja.

Num dos seus primeiros livros, Monológio, em que apresenta sua visão de Deus, Anselmo fala que a essência suprema existe em todas as coisas e tudo depende dela. Reconhece nela onipotência, onipresença, máxima sabedoria e bondade suprema. Ela criou tudo a partir do nada. Anselmo procurava desenvolver um raciocínio evolutivo sobre o que considerava ser a verdade, que estava contida na Bíblia. Para Anselmo, o pensamento tem algo de divino, e Deus tem uma razão. Sua palavra é sua essência, e Ele é pura essência (essa noção não é nova) infinita, sem começo nem fim, pois nada existiu antes da essência divina e nada existirá depois. Para ela o presente, o passado e o futuro são juntos ao tempo, são uma coisa só. E Ela é imutável, uma substância, embora seja diferente da substância das outras criaturas. Existe de uma maneira simples e não pode ser comparado com a consciência das criaturas, pois é perfeito e maravilhoso e tem todas as qualidades já citadas. O verbo e o espírito supremo são uma coisa só, pois este usa o verbo consubstancial para expressar-se. Mas a maneira intrínseca que o espírito supremo se expressa e conhece as coisas é incognoscível para nós. O verbo procede de Deus por nascimento, e o pai passa a sua essência para o filho. O espírito ama a si mesmo, e transmite esse amor.

Para Anselmo, a alma humana é imortal, e as criaturas seriam felizes e infelizes eternamente. Mas nenhuma alma é privada do bem do Ser supremo, e deve buscá-lo, através da fé. E Deus é uno. Para contemplá-lo devemos nos afastar dos problemas e preocupações cotidianos e buscá-lo. Ele é onipotente embora não possa fazer coisas como morrer ou mentir. É piedoso, em parte por ser impassível, o que não o impede de exercer sua justiça, pois ele pensa e é vivo. Anselmo fala muito da crença divina do Pai, do filho e do espírito humano. Grandes coisas esperam por aquele que aceitar Deus e buscá-lo. Santo Anselmo influenciou muito o pensamento teológico posterior.

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1058 – 1111

Abū Ḥāmid Muḥammad ibn Muḥammad al-Ghazālī (em árabe: ابو حامد محمد ابن محمد الغزالی, Tus, 1058 — Tus, 1111) foi um teólogo islâmico, jurista, filósofo, cosmólogo, psicólogo e místico de origem persa, e continua a ser um dos estudiosos mais célebres da história do pensamento islâmico sunita. É considerado um pioneiro da dúvida metódica e do ceticismo,5 e em uma de suas principais obras, A Incoerência dos Filósofos, mudou o curso da filosofia islâmica clássica, afastando-a de uma metafísica islâmica influenciada pelas filosofias grega e helenística, rumando para um filosofia islâmica baseada em causa e efeito que foram determinados por Deus ou anjos intermediários, uma teoria hoje conhecida como ocasionalismo.

Ghazali por vezes tem sido aclamado por historiadores seculares, tais como William Montgomery Watt como sendo o maior muçulmano depois de Maomé (tradicionalmente entre os muçulmanos, o maior muçulmano depois do Profeta, de acordo com o autêntico hadith, é a geração que lhe era contemporânea). Além de seu trabalho que exitosamente mudou o curso da filosofia islâmica — o neoplatonismo pré-islâmico desenvolvido com base na filosofia helenística, por exemplo, foi tão bem refutado por Ghazali que nunca se recuperou — ele também trouxe o islão ortodoxo do seu tempo para um contato próximo com o sufismo. Os teólogos ortodoxos ainda seguiram seu próprio caminho, e assim o fizeram os místicos, mas ambos desenvolveram um sentimento de apreço mútuo que garantiu que nenhuma condenação completa poderia ser feita por um em relação às práticas do outro.

1 Biografia

Ghazali contribuiu significativamente para o desenvolvimento de uma visão sistemática do Sufismo e sua integração e aceitação no Islã tradicional. Ele era um estudioso do Islã sunita, pertencendo à escola Shafi’i de jurisprudência islâmica e à escola Asharite de teologia. Ghazali recebeu muitos títulos como Sharaful A’emma (em árabe: شرف الأئمّة),Zainuddin (árabe: زين الدين), Hujjatul Islã, que significa “Prova do Islã” (árabe: حجّة الاسلام). É visto como o membro-chave da influente escola Asharite da antiga filosofia muçulmana e o contestador mais importante dos Mutazilites. No entanto, escolheu uma posição ligeiramente diferente em comparação com os asharites; suas crenças e pensamentos diferem, em alguns aspectos, da escola Asharite.

1.1 Vida

Ghazali nasceu em 1058 em Tus, uma cidade na província de Coração, na Pérsia. Seu pai, um tradicional sufi, morreu quando ele e seu irmão, Ahmad Ghazali, ainda eram jovens. Um dos amigos de seu pai educou-os nos anos seguintes. Em 1070, Ghazali e seu irmão foram para Gorgan para se inscreverem em uma madrassa (seminário islâmico). Lá, ele estudou fiqh (jurisprudência islâmica) ao lado de Ahmad ibn Muhammad Rādkānī and Abu’l Qāsim Jurjānī. Depois de estudar por aproximadamente 7 anos retornou a Tus.

Sua primeira viagem importante a Nishapur ocorreu por volta de 1080 quando ele tinha quase 23 anos. Tornou-se aluno do famoso estudioso muçulmano Abu’l Ma’ālī Juwaynī, conhecido como Imam al-Haramayn. Após a morte de Al-Juwayni em 1085, Ghazali foi convidado para ir para a corte de Nizamul Mulk Tusi, o poderoso vizir dos sultões seljúcidas. O vizir ficou tão impressionado com os conhecimentos de Ghazali que, em 1091, nomeou-o como professor-chefe do Al-Nizamiyya de Bagdá. Ele costumava palestrar para mais de 300 alunos e sua participação nos debates e discussões islâmicas fê-lo popular em todo o território islâmico.

Passou por uma crise espiritual em 1095, abandonou sua carreira e deixou Bagdá sob o pretexto de ir em peregrinação a Meca. Dispondo de seus bens para sua família, passou a adotar a vida de um sufi pobre. Depois de algum tempo em Damasco e Jerusalém, com uma visita ao Medina e Meca em 1096, estabeleceu-se em Tus para passar os próximos anos em reclusão. Terminou sua reclusão para um curto período de docência no Nizamiyyah de Nishapur em 1106. Mais tarde, voltou a Tus onde permaneceu até sua morte em 19 de dezembro de 1111. Teve um filho chamado Abdu’l Rahman Allam.

2 Principais obras

A edição persa de 1308 da Alquimia da Felicidade.

Ghazali escreveu mais de 70 livros sobre as ciências, antiga filosofia islâmica, psicologia islâmica, Kalam e sufismo. Seu livro do século XI intitulado A Incoerência dos Filósofos marca uma virada importante na epistemologia islâmica, quando Ghazali efetivamente descobriu o ceticismo filosófico que não seria comumente visto no Ocidente até René Descartes, George Berkeley e David Hume. O encontro com ceticismo levou Ghazali a abraçar uma forma de ocasionalismo teológico, ou a crença de que todos os eventos causais e as interações não são o produto de conjunções materiais, mas sim a vontade imediata e presente de Deus.

2.1 A Incoerência dos Filósofos

A Incoerência dos Filósofos marcou um ponto de virada na filosofia islâmica, em sua veemente rejeição de Aristóteles e Platão. O livro tinha como alvo o falsafa, um grupo vagamente definido de filósofos islâmicos dos séculos VIII ao XI (os mais notáveis dentre eles eram Avicena e Al-Farabi) que se baseava intelectualmente nos gregos antigos. Ghazali amargamente denunciou Aristóteles, Sócrates e outros escritores gregos como não-crentes e rotulou aqueles que empregavam os seus métodos e ideias como corruptores da fé islâmica.

A Incoerência dos Filósofos é famoso por propor e defender a teoria asharite do ocasionalismo. Ghazali famosamente alegou que quando o fogo e o algodão são colocados em contato, o algodão é queimado diretamente por Deus e não pelo fogo, uma alegação que ele defendeu usando a lógica. Argumentou que, porque Deus é geralmente visto como racional, ao invés de arbitrário, o seu comportamento em geral causando eventos na mesma sequência (isto é, o que nos parece ser a causa eficiente) pode ser entendido como trabalhando naturalmente de forma mais intensa que esse princípio da razão que eles descrevem como as leis da natureza. Propriamente falando, no entanto, estas não são leis da natureza, mas as leis pelas quais Deus escolhe para reger o seu comportamento (sua autonomia, em sentido estrito) – em outras palavras, a sua vontade racional.

3 Influência

Ghazali teve uma influência importante em ambos os filósofos muçulmanos e cristãos medievais. Margaret Smith escreve em seu livro Al-Ghazali: The Mystic: “Não pode haver dúvida de que as obras de Al-Ghazali seria uma das primeiras a atrair a atenção desses estudiosos europeus”. Então, ela enfatiza: “O maior desses escritores cristãos que foi influenciado por Al-Ghazali foi São Tomás de Aquino (1225-1274), que fez um estudo sobre escritores árabes e admitiu sua dívida para com eles. Ele estudou na Universidade de Nápoles, onde a influência da literatura e cultura árabe era predominante na época.” Além disso, o interesse de Tomás de Aquino por estudos islâmicos pode ser atribuída à infiltração de ‘averroísmo latino’ no século XIII, especialmente na Universidade de Paris.

A influência de Al Ghazali foi comparado à obra de São Tomás de Aquino na teologia cristã, mas os dois diferiram muito em métodos e crenças. Considerando que Ghazali rejeitou os filósofos não-islâmicos como Aristóteles e e vendo-se este apto a descartar os ensinamentos deles com base na sua “incredulidade”, Aquino abraçou-os e incorporou o pensamento grego antigo e latino em seus escritos filosóficos.

Ghazali também desempenhou um papel muito importante na integração Sufismo com a charia. Ele combinou os conceitos do Sufismo muito bem com as leis da sharia. Foi o primeiro a apresentar uma descrição formal do Sufismo em suas obras. Suas obras também reforçaram o status de sunita contra outras escolas islãs.

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1079 – 1142

Ficheiro:Abelard cour Napoleon Louvre.jpg

Pedro Abelardo (ou Pierre Abélard ou Pierre Abailard ou Pierre Abeilard ou Petrus Abælardus) (Le Pallet próximo deNantes, Bretanha, 1079 — Chalons-sur-Saône, 21 de abril de 1142) foi um filósofo escolástico francês, um teólogo e grande lógico. É considerado um dos maiores e mais ousados pensadores do século XII. Ficou conhecido do público por sua vida pessoal e o relacionamento com Heloísa, de que fala em sua História das Minhas Calamidades.

Vida, pensamento e obras

Na filosofia ocupa uma posição importante por ter formulado o conceitualismo, posição que não pertence propriamente nem ao idealismo, nem ao materialismo.

A obra principal de Abelardo, chamada Dialética, inspirada no pensamento de Boécio foi a obra de lógica mais influente até o final do século XIII em Roma, onde foi usada como manual escolar, já que a lógica era ministrada como parte do trivium, fornecendo aos estudantes os argumentos e armas para às disputas metafísicas e teológicas.

A opinião de Abelardo de que a dialética é o único caminho da verdade teve o efeito benéfico, na época, de desfazer preconceitos e encorajar o pensamento livre. Para ele nada, exceto as Escrituras, é infalível; mesmo os apóstolos e os padres são passíveis de errar.

Abelardo identificava o real ao particular e considerava o universal como o sentido das palavras (nominum significatio), rejeitando o nominalismo. Dessa forma, o significado dos nomes permitiria esclarecer os conceitos, de forma a emancipar a lógica da metafísica, tornando-a uma disciplina autônoma.

Foi o mais ilustre teólogo e filósofo do século XII, nasceu em Pallet, perto de Nantes, França. Destinado à carreira das armas, escolheu, no entanto, a das letras. Foi discípulo de Roscelino de Compiègne e Guilherme de Champeaux, chamou a atenção para a divergência que os separava quanto aos universais.

A controvérsia centrava-se na qualidade empírica ou abstrata dos conceitos: os universais têm uma entidade genérica real ou são coisas puramente pensadas ? O problema despertava interesse em todo o campo teológico. Enquanto Guilherme os considerava reais e necessários, Roscelino só lhes atribuía o valor de palavras. Abelardo adotou uma posição intermédia: Definia como não sendo meras palavras, mas também não estabelecendo um saber real, visto que, sendo a sua significação subjectiva, o que exprimem são tão só opiniões pessoais sobre o ser (sermones), que, contudo, possibilitam o entendimento entre os homens. As palavras importantes tornam-se universais ao serem aceites como tal, e como tal «usam-se» para exprimirem as verdades necessárias.

Abelardo e Heloísa

Enfrentando não poucas dificuldades e lutas, ensinou desde 1108, com grande êxito, na escola de Santa Genoveva. De 1113 a 1118 ocupou, finalmente, um lugar na escola catedral de Paris. A agitação doutrinal provocada por Abelardo, repercutiu-se, também, no modo de ensino que sofreu completa revolução. Romperam-se as formas de ensino da velha escola platônica, criando-se o embrião do que viria a ser o ensino universitário, inteiramente diferente do das escolas locais existentes.

Mas o conteúdo doutrinário do seu ensino era, também ele, revolucionário. Para aprofundar o estudo dos temas, utilizou o método, embora já usado, mas que ele desenvolveu e que consistia em analisar os diferentes pontos de vista contraditórios em relação a uma mesma questão, lançando, assim, as bases da escolástica, em especial, a técnica das disputaciones que culminou na Summa. Este método foi tratado por ele na obra conhecida como (Sim e não). Original foi também a sua concepção ética: afirmava que a intenção é tão importante como o ato que dela dimana.

Abelardo, desde as primeiras dificuldades em Paris, mostrou-se sempre rebelde tendo até sido vítima de uma castração por causa do seu envolvimento amoroso com Heloísa, sobrinha do cónego Fulberto. Depois disso, Heloísa entrou para um convento e Abelardo, para um mosteiro. A partir desse período, trocaram cartas regularmente. Do relacionamento entre os dois nasceu um filho, Astrolábio. Abelardo foi condenado duas vezes, uma no Concílio de Soissons no ano de 1121, a que respondeu, como forma de desafio, fundando um oratório dedicado ao Espírito Santo (Oratório do Paracleto), e depois no Concilio de Sens em 1141 devido a pressões de Bernardo de Claraval, com quem se envolvera em polêmica. Poucos meses mais tarde morria no Priorado de Saint-Marcel (Chalons-sur-Saône).

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1080 – 1138

Abu Bakr Muhammad ibn Yahya ibn al-Sa’ig ibn Bajjah (أبو بكر محمد بن يحيى بن الصايغ; Saragoça, Taifa de Saragoça, 1080 — Fez, 1138), conhecido por Ibn Bajjah, e no Ocidente como Avempace, foi um filósofo do Al-Andalus, que cultivou também a medicina, a poesia, a física a botânica, a música e a astronomia.

O seu pensamento teve grande influência em Averróis e Alberto Magno. A maioria dos seus escritos ficaram incompletos (ou desorganizados) devido à sua morte súbita.

Tinha vastos conhecimentos de medicina, matemática e astronomia. A sua obra capital, intitulada O regime do solitário, expressa um protesto moral contra o materialismo e a vida mundana das classes dominantes da época. Afirma que, dada a corrupção da sociedade, o homem que compreendeu a sua verdadeira condição deve ficar à margem dela, pelo menos com o pensamento.

Interior do Palácio da Aljaferia de Saragoça, lugar no qual se reuniam os intelectuais entre os que esteve Avempace.

1 Iniciador da filosofia andaluzi

Avempace é uma das personalidades mais relevantes da história intelectual e filosófica do ocidente árabe. A sua importância radica em três pontos:

  1. É o primeiro filósofo propriamente do al-Andalus. Antes dele floresceram teólogos, médicos, juristas, astrônomos, literatos, mas ninguém se dedicara à especulação filosófica com o rigor de Ibn Bajjah.
  2. É a figura fundamental dum momento de máximo esplendor na vida cultural da Taifa de Saragoça, cujo apogeu político e intelectual decorreu entre o último quartel do século XI e os anos que transcorreram até a sua conquista por parte do rei Afonso I de Aragão em 1118. Entre as figuras que se destacaram na corte dos reis da dinastia Banu Hud, que constroem o magnífico palácio da Aljaferia, encontram-se ilustres personalidades, quer judeus como Ibn Gabirol (Avicebron), Ibn Ezra, Jehuda ha Levi, Ibn Paquda, quer muçulmanos como Ibn Fathun al-Himar e Al-Kirmani, que introduziu a Enciclopédia dos Irmãos da Pureza em Saragoça em 1060.

Neste âmbito Avempace destacou-se como músico, poeta, médico, botânico, astrônomo, astrólogo, matemático, físico, lógico, e político. Foi gabado como o maior dos filósofos andaluzis pelos seus contemporâneos, entre eles Maimónides, Ibn Tufail e Averróis. É citado, também, pelos filósofos da tradição cristã, influindo diretamente em São Tomás de Aquino e Santo Alberto Magno.

  1. A contribuição própria para a filosofia. Avempace assume na sua integridade a filosofia de Aristóteles pela primeira vez no Ocidente, inspirado, nos comentários de Al-Farabi e Avicena, e põe esta corrente empírica ao serviço duma síntese entre o platonismo, o aristotelismo, e a mística muçulmana, ocasionando uma filosofia pessoal, um racionalismo místico islâmico no que beberam filósofos posteriores, sobretudo o cordovês Averróis.

2 Biografia

A Aljaferia, palácio dos reis taifas e Almorávidas da Taifa de Saragoça. Avempace foi vizir de Ibn Tifilwit entre 1115 e 1117.

Nasceu em Saragoça entre 1070 e 1090 de família humilde, filho de prateiros. Quando Saragoça foi ocupada pelos Almorávidas, o seu primeiro governador, Ibn Tifilwit, recebeu-o entre os seus íntimos, nomeando-o vizir, cargo que ocupou provavelmente de 1115 a 1117.

Durante esse período foi enviado para uma missão diplomática ante os hudis desterrados, mas foi feito prisioneiro por estes, embora por pouco tempo. Em 1118, com a conquista cristã, tive de emigrar, encontrando-se em Játiva, Almeria, Granada e Orão, até parar na cidade de Fez, onde faleceu, provavelmente envenenado, em 1139.

As suas obras abrangem mais de quarenta títulos, embora a maioria não chegassem à atualidade. Destacam-se, em primeiro lugar, os comentários às obras de Aristóteles, que parecem pertencer à primeira etapa da sua produção, em Saragoça. Assim, os Comentários à Físicaà Lógica, o tratado Sobre a alma, o da Geração e corrupção, a História dos animais e a História das plantas, entre outras.

Entre as suas obras originais, duma etapa posterior, no exílio, se tem de mencionar sobretudo três: O regime do solitário, o Tratado da união do Intelecto com o Homem e a Carta do adeus.

3 Diversidade dos seus saberes

Avempace destacou-se em primeiro lugar como filósofo, pois foi o iniciador no al-Andalus dum pensamento filosófico puro, conhecido no mundo árabe como falasifa, que se distinguia do pensamento teológico, que geralmente se dava no al-Andalus. Para isso, o pensamento racional era desligado de qualquer fim religioso, e o seu caminho devia ser o da lógica aristotélica. Foi neste ponto que Avempace traçou o caminho que seguiriam Averróis e Maimónides. Por outro lado, o pensamento hispano-medieval anterior a Avempace procurava primariamente uma explicação racional à verdade revelada do Corão, e para isso tentava conciliar um neoplatonismo ascético ou místico com o pensamento.

Embora Avempace fosse pioneiro como filósofo, a sua atividade intelectual decorreu em muitos outros campos do conhecimento. Profissionalmente era médico, e por isso era farmacólogo e botânico, pois estas três disciplinas estavam estreitamente ligadas no Islão, pois o conhecimento das plantas era usado como base da curação. Como músico foi assim mesmo célebre entre os seus contemporâneos. Quanto à formação intelectual, era obrigado no mundo árabe dominar as disciplinas científicas mais valorizadas, as quais eram a física e a astronomia, que no seu tempo não se distinguia claramente da astrologia, bem como a retórica e a poesia, tanto ou mais consideradas que as ciências, pois a música, a matemática e a poesia mantinham uma indissolúvel relação.

3.1 Música e poesia

A sua inclinação para a música e para a poesia, que na época eram indissociáveis, começou cedo. Todos os autores coincidem nos seus dotes para o canto, a execução, a composição e a teoria musical. Neste campo escreveu um extenso tratado intitulado Fi-l-‘alham (Sobre as melodias musicais), atualmente perdido. Além disso, compôs um comentário do tratado sobre a música de Al-Farabi, que, na opinião do historiador argelino Al-Maqqarí (1591-1634) tornavam inúteis todos os livros escritos sobre o tema antes.

Quanto à sua atividade como poeta, conservam-se algumas composições e anedotas que refletem o seu engenho e dotes poéticos; porém, a sua possível produção é desconhecida. O islamólogo espanhol Emilio García Gómez (1905-1995) considera que foi Avempace que fundiu pela primeira vez a poesia árabe clássica com as formas romances da lírica de influência cristã.

3.2 Botânica

Tratado de botânica árabe

Redigiu neste campo, e em colaboração com Ábu-l-Hasão Sufião al-Andalusi, um Livro das experiências, com o que visava completar o Livro sobre os medicamentos simples do toledano Ibn Wafid (m. 1075), o Abenguefiz dos farmacólogos latinos medievais, e embora o livro se perdesse, sabe-se dele pelas mais de duzentas alusões e citas que dele faz o malaguenho Ibn al-Baitar (h. 1190-1248). Conservam-se apenas dois breves tratados, o Kalam ‘ala ba’a kitab al-nabat (Discurso a respeito de alguns livros sobre as plantas) e Kalamu-hu fi-l-nilufar (Discurso sobre o nenúfar).

No primeiro destes tratados comprova-se que Avempace, com Averróis e Ibn Zuhr ou Avenzoar, é o elo entre os dois grandes botânicos andaluzis: Al-Bakrí (m. em 1094) e Al-Gafiqi (m. em 1166). Por outro lado, parece que esta obra influiu direta ou indiretamente no De vegetalibus de São Alberto Magno (1206-1280). No segundo expõe-se, pondo como exemplo o nenúfar, que não tem raízes terrestres, se há uma clara divisão entre o reino animal e o vegetal e indaga sobre a reprodução vegetal, sobre a qual Aristóteles concluíra que não havia reprodução sexual, mas dependia da nutrição e do crescimento. Avempace expôs a possibilidade da sexualidade vegetal, embora não chegasse a nenhuma solução definitiva.

É preciso recordar que Avempace dedicou-se toda a sua vida à sua profissão de médico, pela qual foi muito reputado desde os seus começos em Saragoça até o fim dos seus dias em Fez, e que a sua medicina era baseada primariamente no conhecimento das propriedades curativas das plantas, o que fazia que tudo grande médico fosse pela sua vez um profundo conhecedor da botânica.

3.3 Física

No terreno da física, as ideias de Avempace perduraram até a atualidade através dos testemunhos de Averróis e através de um manuscrito que contém um comentário à Física de Aristóteles e uma carta dirigida ao seu amigo Ibn Hasdai. As fontes que emprega para estes comentários são o comentário à Física do estagirita de Alexandre de Afrodisias(século III) e as ideias neoplatônicas de João Filopono (século VI). A sua física é mais teórica que prática, e contrasta com a de Averróis pois está tingida de platonismo.

Tábuas alfonsinas. A astronomia de Afonso X o Sábio partiu dos conhecimentos árabes.

3.4 Astronomia

Avempace escreveu o tratado Nubad jasira ‘ala al-handasa wa-l-hay’a (Fragmentos simples sobre geometria e astronomia) e por uma cita de Maimónides. Uma vez mais, afastou-se de Aristóteles ao conceber um sistema astronômico sem epiciclos mas com esferas excêntricas, ao modo de Ptolemeu.

A astronomia era uma ciência fundamental para o mundo árabe, obrigada para todos os sábios, que complementava a física, a matemática e outros saberes. As tábuas desenhadas pelos astrônomos árabes foram a base dos livros de astronomia de Afonso X o Sábio (século XIII).

Não se tem de esquecer, porém, que os cientistas islâmicos consideravam a astronomia e a astrologia como uma mesma área científica, o que faz que as suas conclusões, muitas vezes orientadas para a adivinhação (pois era para eles só a leitura do grande livro celeste criado por Alá) e para outros fins, não têm o mesmo objeto que na atualidade.

4 Filosofia

O seu pensamento poderia ser resumido assim: o ideal do homem é o conhecimento puro, a especulação e a contemplação pura.

Diz na Carta do Adeus a respeito da ciência e da filosofia:

Cquote1.svg sempre será certo que nós abrigamos a esperança de chegarmos com elas a algo grande, que não sabemos que coisa seja em concreto, embora sim saibamos que à sua grandeza não encontramos coisas com que compará-la na alma, não podemos também não expressar como caberia corresponder à sua nobreza, majestade e formosura. Até tal ponto é assim que alguns homens acreditam que com ela se tornavam em luz e que sobem ao céu (…) Cquote2.svg

Trata-se duma “contemplação “pura”, ou seja, desprovida de ação, buscada por si mesma e não pelo prazer e felicidade que possa reportar quer nesta vida ou na outra. Nesta situação, “o homem deixa de ser humano para se tornar divino”, porque com semelhante contemplação o homem se identifica e funde com Deus.

Se para Avempace é válida a definição aristotélica de homem como “animal racional”, porém, não é a que aponta ao mais radical e fundamental do homem, pois, acima da razão, está o “intelecto”, o “homem intelectual”.

Em efeito distingue entre três níveis no homem:

  1. Os pertencentes a a grande “massa”, que só sabem das coisas materiais, singulares, submetidas ao espaço e ao transcorrer do tempo.
  2. Num estrato superior estão os homens de ciência, os que usam a “razão”, com a qual “abstraem” as noções e as leis universais partindo das coisas singulares materiais, para depois aplicá-las novamente a esses objetos individuais e dimensionados. Neste estrato, “embora o homem se introduza no nível especulativo, não se despoja totalmente do material”, pois depende dele para abstrair e precisa dele para aplicar os princípios da ciência que pratica e constrói. Trata-se do “nível dos homens científicos”.
  3. Por fim, o terceiro nível, o superior, é o dos que abandonam por completo o espaço, o tempo, o singular e o material, para contemplarem unicamente os seres espirituais, os inteligíveis puros, subministrados pelo “Intelecto Agente”, intermediário entre Deus e o material. Por meio dele liga-se a Deus numa via mística, extática, levada a cabo por um Intelecto que não é racional, mas supra-racional. Assim, a união e fusão absoluta em Deus, com a felicidade suprema, ocorre “nesta vida”, pondo assim em perigo um conceito corânico, a imortalidade na outra vida, e perdendo a individualidade pessoal no trânsito para o paraíso.

Contudo, para Avempace, este último nível é dificilmente atingível, devido a que as circunstâncias da vida em sociedade põem todo tipo de travas para a sua consecução. Portanto, Avempace, pela primeira vez na história, e numa ideia que será muito ascética, cercana a Kierkegaard ou a Nietzsche, propõe o apartamento da sociedade política na que vive para cumprir esse destino último. O homem deve empreender um caminho íntimo com um objetivo claro ao que dirigir todos os seus passos, o “regime do solitário”, para atingir assim a excelsitude. O termo “regime” (tabdir no árabe) é aclarado no seu livro O regime do solitário com estas palavras:

Cquote1.svg A palavra “regime” diz-se na língua dos árabes em muitos sentidos que os linguistas estudaram. Porém, o significado mais conhecido é, em resumo, o que se refere à ordenação de uns atos com vistas a um fim proposto. Cquote2.svg

Segue então aclarando que o regime apenas ocorre nos seres racionais e intelectuais, os únicos capazes de ter um fim para ordenar, dirigir, governar as suas ações de para o mesmo. Portanto,

Cquote1.svg o regime por excelência, —diz Avempace— o que se entende como tal e por excelência, é o de Deus ao criar e governar o mundo, do qual o do homem é apenas uma derivação e cópia defeituosa. E, dentro do regime humano —conclui— o que se entende como tal e por excelência, é o político, a saber, o do governo da cidade por parte do governante que encaminha as ações de todos os seus súditos racionais para o fim supremo da perfeição total e felicidade plena dos mesmos e do corpo social. Cquote2.svg

—Avempace, O regime do solitário.

Quando um grupo de homens alcancem a excelsitude poderão estabelecer “uma comunidade na qual reine a justiça e a saúde”, não precisando nem médicos, pois todos conhecerão o jeito em que remédios devem ser alimentados e administrados. Esta república, baseada na de Platão, é o ideal político ao qual se chega na Política de Avempace, como nova sociedade civil muito diferente da qual se partia. Portanto, fica claro que o homem é um ser social por natureza, e apenas excepcional e acidentalmente se afasta do estado corrupto para poder buscar a sua própria perfeição, que depois aplicará à sociedade regida pela verdade, pela virtude e pelo amor entre os homens.

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1096 – 1141

Ficheiro:Hugostv.jpg

Hugo de São Vitor, C.R.S.A. (em francês: Hugues de Saint-Victor; 1096 — 11 de fevereiro de 1141) foi um filósofo, teólogo, cardeal e autor místico da Idade Média.

Nascido na Saxônia, no Sacro Império Romano-Germânico, foi um importante professor da escola da abadia de São Vitor, em Paris, tendo recebido seu nome por isso.

Biografia

Descendente da família dos condes de Blankenburg de Harz, ele estava relacionado com Reinhard, bispo de Halberstadt, que fundou o mosteiro de Hamersleben.

Entra na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no mosteiro de Hamersleben, perto de Halberstadt, em uma idade jovem. Enviado ao exterior pelo bispo de Halberstadt, ele viajou com seu tio, arcediago Hugh de Halberstadt, onde obteve primeiro relíquias do mártir Vítor em Marselha e depois foi para Paris.

Em Paris, por volta de 1115, ele se estabeleceu no recém-fundado mosteiro de Saint-Victor. Desde meados da década de 1120 até sua morte, ele foi o principal mestre da escola de São Vitor. Ele assinou atos oficiais em 1127, 1139, e novamente entre 1133 e 1140. Torna-se prior do mosteiro de São Vitor de 1133 até sua morte. Ele deixou a abadia apenas algumas poucas vezes, uma vez para visitar o tribunal papal do Papa Inocêncio II, ou na França ou na Itália.

Criado cardeal-bispo de Tusculum no consistório celebrado em dezembro de 1139.

Ele era o mais famoso dos teólogos antes de Tomás de Aquino. Em seu tempo, ele foi comparado com Santo Agostinho.

Obra

Seu tratado intitulado “Didascalicon” serviu como referência tanto aos estudantes como aos professores das recém-abertas escolas catedralícias da Europa medieval. O tratado divide e classifica, sistematicamente, as formas de conhecimento.

Nesta primeira grande obra teológica medieval ele foi o primeiro a escolher entre a grande variedade de ações rituais (bênçãos, sorte,exorcismos, etc), o que hoje chamamos sacramentos, como foi aumentado para Dogma pelo Igreja Católica com o Quarto Concílio de Latrão de 1215. Neste trabalho, ele também desenvolve a chave para entender as Escrituras distinguindo entre o significado literal (historia) e o profundo significado para além das linhas (alegoria).

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1120 – 1180

João de Salisbúria (Old Sarum, Salisbúria, Inglaterra, 1115-1120 — Chartres, França, 25 de Outubro de 1180) foi um dos mais brilhantes pensadores do seu tempo. Ao longo da sua vida desempenhou importantes cargos no seio da Igreja Católica. Foi também autor de importante pensamento político, registado em obras como Policraticus ou Metalogicon, assim como teorizador do ensino.

Nascido num contexto modesto, do qual pouco se conhece, inicia os seus estudos em Salisbúria. No ano de 1136, parte para França, onde estudou e contactou com algumas das principais personalidades do seu tempo. Entre outros, Pedro Abelardo e Guilherme de Conques. Em 1148, participa no Concílio de Reims, onde priva com Bernardo de Claraval. No mesmo ano, regressa a Inglaterra, onde virá a desempenhar as funções de secretário dos arcebispos de Cantuária Teobaldo de Bec (1150-1161) e do seu sucessor Tomás Becket (1161-1170). Em 1163, caindo em desfavor do monarca Henrique II de Inglaterra, parte para França. Em 1176, torna-se bispo de Chartres, cargo que ocupará até ao final dos seus dias.

Primeiros anos e educação

Estudou os primeiros anos em sua cidade natal, indo posteriormente para a Universidade de Paris (que na época se chamava École Cathédrale de Paris), onde teve aulas com Pedro Abelardo, continuando seus estudos de lógica sob a direção de Robert de Melun(1100-1167), e gramática orientado por Guillaume de Conches (1080-1150) em 1148.

Seus vívidos relatos dos professores e alunos lhe forneceram os mais preciosos fundamentos dos seus primeiros dias na Universidade de Paris. Com o afastamento de Pedro Abelardo, João continuou os seus estudos com Alberico de Rheims (1085-1141). Ricardo L’Evêque († 1181) , Bispo de Avranches e discípulo de Bernardo de Chartres (1130-1160), também foi seu professor de gramática. Os ensinos de Bernardo se distinguiam particularmente pela sua pronunciada tendência platônica, e também pela importância dedicada aos maiores escritores latinos. A influência dos clássicos latinos é perceptível em todas as obras de Salisbury.

Por volta de 1140 ele estava em Paris estudando teologia com Gilbert de la Porrée (1070-1154), depois com o teólogo e filósofo inglês Robertus Pullus (1080-1150) e finalmente assistiu aulas de teologia com Simon de Poissy (fl. 1125-1145). Em 1148 ele se hospedou na Abadia de Moutiers-la-Celle, na diocese de Troyes, com seu amigo Pierre de Celle(1115-1183) . No mesmo ano participou do Concílio de Rheims, presidido pelo Papa Eugênio III, e provavelmente foi apresentado por Bernard de Clairvaux (1090-1153) aTeobaldo de Bec (1090-1161), arcebispo de Canterbury, sob cujo patrocínio retornou para a Inglaterra por volta de 1153, tendo passado algum tempo em Roma como secretário do papa inglês Adriano IV, Nicholas Breakspear.

Secretário do Arcebispo de Canterbury

Nomeado secretário de Teobaldo de Bec, era frequentemente enviado em missões para a sede papal. Durante essa época ele compôs suas maiores obras, publicadas quase certamente em 1159, o Policraticus, sive de nugis curialium et de vestigiis philosophorum e o Metalogicon, escritos inestimáveis como fontes de informações relativas ao tema e forma da educação escolástica, e notáveis pelos estilos apresentados e tendência humanística. A ideia de contemporâneos em pé nos ombros dos gigantes que se tinha na Antiguidade aparece pela primeira vez nesta obra. O Policratus também derrama luz sobre a decadência dos modos da corte do século XII e a frouxa ética da realeza. Depois da morte de Teobaldo, em 1161, João continuou como secretário de Thomas Becket (1118-1170), e tomou parte ativa nas longas disputas entre o primaz e seu soberano, Henrique II, que considerava João agente papal.

Suas cartas lançam luz sobre a luta constitucional que abalava a Inglaterra. Em companhia de Becket, retirou-se para a França durante o período de descontentamento do rei; retornou com ele em 1170, e estava em Canterbury na época do assassinato de Becket. Nos anos seguintes, durante os quais ele continuou influente na situação de Canterbury, mas com data imprecisa, ele escreveu A Vida de Becket.

Bispo de Chartres

Em 1176 Salisbury se tornou Bispo de Chartres, onde passou o resto da sua vida. Em 1179 ele participou ativamente do Terceiro Concílio de Latrão. Ele morreu em Chartres (ou perto dessa cidade) no dia 25 de Outubro de 1180.

Erudição e influências

Os escritos de João de Salisbury são excelentes para esclarecer o estágio literário e científico da Europa Ocidental do século XII. Embora ele tivesse o domínio total da nova lógica e da retórica da arte do raciocínio adquirido na universidade, os pontos de vista de Salisbury apresentam uma inteligência cultivada e brilhantemente aquinhoada em assuntos práticos, opondo-se aos extremos tanto do nominalismo como do realismo considerando-os senso prático comum. A sua doutrina se constitui numa espécie de utilitarismo, com forte inclinação para o aspecto especulativo em relação ao cepticismo literário de Cícero, por quem ele tinha incontida admiração e em cujo estilo se espelhou para criar o seu próprio. A sua visão de que o objetivo da educação era moral, e não apenas intelectual, tornou-se uma das principais doutrinas educacionais da civilização ocidental, mas a sua influência será mais perceptível, não em seus contemporâneos imediatos, mas na visão de mundo do humanismo renascentista.

Dos escritores gregos, a princípio, parece não ter ele conhecido nada, e muito pouco nas traduções. O Timeu de Platão, em versão latina traduzida por Calcidius chegou ao seu conhecimento e dos seus contemporâneos e predecessores, e é provável que ele tenha tido acesso às traduções de Fédon e Menon. De Aristóteles ele possuía todo o Organon em latim; ele é, na verdade, o primeiro dos escritores medievais de renome a conhecê-la inteiramente.

Foi, ao lado de Hugo de São Vitor, Anselmo de Canterbury e Pedro Abelardo, um dos grandes responsáveis pela transformação ocorrida no século XII com relação ao modo como se encarava o conhecimento e a filosofia ao fim da Idade Média.

Obra

O essencial do seu pensamento encontra-se em Policraticus (1159), embora esta não esgote a sua produção intelectual. Composta ao longo de anos, encontra na política de Henrique II de Inglaterra a motivação para a terminar. Tece-a, como um aviso, procurando inspirar propósitos morais e transmitir ensinamentos éticos à política e sociedade de corte que acreditava estarem a subverter os fundamentos éticos e religiosos do reino. De forma geral, propõe uma ordem social que busque a coexistência pacífica dos poderes temporal e espiritual.

Policraticus

Composto em oito livros, João de Salisbúria concentra a sua reflexão política nos IV, V e VI livros. Estilisticamente, apresenta um carácter humanista, sobretudo pela convocação de fontes quer cristãs quer pagãs. Num contexto de centralização do poder das monarquias da Cristandade Ocidental, destacam-se as suas ideias de limitação do mesmo pela lei. A estas associa a metáfora orgânica do governo como um organismo vivo, na qual faz corresponder a cada parte do corpo humano os elementos da sociedade (pés-trabalhadores; mãos-combatentes; barriga-administração/fazenda; coração-conselho; cabeça-príncipe; alma-Igreja), procurando explicar a necessidade do correto funcionamento de cada um para a harmonia do todo. Outra das questões fulcrais é o tiranicídio, enquanto ferramenta para o restabelecimento da ordem sempre que esta seja deturpada por responsabilidade do monarca.

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1126 – 1198

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Abu al-Walid Muhammad ibn Ahmad ibn Muhammad ibn Rushd, em árabe أبو الوليد محمد بن احمد بن محمد بن احمد بن احمد بن رشد, (Córdoba, 1126 — Marraquexe, 1198) foi um filósofo, médico e polímata muçulmano andaluz conhecido pelo nome de Averróis, distorção latina do antropônimo árabe.

Membro de uma família de juristas, estudou Medicina e Filosofia. É um dos maiores conhecedores e comentaristas de Aristóteles. Aliás, o próprio Aristóteles foi redescoberto na Europa graças aos árabes, e os comentários de Averróis muito contribuíram para a recepção do pensamento aristotélico. Averróis também se ocupou com astronomia e direito canônico muçulmano.

Sua filosofia é um misto de aristotelismo com algumas nuanças platônicas. A influência aristotélica se revela em sua ideia da existência do mundo de modo independente de Deus (ambos são co-eternos) e de que também não existe providência divina. Já seu platonismo aparece em sua concepção de que a inteligência, fora dos seres, existe como unidade impessoal.

No âmbito religioso, sua interpretação do corão propõe que há verdades óbvias para o povo, místicas para o teólogo e científicas para o filósofo e estas podem estar em desacordo umas com as outras. Havendo o conflito, os textos devem ser interpretados alegoricamente. É daí que decorre a ideia que lhe é atribuída de que existem duas verdades, onde uma proposição pode ser teologicamente falsa e filosoficamente verdadeira e vice-versa.

Averróis, detalhe da pintura A Escola de Atenas de Rafael

Dentre suas várias obras, uma das mais célebres é a intitulada Destruição da destruição (em árabe Tahafut al-tahafut), também conhecida como Incoerência da incoerência, onde defende oneoplatonismo e o aristotelismo dos ataques de outro filósofo árabe: al-Ghazali, também conhecido como Algazali.

Seu pensamento provocou sérias discussões entre os cristãos latinos da Universidade de Paris. Como resultado, muitos aderiram à concepção de uma filosofia pura e independente da teologia cristã e formaram um grupo chamado de averroístas latinos.

Os averroístas aceitam, com Aristóteles, a concepção de Deus como motor imóvel que move eternamente um mundo eternamente existente não feito nem conhecido por ele. Esta tese da eternidade do mundo choca com as concepções cristãs. Postulam que a alma individual do homem é perecedora e corruptível; isto é, não é imortal. Finalmente, os averroístas defendem a teoria da dupla verdade: a teológica ou da fé e a filosófica ou da razão. Portanto, é verdade, de acordo com a fé, que a alma é imortal e o mundo é criado; mas também é verdade, de acordo com a razão, que a alma é corruptível e o mundo é eterno. Daqui se retirou, nos séculos XVIII e XIX, a defesa de uma total autonomia da razão perante a fé, que se opõe à tese agostiniana de que a verdade é única. As teses averroístas mais radicais foram condenadas pela Igreja Católica. Tomás de Aquino, tendo sido um seguidor de Averróis, opôs-se no entanto ao seu naturalismo exclusivamente racional. Ernest Renan, o célebre autor francês da Vida de Jesus, onde se nega toda e qualquer intervenção do sobrenatural, iniciou a sua carreira acadêmica escrevendo sobre Averróis e o Averroísmo.

Pela qualidade e pela amplitude da sua atividade como comentarista de Aristóteles é conhecido como «o Comentador». Escreveu diversas obras polêmicas e médicas, mas são os seus comentários os que exercem uma influência decisiva no Ocidente para a adoção do aristotelismo. Escreveu também um importante tratado médico (Generalidades).

Averróis teve o favor e a proteção dos califas da Espanha até que foi desterrado por al-Mansur, que considerou as opiniões do filósofo desrespeitosas e em desacordo com o Corão.

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1135 – 1204

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Moisés Maimônides (português brasileiro) ou Maimónides (português europeu) (em hebraico: רבי משה בן מיימון, Rabbi Moshe ben Maimon; em árabe الإسرائيلي [Mussa bin Maimun ibn Abdallah al-Kurtubi al-Israili], do grego Μωυσής Μαϊμονίδης [Moysēs Maimonídēs], “Moisés, filho de Maimon”; Córdoba, 30 de março de 1135 ou 1137/1138 — Egito, 13 de dezembro de 1204), também conhecido pelo acrônimo Rambam (הרמב”ם), foi um filósofo, religioso, codificador rabínico e médico.

Vida

Nascido em uma família judaica de Al-Andalus (a Península Ibérica sob domínio mouro), Rambam teve de fugir aos treze anos, devido à expulsão dos judeus que não haviam se convertido ao islamismo radical do Califado Almóada que haviam tomado Córdoba em 1148. Durante doze anos sua família vagou pelo sul da Península Ibérica até se estabelecer em Fez, Marrocos.

Rambam estudou Medicina e os estudos tradicionais judaicos com seu pai, juiz e erudito da jurisprudência legal judaica. Escreveu alguns de seus trabalhos durante os cinco anos que permaneceu em Fez. Após esse período, foi para Fostat (antiga capital doEgito) em 1168. Seu irmão Davi, comerciante, mantinha economicamente a família, e Maimon dedicava-se aos estudos. Após o trágico naufrágio que matou o seu irmão, passou a exercer medicina para sustentar a família. Já era então um importante membro da comunidade judaica local.

Em 1177 Maimônides era reconhecido como líder, e entre suas ocupações somavam-se a de juiz e administrador. Tornou-se médico e conselheiro do vizir al-Fadil, a quem Saladino deixou a cargo quando conquistou o Egito, tendo sua reputação ganho reconhecimento internacional. Comunidades judaicas de várias partes do mundo lhe escreviam em busca de sua opinião acerca da lei judaica.

Maimônides escreveu dez trabalhos de medicina em árabe e vários trabalhos de teor religioso, onde reflete sua visão filosófica sobre o judaísmo. É o codificador dos treze princípios fundamentais do judaísmo. Morreu em 1204 3 em Fostat (ou Cairo) e foi enterrado em Tiberíades em Israel. Sua grande popularidade lhe rendeu a frase elogiosa que diz: “De Moshê (o Legislador) até Moshê (ben Maimon) não há outro como Moshê”.

Os treze princípios do Judaísmo de Maimônides

Maimônides elaborou os Treze princípios do Judaísmo como um sumário de crenças judaicas em face do cristianismo e islã.

  1. Creio plenamente que Deus é o Criador e guia de todos os seres, ou seja, que só Ele fez, faz e fará tudo.
  2. Creio plenamente que o Criador é um e único; que não existe unidade de qualquer forma igual à d’Ele; e que somente Ele é nosso Deus, foi e será.
  3. Creio plenamente que o Criador é incorpóreo e que está isento de qualquer propriedade antropomórfica.
  4. Creio plenamente que o Criador foi o primeiro (nada existiu antes d’Ele) e que será o último (nada existirá depois d’Ele).
  5. Creio plenamente que o Criador é o único a quem é apropriado rezar, e que é proibido dirigir preces a qualquer outra entidade.
  6. Creio plenamente que todas as palavras dos profetas são verdadeiras.
  7. Creio plenamente que a profecia de Moshe Rabeinu (Moisés) é verídica, e que ele foi o pai dos profetas, tanto dos que o precederam como dos que o sucederam.
  8. Creio plenamente que toda a Torá que agora possuímos foi dada pelo Criador a Moshe Rabeinu.
  9. Creio plenamente que esta Torá não será modificada e nem haverá outra outorgada pelo Criador.
  10. Creio plenamente que o Criador conhece todos os atos e pensamentos dos seres humanos, eis que está escrito: “Ele forma os corações de todos e percebe todas as suas ações” (Tehilim 33:15).
  11. Creio plenamente que o Criador recompensa aqueles que cumprem os Seus mandamentos, e pune os que transgridem Suas leis.
  12. Creio plenamente na vinda do Mashiach (Messias) e, embora ele possa demorar, aguardo todos os dias a sua chegada.
  13. Creio plenamente que haverá a ressurreição dos mortos quando for a vontade do Criador.

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segunda 1/2 do século XII – 1207

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Amalrico de Bena (em francês: Amaury de Bène ou Amaury de Chartres; em latim: Almaricus, Amalricus, Amauricus; morto 1204-1207) foi um teólogo francês, cujos seguidores são chamados de amalricanos.

Biografia

Amalrico nasceu na segunda metade do século XII em Bennes, uma aldeia entre Ollé e Chauffours, na diocese de Chartres.

Ensinou Filosofia e Teologia na Universidade de Paris e gozava de grande reputação como um sutil dialético; suas palestras sobre a filosofia de Aristóteles atraíam um grande número de ouvintes. Em 1204, suas doutrinas foram condenadas pela universidade e, depois de um apelo pessoal para o Papa Inocêncio III, a sentença foi ratificada, Amalrico foi convocado a retornar a Paris e se retratar pelos seus erros.

Sua morte foi causada, diz-se, pela dor da humilhação a que tinha sido submetido. Em 1209, dez de seus seguidores foram queimados diante das portas de Paris, e até o próprio corpo de Amalrico foi exumado e queimado e as cinzas jogadas ao vento. As doutrinas de seus seguidores, conhecido como os amalricanos, foram formalmente condenadas pelo Quarto Concílio de Latrão em 1215.

Proposições

O Suplício dos Amalricanos, por Jean Fouquet, das Grandes Chroniques de France

(Paris, Biblioteca Nacional da França.)

Amalrico parece ter derivado seu sistema filosófico de Erígena, cujos princípios ele desenvolveu em uma forma unilateral e fortemente panteística.

Apenas três proposições que podem com certeza ser atribuídas a ele:

  1. de que Deus é tudo (omnia sunt deus) e, assim, todas as coisas são uma, porque o que quer que seja, é Deus (omnia unum, quia quidquid est, est Deus);
  2. de que cada cristão é obrigado a acreditar que ele é um membro do corpo de Cristo, e que essa crença é necessária para a salvação;
  3. de que quem permanece no amor de Deus não pode cometer nenhum pecado.

Por causa da primeira proposição, o próprio Deus é pensado como invisível e só é reconhecível na sua criação.

Estas três proposições foram desenvolvidas por seus seguidores, que sustentavam que Deus se revelou em uma revelação tríplice, a primeira no patriarca bíblico Abraão, sinalizando a época do Pai; a segunda em Jesus Cristo, que deu início à época do Filho; e a terceira em Amalrico e seus discípulos, que inaugurou a era do Espírito Santo.

Os amalricanos achavam que:

  • O Inferno é a ignorância, portanto, o Inferno está dentro de todos os homens, “como um dente ruim na boca”;
  • Deus é idêntico em tudo que existe, mesmo o mal pertence a Deus e prova a onipotência de Deus;
  • Um homem que sabe que Deus atua através de tudo não pode pecar, porque todo ato humano é, então, o ato de Deus;
  • Um homem que reconhece a verdade de que Deus age através de tudo já está no Céu e esta é a única ressurreição. Não há outra vida; a realização do homem está apenas nesta vida.

Devido às perseguições, esta seita parece não ter sobrevivido por muito tempo logo após à morte de seu fundador. Pouco tempo depois da queima de dez dos seus membros (1210), a seita perdeu sua importância, enquanto alguns dos sobreviventes amalricanos se tornaram Irmãos do Livre Espírito.

De acordo com Hosea Ballou, depois Pierre Batiffol (1911) e George T. Knight3 (1914) Amalrico acreditava que todas as pessoas acabariam por serem salvas e este foi um dos motivos pelo qual foi declarado herege pelo Papa Inocêncio III.

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1168 – 1253

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Robert Grosseteste natural de Stradbrooke no Condado de Suffolk,Inglaterra, (1168 – 9 de outubro de 1253), foi a figura central do importante movimento intelectual da primeira metade do século XIII na Inglaterra.
Tinha grande interesse no mundo natural e escreveu textos sobre som, astronomia, geometria e, especialmente, óptica. Primeiro estudioso a dominar as línguas grega e hebraica. Dava ênfase à matemática como ferramenta para estudar a natureza e defendia que experimentos deveriam ser usados para verificar as teorias a respeito da mesma.

Sua influência foi bastante significativa numa época em que o novo conhecimento da ciência e da filosofia gregas estava tendo um efeito profundo na filosofia cristã.

Também foi relevante o seu trabalho experimental, especialmente seus experimentos com espelhos e lentes. Seu mais renomado discípulo, Roger Bacon, herdou sua paixão pela experimentação. As pesquisas de ambos possibilitaram o início da confecção de óculos e futuramente seriam importantes no desenvolvimento de instrumentos como o telescópio e o microscópio.

Vida

Grosseteste estudou na Universidade de Oxford e tornou-se presidente dessa instituição em 1215, permanecendo no posto até cerca de 1221, quando saiu por motivo de saúde. Depois disso ele passou por uma série de posições eclesiásticas. De 1229 a 1235, ensinou teologia para os franciscanos.

Em 1235 tornou-se Bispo de Lincoln e permaneceu nesse cargo até sua morte,sendo enterrado na catedral de Lincon. Em 1244 é nomeado um dos doze pelo parlamento Europeu para fazer reformas e estipular regras para o Rei Henry III que gastava exageradamente.

Após a sua morte os bispos subsequentes, juntamente com a Universidade de Oxford, tentaram a sua canonização, principalmente o bispo Edward I.

Ciência

Robert Grosseteste em desenho do século XIV.

Grosseteste, o fundador da escola Franciscana de Oxford, foi o primeiro escolástico a entender plenamente a visão Aristotélica do caminho duplo para o pensamento científico: generalizar de observações particulares para uma lei universal; e depois fazer o caminho inverso: de leis universais para a previsão de situações particulares. Grosseteste chamou isso de método da resolução e composição.

Seu conhecimento dos textos de Aristóteles o estimulou a especular e escrever sobre a metodologia da pesquisa científica. Para ele, a ciência começava com a experiência dos fenômenos pelos homens, e a sua finalidade seria encontrar as causas para esses fenômenos. Pelo seu método, o primeiro passo era tentar descobrir as possíveis causas para os fenômenos vividos – os agentes causais -, o próximo passo seria separar o agente causal em seus princípios componentes. Depois, com base numa hipótese, o fenômeno observado deveria ser reconstruído a partir de seus princípios. Finalmente a própria hipótese deveria ser testada e validada, ou não, pela observação.

Esse procedimento continha a base essencial de toda a ciência experimental, sendo precursor do método científico. Esses pontos de vista são muito importantes, especialmente quando levamos em conta a grande influência que Grosseteste tinha como professor.

Obras

Estudo da difração da luz por uma lente esférica, 1250

Grosseteste inicialmente escreveu textos em latim e francês, inclusive o chamado Chasteua d’amour, poema alegórico sobre a criação do mundo e a redenção cristã, bem como vários outros poemas e textos sobre administração doméstica e etiqueta.

Ele também escreveu trabalhos teológicos, como o influente Hexaëmeron escrito em torno de 1230. Mas Grosseteste é conhecido como um pensador original principalmente pelos seus textos relacionados ao que hoje chamamos ciência e filosofia da ciência.

Entre 1220 e 1235 ele escreveu vários tratados científicos, como:

  • De sphera: texto longo sobre muitos temas.
  • De accessione et recessione maris: sobre as marés e o movimento das ondas.
  • De lineis, angulis et figuris: sobre lógica matemática aplicada às ciências naturais.
  • De iride: sobre o arco-íris.
  • Natura Locorum: Diagrama sobre a luz refratada através de esferas contendo água.
  • Tratado de Luce: Estudo sobre Luz.

Ele também escreveu comentários sobre a filosofia de Aristóteles, incluindo o primeiro comentário ocidental à Analytica Posteriora e um sobre a física aristotélica.

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1180 – 1245

Alexandre de Hales (Hales, Midlands Ocidentais, 1185 — Paris, 21 de agosto de 1245) (também HalensisAlensisHalesiusAlesius) também chamado de Doctor Irrefragabilis (pelo Papa Alexandre IV na bula pontifícia De Fontibus Paradisi) e Theologorum Monarcha, foi um filósofo e teólogo inglês, notável pensador importante na história da escolástica e da Escola franciscana.

Biografia

Alexandre nasceu em Hales (atual Halesowen, Midlands Ocidentais), Shropshire, Inglaterra entre 1180 e 1186. Veio de uma família rural bastante rica. Alexandre foi a Paris para estudar artes. Depois de ter estudado em Paris, se tornou um mestre das artes em algum momento antes de 1210. Mais tarde tornou-se cônego da Catedral de São Paulo em Londres, e em 1231 arcediago de Coventry. Aos cinquenta anos de idade (1236-1237), fez a mudança mais significativa da sua vida e entrou para a Ordem dos Frades Menores. Tornou-se o primeiro franciscano a ocupar uma cadeira na universidade. Alexandre morreu em Paris, França em 21 de agosto de 1245, mas antes disso renunciou a sua cadeira em favor de Jean de La Rochelle.

Em sendo o primeiro franciscano a manter um coro na Universidade de Paris, foi o mestre de muitos discípulos importantes, sendo o mais notável Boaventura de Bagnoregio. Boaventura se referia a Alexandre como seu “pai e mestre” e desejou “seguir os seus passos”. Entre outros discípulos estão: Richard Rufus da Cornualha e Jean de La Rochelle.

Obras

Alexandre é conhecido por refletir as obras de vários outros pensadores da Idade Média, especialmente as de Santo Anselmo e Santo Agostinho. É também conhecido por citar pensadores como São Bernardo e Ricardo de São Vítor. Difere daqueles em seu gênero como é conhecido por refletir seus próprios interesses e os da sua geração. Ao usar as palavras de suas referências Alexandre não só revê o seu raciocínio, mas também dá conclusões, desenvolve o tema, e oferece suas concordâncias e discordância sobre elas. Citava com frequência obras de Anselmo de Cantuária e Bernardo de Claraval, o que não era feito por outros escolásticos do século XII. Aristóteles é também bastante citado nas obras de Alexandre. Alexandre era fascinado pela hierarquia dos anjos pseudo-dionisiana e em como sua natureza pode ser entendida, dada metafísica aristotélica.

Entre as doutrinas que foram especialmente desenvolvidas e, por assim dizer, fixadas por Alexandre de Hales, estão a thesaurus supererogationis perfectorum (tesouro dos méritos superabundantes) e a character indelibilis (caráter sacramental) do batismo, crisma e ordenação. Esta doutrina foi escrita anteriormente por Agostinho de Hipona e acabou por ser definida como um dogma pelo Concílio de Trento. Ele também fez uma importante pergunta sobre a causa da Encarnação: teria Cristo encarnado se a humanidade nunca pecasse? A questão se tornou o ponto focal para uma questão filosófica (a teoria dos mundos possíveis) e um tema teológico (a distinção entre o poder absoluto de Deus (potentia absoluta) e Seu poder ordenado (potentia ordinata). John Gerson escreve: “A doutrina de Alexandre é de uma riqueza que ultrapassa toda expressão. Diz-se que alguém perguntou a Santo Tomás qual era a melhor maneira de estudar teologia; ele respondeu que era ligar-se a um mestre. E a qual doutor? foi-lhe perguntado novamente. A Alexandre de Hales, o Doutor Angélico, respondeu.”

Summa Universae Theologiae

Alexandre escreveu o resumo/comentário de quatro livros das Sentenças de Pedro Lombardo. Expôs a teologia trinitária dos gregos. Este foi o mais importante escrito que Alexandre reivindicou, e que foi o mais antigo no gênero. Embora seja comum para os estudiosos afirmar que Alexandre foi o primeiro a escrever um comentário sobre asSentenças, isto não é muito preciso. Houve uma série de “comentários” sobre as Sentenças, mas Alexandre parece ter sido o primeiro comentário magistral. Apesar de ter sido o escrito mais significativo de Alexandre, não foi concluído, portanto, deixando os historiadores com muitas dúvidas sobre a fiabilidade e qualidade do escrito. Isto foi levado em consideração quando a Summa foi examinada pelo padre Victorin Doucet em diferentes edições deles. As fontes já parecem ser o problema resultante da Summa, contou que havia 4.814 citações explícitas e 1.372 implícitas de Agostinho de Hipona, mais de um quarto dos textos foram citados no corpo da Summa.

Outras obras históricas

Entre suas obras Alexandre também influenciou Jean de la Rochelle a compor a Summa of Theologica.

Alexandre também influenciou e por vezes é confundido com Alexander Carpenter, latinizado como Fabricius (fl. 1429), que foi autor de Destructorium viciorum, uma obra popular religiosa dos séculos XV e XVI. Carpenter também foi autor de outras obras, como “Homiliae eruditae“.

Contribuição historiográfica

Foi dito ter sido Alexandre um dos primeiros escolásticos a se engajar nos recém-traduzidos escritos de Aristóteles (Metafísica). Isto foi muito importante para os ideais do pensamento escolástico. Ele também conduziu a escolástica em uma direção mais sistemática com suas decisões momentâneas do uso das Sentenças como o livro básico para o tratamento de toda a teologia. Parece também parece ser o primeiro teólogo a utilizar mais do que por mero acaso conceitos extraídos da Metafísica de Aristóteles.

Uma escolástica medieval

Ao fazer isso, elevou o trabalho de Pedro Lombardo de um importante recurso teológico para um texto oficial do qual os mestres podiam ensinar. O comentário (ou mais corretamente intitulado um verniz) sobreviveu em relatos dos alunos dos ensinamentos de Alexandre na sala de aula e por isso, oferece uma visão importante para os teólogos como ensinava a sua disciplina na década de 1220.

Para seus contemporâneos, porém, a fama de Alexandre foi o seu interesse inesgotável pelo debate. Seus debates, antes de tornar-se um franciscano, somam mais de 1.600 páginas em sua edição moderna. Suas perguntas realizadas após 1236 ainda permanecem inéditas. Alexandre foi também um dos primeiros escolásticos a participar do Quodlibetal, um evento universitário no qual um mestre tinha de responder a qualquer pergunta feita por qualquer aluno ou mestre durante um período de três dias. O Quodlibet de Alexandre também permanece inédito. É devido a este questionamento que se tornou conhecido como o ‘Doctor irrefragabilis’.

Teólogo

Quando se tornou franciscano e, assim, criou uma escola formal franciscana de teologia em Paris, ficou logo claro que seus alunos não tinham algumas das ferramentas básicas para a disciplina. Alexandre então deu início a uma Summa theologiae que agora é conhecida como a Summa fratris Alexandri. Alexandre utilizou como fonte, principalmente, os seus próprios debates, mas também selecionou ideias, argumentos e fontes de seus contemporâneos. Trata, na sua primeira parte, das doutrinas de Deus e seus atributos; na segunda, da criação e do pecado, na terceira, da redenção e da expiação, e, na quarta e última, dos sacramentos. Este enorme texto, que Roger Bacon viria mais tarde descrever sarcasticamente como tão pesado quanto um cavalo, ficou inacabado em decorrência de sua morte. Seus alunos, Guilherme de Middleton e João de Rupella, ficaram encarregados da sua conclusão. Certamente foi lido pelos franciscanos em Paris, incluindo Boaventura. Boaventura certa vez se referiu a Alexandre como “nosso pai e mestre” (noster pater et magister), mas é improvável que o Doutor Seráfico tenha sido aluno de Alexandre.

Alexandre foi um teólogo inovador. Fez parte da geração que primeiro debateu os escritos de Aristóteles. Embora houvesse uma proibição de utilização das obras de Aristóteles como textos de ensino, teólogos como Alexandre continuaram a explorar suas ideias em sua teologia. Duas outras fontes incomuns foram promovidos por Alexandre: Anselmo de Cantuária, cujas obras foram ignoradas por quase um século ganharam um importante defensor em Alexandre que utilizou as obras de Anselmo extensivamente em seu ensinamento sobre cristologia e soteriologia; e, o Pseudo-Dionísio, o Areopagita, que Alexandre usou no seu exame da teologia das Ordens e estruturas eclesiásticas.

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1196 – 1280

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Albrecht von Bollstädt (latim: Albertus Magnus), conhecido como santo Alberto Magno ou Alberto de Colônia, foi um frade dominicano, filósofo, teólogo, naturalista, químico e alquimista germânico. Professor renomado no século XIII, foi mestre de Tomás de Aquino.

Bispo de Regensburgo e Doutor da Igreja, tornou-se famoso por seu vasto conhecimento e por sua defesa da coexistência pacífica da ciência e da religião. É considerado o maior filósofo e teólogo alemão da Idade Média e foi o primeiro intelectual medieval a aplicar a filosofia de Aristóteles no pensamento cristão.

Adorava a filosofia de São Tomás de Aquino, era seguidor crescente dele e juntos eram irmãos. Alguns historiadores, ainda, diziam que eram irmãos gêmeos, o que ainda não se sabe confirmar, aliás, nasceram do mesmo pai. Nasceu na Baviera, possivelmente no ano de 1193 ou 1206, numa família militar que desejava para ele uma carreira militar ou administrativa. Mas, após concluir os seus estudos em Pádua e em Paris, optou por seguir o sacerdócio, entrando na Ordem de São Domingos. Devido à sua crescente fé em Deus e em Jesus Cristo e à sua dedicação à Ordem, foi promovido a superior provincial e mais tarde, nomeado Bispo pelo Papa.

Monumento a Alberto Magno, em Colônia.

Alberto dominava bem a Filosofia e a Teologia, matérias em que teve Tomás de Aquino como discípulo, e mostrou também grande interesse pelas ciências naturais, ao ponto de dispensar o episcopado, com a autorização papal, para prosseguir os seus estudos com tranquilidade. Ocupou-se de várias áreas de conhecimento – mecânica, zoologia, botânica,meteorologia, agricultura, física, química, tecelagem, navegação e mineralogia – inserindo esses conhecimentos na sua busca da santidade e do equilíbrio entre fé e razão, afirmando que sua intenção última era conhecer a ciência de Deus. Sua obra escrita está contida em 22 grossos volumes.

Morreu em Colónia, no ano de 1280, proclamado Doutor da Igreja e patrono dos cultores das ciências naturais.

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1215 – 1277

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João XXI nascido Pedro Julião mais conhecido como Pedro Hispano , (Lisboa, 1215  — Viterbo, 20 de maio de 1277) foi papa entre 20 de setembro de 1276, até à data da sua morte, tendo sido também um famoso médico, filósofo, professor e matemático português do século XIII.

Alguns autores indicam como data de nascimento o ano de 1205, outros que foi antes de 1210, possivelmente em 1205 ou 1207 e outros ainda entre 1210 e 1220.

História pessoal

Pedro Julião, ou Pedro Hispano, nasce em Lisboa, no então Reino de Portugal, em data não conhecida, mas seguramente antes de 1226, filho de Julião Rebelo, médico, cuja profissão segue, e de Teresa Gil (embora Luís Ribeiro Soares defenda que possa ter sido filho do chanceler de D. Sancho I, Mestre Julião Pais).

Começou os seus estudos na escola episcopal da catedral de Lisboa, tendo mais tarde estudado na Universidade de Paris (alguns historiadores afirmam que terá sido na Universidade de Montpellier) com mestres notáveis, como São Alberto Magno, e tendo por condiscípulos São Tomás de Aquino e São Boaventura, grandes nomes do cristianismo. Lá estuda medicina e teologia, dedicando especial atenção a palestras de dialética, lógica e sobretudo a física e metafísica de Aristóteles.

Entre 1246 e 1252 ensinou medicina na Universidade de Siena, onde escreveu algumas obras, de entre as quais se destaca o Tratado Summulæ Logicales que foi o manual de referência sobre lógica aristotélica durante mais de trezentos anos, nas universidades europeias, com 260 edições em toda a Europa, traduzido para grego e hebraico.

Prova da sua vastíssima cultura científica encontra-se na obra De oculo, um tratado de Oftalmologia, que conhece ampla difusão nas universidades europeias. Quando Miguel Ângelo adoece gravemente dos olhos, devido ao árduo labor consumido na decoração da Capela Sistina, encontra remédio numa receita de Pedro Julião. De sua autoria, o ‘Thesaurus Pauperum’ (Tesouro dos pobres), em que trata de várias doenças e suas curas, com cerca de uma centena de edições e traduzido para 12 línguas.

Já no domínio da Teologia, é autor de Comentários ao pseudo-Dionísio e Scientia libri de anima. Encontra-se por publicar a obra De tuenda valetudine, manuscrita em Paris, dedicada a Branca de Castela, esposa do rei Luís VIII de França, filha de Afonso IX de Castela.

Antes de 1261, ano em que é eleito decano da Sé de Lisboa, Pedro Julião ingressa no sacerdócio. O rei Afonso III de Portugal confia-lhe o priorado da Igreja de Santo André (Mafra) em 1263, posto o que é elevado a cónego e deão da Sé de Lisboa, Tesoureiro-mor na Sé do Porto e Dom Prior na Colegiada Real de Santa Maria de Guimarães.

Bispo e Cardeal de Braga

Após a morte de Dom Martinho Geraldes, Pedro Julião é nomeado Arcebispo de Braga pelo Papa Gregório X, em 1273. Um ano depois, participa no XIV Concílio Ecuménico de Lião, altura em que Gregório X o eleva a Cardeal-bispo com o título de Tusculum-Frascati, da Diocese suburbicária de Frascati, o que permite ao pontífice poder contar com os serviços médicos do sábio português. Regressa ao Arcebispado de Braga, até ser nomeado o sucessor, Dom Sancho. De volta à corte pontifícia, Gregório X nomeia-o seu médico principal (arquiathros) em 1275.

A eleição de Pedro Julião, em conclave realizado em Viterbo, após a morte do Papa Adriano V, a 18 de agosto de 1276, decorre num período muito perturbado por tensões políticas e religiosas e com alguns cardeais a sofrer violências físicas. É eleito Papa a 13 de setembro e coroado a 20 de setembro de 1276, e adota o nome de João XXI.

Pontificado

Brasão de armas do Papa João XXI.

João XXI irá marcar o seu breve pontificado (de pouco mais de 8 meses) pela fidelidade ao XIV Concílio Ecumênico de Lião. Apressa-se a mandar castigar, em tribunal criado para o efeito, os que haviam molestado os cardeais presentes no conclave que o elegera.

Embora sem grande sucesso, leva por diante a missão encetada por Gregório X de reunir a Igreja Grega à Igreja do Ocidente. Esforça-se por libertar a Terra Santa em poder dos turcos.

Tenta reconciliar grandes nações europeias, como França, Germânia e Castela, dentro do espírito da unidade cristã. Neste sentido, envia legados a Rodolfo de Habsburgo e a Carlos de Anjou, sem sucesso.

Pontífice dotado de rara simplicidade, recebe em audiência tanto os ricos como os pobres. Dante Alighieri, poeta italiano (1265-1321), na sua famosa ‘Divina Comédia’, coloca a alma de João XXI no Paraíso, entre as almas que rodeiam a alma de São Boaventura, apelidando-o de “aquele que brilha em doze livros”, menção clara a doze tratados escritos pelo erudito pontífice português. O rei Afonso X de Leão e Castela, o Sábio, avô de Dom Dinis de Portugal, elogia-o em forma de canção no “Paraíso”, canto XII. Mecenas de artistas e estudantes, é tido na sua época por ‘egrégio varão de letras’, ‘grande filósofo’, ‘clérigo universal’ e ‘completo cientista físico e naturalista’.

Mais dado ao estudo que às tarefas pontifícias, João XXI delega no Cardeal Orsini, o futuro Papa Nicolau III, os assuntos correntes da Sé Apostólica. Ao sentir-se doente, retira-se para a cidade de Viterbo, onde morre a 20 de maio de 1277, vitimado pelo desmoronamento das paredes do seu aposento, estando o palácio apostólico em obras. É sepultado junto do altar-mor da Catedral de São Lourenço, naquela cidade. No século XVI, durante os trabalhos de reconstrução do templo, os seus restos mortais são trasladados para modesto e ignorado túmulo, mas nem aqui encontraram repouso definitivo. Através do contributo da Câmara Municipal de Lisboa, por João Soares então seu presidente, o mausoléu é colocado, a título definitivo, ao lado do Evangelho de Catedral de Viterbo, a 28 de março de 2000.

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1214 – 1294

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Roger Bacon ou Rogério Bacon OFM, (Ilchester, Somerset, 1214 — Oxford, 1294), também conhecido como Doctor Mirabilis (Doutor Admirável em latim), foi um dos mais famosos frades de seu tempo.

Vida e obra

Ele foi um filósofo inglês que deu bastante ênfase ao empirismo e ao uso da matemática no estudo da natureza. Estudou nas universidades de Oxford e Paris. Contribuiu em áreas importantes como a Mecânica, a Filosofia, a Geografia e principalmente a Óptica.

Bacon viveu um período de forte atividade intelectual e proliferação de universidades através da Europa.

Por volta de 1240 ingressou para a Ordem dos Franciscanos, onde, fortemente influenciado por Robert Grosseteste, dedicou-se a estudos nos quais introduziu a observação da natureza e a experimentação como fundamentos do conhecimento natural. Roger Bacon vai um passo além de seu tutor e descreve o método científico como um ciclo repetido de observação, hipótese, experimentação e necessidade de verificação independente. Ele registrava a forma em que conduzia seus experimentos em detalhes precisos a fim de que outros pudessem reproduzir seus experimentos e testar os resultados – essa possibilidade de verificação independente é parte fundamental do método científico contemporâneo.

Estudo sobre óptica.

Seus avanços nos estudos da Óptica possibilitaram a invenção dos óculos e seriam em breve imprescindíveis para a invenção de instrumentos como o telescópio e o microscópio.

Ele propagou o conceito de “leis da natureza”, fato importante num período do século XIII em que estavam ocorrendo constantes modificações no pensamento filosófico e na filosofia da natureza. “Seus escritos, na verdade, mostram as virtudes e não os vícios da escolástica – a mistura do dogma religioso com a filosofia, que era a marca registrada do pensamento da intelectualidade ocidental entre os séculos IX e XV.” (Ronan, Colin A. História Ilustrada da Ciência, volume 2. Universidade de Cambridge. pp. 142 e 143).

Em 1277, proposições relacionadas à astrologia de Bacon foram condenadas por Tempier, bispo de Paris. Por sua vez, Bacon promoveu uma defesa de seus pontos de vista publicando a obra Speculum astronomiae.

Trabalho alquímico

Roger Bacon também se destacou pelo seu trabalho de alquimia. Seus experimentos deram origem a lendas sobre suas façanhas, como por exemplo dele ter construído uma cabeça mecânica de bronze que era capaz de prever o futuro. Uma famosa citação dele era a que ele comparava o trabalho alquímico com uma horta: mesmo se colhesse o que não pretendia, ter-se-ia cultivado e melhorado a colheita. Descobrira a pólvora, era capaz de acender uma vela com uma lente e seus estudos contribuíram para o desenvolvimento de um telescópio primitivo, que mais tarde seria criado por Galileu.

Na obra “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco, é feita menção a Roger Bacon. Segundo o autor, ele seria fonte de inspiração para o franciscano Guilherme de Baskerville, personagem central daquela obra. Assim como Bacon, frei Guilherme é um monge excêntrico e com conhecimento avançado para a época.

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1225 – 1274

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Tomás de Aquino (Roccasecca, 1225 — Fossanova, 7 de março 1274) foi um padre dominicano, filósofo, teólogo, distinto expoente da escolástica, proclamado santo e Doutor da Igreja cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica.

Biografia

Tomás de Aquino nasceu em Aquino por volta de 1225, de acordo com alguns autores no castelo do pai Conde Landulf de Aquino, localizado em Roccasecca, no mesmo Condado de Aquino (Reino da Sicília, no atual Lácio). Por parte de sua mãe, a condessa Teodora de Theate, Tomás era ligado à dinastia Hohenstaufen do Sacro Império Romano-Germânico. O irmão de Landulf, Sinibald, era abade da original abadia beneditina em Monte Cassino. Enquanto os demais filhos da família seguiram uma carreira militar, a família pretendida que Tomás seguisse seu tio na abadia. Esse era o caminho normal para a carreira do filho mais novo de uma família da nobreza sulista italiana.

Aos cinco anos, Tomás começou sua instrução inicial em Monte Cassino, mas depois do conflito militar que ocorreu entre o imperador Frederico II e o papa Gregório IX na abadia, no início de 1239, Landulf e Teodora matricularam Tomás na studium generale(universidade), que havia sido criada recentemente por Frederico II em Nápoles. Foi lá que Tomás provavelmente foi introduzido nas obras de Aristóteles, Averróis e Maimônides, todos que influenciariam sua filosofia teológica. Foi igualmente durante seus estudos em Nápoles que Tomás sofreu a influência de João de São Juliano, um pregador dominicano em Nápoles que fazia parte do esforço ativo intentado pela ordem dominicana para recrutar seguidores devotos. Nesta época seu professor de aritmética, geometria, astronomia e música era Pedro de Ibérnia. Aos 19 anos, contra a vontade da família, entrou na ordem fundada por Domingos de Gusmão. Estudou filosofia em Nápoles e depois em Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de questões filosóficas e teológicas. Estudou teologia em Colônia e, em Paris, tornou-se discípulo de Santo Alberto Magno, que o “descobriu” e se impressionou com a sua inteligência. Por esse tempo foi apelidado de “boi mudo”. Dele disse Santo Alberto Magno: “Quando este boi mugir, o mundo inteiro ouvirá o seu mugido.”

Foi mestre na Universidade de Paris, no reinado de Luís IX.

Filosofia

Seu maior mérito foi a síntese do cristianismo com a visão aristotélica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendo redescoberto na Idade Média, na Escolástica anterior, compaginou um e outro, de forma a obter uma sólida base filosófica para a teologia e retificando o materialismo de Aristóteles. Em suas duas summae, sistematizou o conhecimento teológico e filosófico de sua época: a Summa theologiae e a Summa contra gentiles. A partir dele, a Igreja tem uma Teologia (fundada na revelação) e uma Filosofia(baseada no exercício da razão humana) que se fundem numa síntese definitiva: fé e razão, unidas em sua orientação comum rumo a Deus. Sustentou que a filosofia não pode ser substituída pela teologia e que ambas não se opõem. Afirmou que não pode haver contradição entre fé e razão. Explica que toda a criação é boa, tudo o que existe é bom, por participar do ser de Deus, o mal é a ausência de uma perfeição devida e a essência do mal é a privação ou ausência do bem. Além da sua Teologia e da Filosofia, desenvolveu também uma teoria do conhecimento e uma Antropologia, deixou também escrito conselhos políticos: Do governo do Príncipe, ao rei de Chipre, que se contrapõe, do ponto de vista da ética, ao O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Com o uso da razão é possível demonstrar a existência de Deus, para isto propõe as cinco vias de demonstração:

  • Primeira via — Primeiro Motor Imóvel: tudo que se move é movido por algo ou alguém. É impossível uma cadeia infinita de motores acionando os movidos, pois cada qual precisaria de um anterior que o impulsionasse, numa sequência regressiva sem fim, e nunca se chegaria ao movimento atual. Logo, é preciso que haja um primeiro ser que tenha dado início ao movimento existente e que não tenha sido ele próprio movido por ninguém. Este ser é Deus.
  • Segunda via — Causa Primeira: decorre da relação de causa e efeito que se observa nas coisas criadas. Todo efeito requer uma causa. E é necessário que haja uma causa primeira que não tenha sido provocada por algo anterior. Sem ela não haveria nenhum efeito, pois cada causa pediria outra, numa sequência infinita. Deus é a causa primeira de todas as coisas.
  • Terceira via — Ser Necessário: há seres que podem ser ou não ser. Os seres que têm possibilidade de existir ou não existir são chamados entes contingentes. Se todos os entes que vemos na natureza têm a possibilidade de não ser, houve tempo em que nenhum deles de fato existiu. Mas se nada existiu, nada poderia existir hoje, pois o que não existe não pode passar a existir por si mesmo. O que é evidentemente falso, visto que as coisas contingentes agora existem. Algum ser primordial deve necessariamente existir para depois dar origem aos entes contingentes. Se a existência dessa entidade dependesse da existência prévia de outra, formar-se-ia uma série infinita de seres ancestrais, o que já vimos que é impossível. Portanto, tudo é contingente. Só Deus é necessário.
  • Quarta via — Ser Perfeito: verifica-se que há graus de perfeição nos seres — uns são melhores, mais nobres, mais verdadeiros ou mais belos que outros. Qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo. Ora, aquilo que é máximo em qualquer gênero é a causa de tudo o que há nesse gênero. Por exemplo, o fogo que tem o máximo calor traz em si todos os graus de quentura, conforme Aristóteles. Logo, deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que seja a causa da perfeição dos demais seres. Deus é o ser perfeito.
  • Quinta via — Inteligência Ordenadora: há uma ordem no universo que é facilmente verificada. Ora, toda ordem é fruto de uma inteligência. Não se chega à ordem pelo acaso, nem pelo caos. Por exemplo, uma flecha não pode buscar o alvo por si mesma. Ela tem que ser direcionada pelo arqueiro (ou ainda: a existência do relógio é a prova da existência do relojoeiro). Logo, tem que haver um ser inteligente que ordenou o universo. Deus é a inteligência suprema.

A verdade

“A verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência”. Tomás de Aquino concluiu que a descoberta da verdade ia além do que é visível. Antigos filósofos acreditavam que era verdade somente o que poderia ser visto. Aquino já questiona que a verdade era todas as coisas porque todas são reais, visíveis ou invisíveis, exemplificando: uma pedra que está no fundo do oceano não deixa de ser uma pedra real e verdadeira só porque não pode ser vista. Aquino concorda e aprimora Agostinho de Hipona quando diz que “A verdade é o meio pelo qual se manifesta aquilo que é”. A verdade está nas coisas e no intelecto e ambas convergem junto com o ser. O “não-ser” não pode ser verdade até o intelecto o tornar conhecida, ou seja, isso é apreendido através da razão. Aquino chega a conclusão que só se pode conhecer a verdade se você conhece o que é o ser.

A verdade é uma virtude como diz Aristóteles, porém o bem é posterior a verdade. Isso porque a verdade está mais próximo do ser, mais intimamente e o que o sujeito ser do bem depende do intelecto, “racionalmente a verdade é anterior”.

Exemplificando: o intelecto apreende o ser em si; depois, a definição do ser, por último a apetência do ser. Ou seja, primeiramente a noção do ser; depois, a construção da verdade, por fim, o bem.

Sobre a eternidade da verdade ele, Tomás, discorda em partes com Agostinho. Para Agostinho a verdade é definitiva. Imutável. Já para Aquino, a verdade é a consequência de fatos causados no passado. Então na supressão desses fatos à verdade deixa de existir. O exemplo que Tomás de Aquino traz é o seguinte: A frase “Sócrates está sentado” é a verdade. Seja por uma matéria, uma observação ou analise, mas ele está sentado. Ao se levantar, ficando de pé, ele deixa de estar sentado. Alterando a verdade para a segunda opção, mudando a primeira. Contudo, ambos concordam que na verdade divina a verdade por não ter sido criada, já que Deus sempre existiu, não pode ser desfeita no passado e então é imutável.

Direito e Lei

O Direito para Tomás de Aquino visa estabelecer de maneira plena a Justiça, a busca por ela, que em contraponto se interessa em estudar o direito. Todavia o que é justo por natureza não pode estar contido plenamente no direito. Segundo o filósofo deveríamos nos basear no princípio: Dar a cada um, o que é seu por direito, ou seja, vontade perpétua e constante de dar a cada um, o que lhe pertence, pois as pessoas não são materialmente iguais. A igualdade é uma relação entre pessoas e não entre pessoas e coisas. A Sentença de um juiz é como uma lei particular aplicada a um fato particular, e apenas o Juiz tem a competência para decidir aplicando a justiça ( julgamento), ato por qual se estabelece o que é justo ou direito, na medida e nos limites do seu poder .O ato de julgar é ilícito àqueles que não possuem poder para tanto. Esse processo foi denominado Regime de leis, onde o julgamento deve ser produzido de acordo com a reta razão (prudência). Esse regime de leis julgava entre outras coisas: A propriedade, como regular, o Matrimônio, como um direito natural, a Legítima defesa, como uma força proporcional a ser utilizada para repelir uma injustiça ou agressão, o estado de necessidade, como um delito de menor gravidade. A prisão, pena de morte e a amputação, não contrariavam o direito natural mais eram utilizadas na proporção devida, além de propor que o Advogado não deveria atuar em causas injustas, pois aquele que comete um delito deve ser punido.

Tipos de leis:

  • Lei eterna: imutável, onde os deuses eram responsáveis por tudo.
  • Lei natural: preenche o divino, existe da natureza, e sua força está em si mesma.
  • Lei das gentes: lei racional, deriva das leis racionais; só os homens tinham direito sobre ela.
  • Lei humana: convenção corrente com a lei natural; deve apresentar uma justiça legal, usando do bem comum para proteger o bem particular e podendo ser executada por força coercitiva.

Ética de Tomás de Aquino

Segundo Tomás de Aquino, a ética consiste em agir de acordo com a natureza racional. Todo o homem é dotado de livre-arbítrio, orientado pela consciência e tem uma capacidade inata de captar, intuitivamente, os ditames da ordem moral. O primeiro postulado da ordem moral é: faz o bem e evita o mal( facere bonum opus et vitare malum).

São Tomás de Aquino descreve a sua ética baseada na razão proveniente de Deus. O santo Afirma que o Homem tem uma finalidade e consciência de seu fim. Isso mostra que é dotado do dom da razão e que unida à espiritualidade inata, o coloca no âmbito moral. Ele diz que, existe no Ser Humano uma tendência racional, elevando-o e que a vontade Humana tende ao bem Universal, ou seja, a Deus. Ao afirmar a sua ética, Santo Tomás diz que a vontade Humana é livre e, que pode escolher conforme afirmara o Santo Bispo Agostinho. Porém, bom para Santo Tomás, é aquilo que não contraria a razão, sendo esta por sua vez, proveniente e Dom de Deus. Também é dito por Santo Tomás que a virtude, ou seja, aquilo que é de acordo com a lei, é a inclinação para o bem.

Pensamento

Partindo de um conceito aristotélico, Aquino desenvolveu uma concepção hilemórfica do ser humano, definindo o ser humano como uma unidade formada por dois elementos distintos: a matéria primeira (potencialidade) e a forma substancial (o princípio realizador). Esses dois princípios se unem na realidade do corpo e da alma no ser humano. Ninguém pode existir na ausência desses dois elementos. A concepção hilemórfica é coerente com a crença segundo a qual Jesus Cristo, como salvador de toda a humanidade, é ao mesmo tempo plenamente humano e plenamente divino. Seu poder salvador está diretamente relacionado com a unidade, no homem ou na mulher, do corpo e da alma. Para Aquino, o conceito hilemórfico do homem implica a hominização posterior, que ele professava firmemente. Uma vez que corpo e alma se unem para formar um ser humano, não pode existir alma humana em corpo que ainda não é plenamente humano. O feto em desenvolvimento não tem a forma substancial da pessoa humana. Tomás de Aquino aceitou a ideia aristotélica de que primeiro o feto é dotado de uma alma vegetativa, depois, de uma alma animal, em seguida, quando o corpo já se desenvolveu, de uma alma racional. Cada uma dessas “almas” é integrada à alma que a sucede até que ocorra, enfim, a união definitiva alma-corpo. Conforme as próprias palavras de Aquino:

Em latim: “Anima igitur vegetabilis, quae primo inest, cum embryo vivit vita plantae, corrumpitur, et succedit anima perfectior, quae est nutritiva et sensitiva simul, et tunc embryo vivit vita animalis; hac autem corrupta, succedit anima rationalis ab extrinseco immissa (…) cum anima uniatur corpori ut forma, non unitur nisi corpori cuius est proprie actus. Est autem anima actus corporis organici”.

Em português: “A alma vegetativa, que vem primeiro, quando o embrião vive como uma planta, corrompe-se e é sucedida por uma alma mais perfeita, que é ao mesmo tempo nutritiva e sensitiva, quando o embrião vive uma vida animal; quando ela se corrompe, é sucedida pela alma racional induzida do exterior (…) Já que a alma se une ao corpo como sua forma, ela não se une a um corpo que não seja aquele do qual ela é propriamente o ato. A alma é agora o ato de um corpo orgânico”.

Não obstante a sua crença na animação tardia e infusão da alma, Tomás de Aquino também ensinava que a prática do aborto era errada já desde o momento da concepção. Ele acreditava que esta prática seria pecado mortal pela manifestação de uma vontade homicida, mesmo que, como ele pensava, o homicídio não fosse realmente cometido nos primeiros estágios da gravidez.

Mas por que Tomás de Aquino acreditava que a infusão da alma ocorria só algum tempo após a concepção? Porque ele aceitava a ciência de seus dias, que ensinava a teoria da geração espontânea da vida (a ideia de que a vida brota espontaneamente a partir da matéria não-viva). Aplicada à reprodução humana, esta teoria sugeria que (aparentemente) os elementos não-vivos de contribuição de cada genitor — “matéria fetal” no caso da mãe e fluído seminal no caso do pai — eram sucessivamente transformados de matéria não-viva em vida vegetativa, vida animal, e finalmente em vida humana.

Como os primeiros cientistas não observavam nada distintamente humano nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário (eles nada conheciam de genética, nem possuíam microscópios), concluíam que não havia alma humana presente. Mas a biologia moderna tem demonstrado que o “concepto” possui traços distintivamente humanos. Ele está vivo e tem um código genético humano para guiar seu crescimento e desenvolvimento. Se Tomás de Aquino tivesse acesso a esses dados, seria levado a concluir que a infusão da alma se dava no momento da concepção.

Tomás de Aquino por Dante Alighieri

Tomás de Aquino sou; está-me vizinho / À destra de Colônia o grande Alberto / A quem de aluno e irmão devo o carinho. // Se do mais todos ser desejas certo, / Na santa c´roa atenta cuidadoso, / A tua vista a voz me siga perto. (Dante Alighieri, A Divina Comédia, Canto X, 97 – 102).

Cronologia

  • 1225 – Tomás de Aquino nasce no castelo de Roccasecca.
  • 1226 – Morte de Francisco de Assis.
  • 1230 – Tomás inicia seus estudos na Abadia de Montecassino.
  • 1240 – Alberto magno começa a ensinar em Paris e a comentar Aristóteles.
  • 1241 – Morte do papa Gregório IX
  • 1244 – Fundação da Universidade de Roma. Tomás entra para a Ordem dos Dominicanos.
  • 1245 – Estuda em Paris até 1248, sob a orientação de Alberto Magno.
  • 1248 – Alberto Magno funda, em Colônia, uma faculdade de teologia. Tomás continua seus estudos em Colônia até 1259.
  • 1252 – Leciona em Paris até 1259.
  • 1257 – Robert de Sorbon funda um colégio na Universidade de Paris.
  • 1259 – Escreve o Comentário sobre as sentenças e a Suma contra os gentios. Leciona na Itália, até 1268, em Agnani, Orvieto, Roma e Viterbo.
  • 1261 – Início do pontificado de Urbano IV.
  • 1265 – Clemente IV ascende ao trono papal. Nasce Dante Alighieri. Tomás redige a Suma Teológica, até 1273.
  • 1266 – (?) Nasce Duns Scot.
  • 1268 – Morte de Clemente IV. Interregno pontifical.
  • 1269 – Ensina em Paris até 1272.
  • 1270 – Escreve a obra A Unidade do Intelecto contra os Averroistas.
  • 1271 – Eleição de Gregório X.
  • 1274 – Tomás falece a 7 de março, em Fossanova.
  • 1323 – É canonizado pelo papa João XXII.

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séc. XIII

Pedro de Maricourt, também citado como Pierre Pèlerin de Maricourt (fr), Peter Peregrinus (en) e Petrus Peregrinus de Maharncuria (la), foi um estudioso francês do século 13 que realizou experimentos sobre magnetismo e escreveu o primeiro tratado existente sobre as propriedades dos ímãs. Seu trabalho se destaca ainda pela primeira descrição detalhada de uma bússola.

Datado de 8 de agosto de 1269, Pedro escreveu um trabalho chamado Epistola Petri Peregrini de Maricourt ad Sygerum de Foucaucourt, militem, de magnete (Carta sobre o Magneto de Pedro Peregrino de Maricourt para Sygerus de Foucaucourt, Militar), chamada simplesmente Epístola do Magneto. As experiências e instrumentos apresentados na carta aparentemente datam de vinte anos antes, como mostram referências em vários trabalhos de Roger Bacon.

A carta é endereçada a Suggerius (Syger, Sygerius), cavalheiro de Foucaucourt, amigo e vizinho do autor. As vilas de Marincout e Foucaucourt estão situadas no departamento do Somme, perto de Péronne.

A Epístola do Magneto

A carta de Pedro de Marincourt explica como identificar os pólos de uma bússola. Também descreve as leis da atração e repulsa magnética, bem como a descrição de bussolas, uma dos quais poderia direcionar seus passos para cidades e ilhas e qualquer lugar do mundo.

Agulha de uma bússola, ilustração da Epístola do Magneto

Se tornou um trabalho muito popular na Idade Média. Seu discípulo, Roger Bacon, o elogiou como experimentador e técnico em seu trabalho Opus Majus (onde era chamado de Petrus de Maharncuria Picardus). Segundo Bacon, era um recluso que devotou seu tempo ao estudo da natureza, era hábil com metais, inventou armaduras e ajudava mais o rei Luís IX que o próprio armeiro real.

Estudiosos da Oxford University citavam freqüentemente a Epístola. A primeira edição impressa foi lançada em Augsburg, 1558, por Achilles Gasser.

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1260 – 1328

Eckhart de Hochheim, (Tambach, Turíngia, 1260 – Colonia, 1328), mais conhecido como Mestre Eckhart, em reconhecimento aos títulos acadêmicos obtidos durante sua estadia na Universidade de Paris, foi um frade dominicano, reconhecido por sua obra como teólogo e filósofo e por seu misticismo. Ele é considerado como um dos grandes símbolos do espírito intelectual da idade média.

Biografia e obra

Mestre Eckhart foi um dos mais fecundos pensadores da filosofia medieval e é considerado um grande expoente do neoplatonismo e do misticismo.

Eckhart era conhecido por seus sermões eloquentes e improvisados, e também pelo uso de paradoxos e linguagem incomum em sua obra, algo que facilmente causava(e ainda causa) erros de interpretação em suas obras e polêmicas. Por conta disso teve sua ortodoxia questionada e no final da vida foi julgado pela inquisição. Ele morreu de causas naturais antes de receber o veredito, e apesar de em sua defesa ter aceito renegar os 28 argumentos seus “suspeitos de heresia” se isso fosse necessário em reconhecimento da autoridade do tribunal, seu status como teólogo ortodoxo é questionado até hoje dentro da Igreja Católica.

O Papa João Paulo II chegou a citar sua obra algumas vezes. O mestre dos Dominicanos, Timothy Radcliffe, chegou a questionar a congregação para a doutrina da fé no final da década de 90 acerca do status canônico de Eckhart. Joseph Ratzinger, que na época presidia tal congregação, respondeu que Eckhart deve ser considerado Ortodoxo com base no fato de que ele reconheceu qualquer erro em suas obras, não ter sido condenado, e principalmente pelo fato das acusações contra ele serem baseadas em documentos não mais existentes e que portanto são impossíveis de verificar.

Grande parte das polêmicas acerca de Mestre Eckhart envolviam sua suposta autoria da obra Theologia Germanica, considerada umas das principais influências da reforma protestante. Hoje é sabido que a obra foi escrita décadas após sua morte e que ele não pode ser o autor.

Apesar de seu julgamento pela inquisição ter afetado seu status e reputação antes de sua morte, estudantes de Eckhart, tais como o beato Henrique Suso e Johann Tauleratravés do seus “Amigos de Deus” continuaram a difundir sua obra e o seu pensamento dentro da Igreja, com reconhecida influência e reverência ao mestre.

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1265 – 1321

Ficheiro:Portrait de Dante.jpg

Dante Alighieri (Florença, 1º de junho de 1265 — Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321) foi um escritor, poeta e político italiano. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il sommo poeta (“o sumo poeta”). Disse Victor Hugo que o pensamento humano atinge em certos homens a sua completa intensidade, e cita Dante como um dos que “marcam os cem graus de gênio”. E tal é a sua grandeza que a literatura ocidental está impregnada de sua poderosa influência, sendo extraordinário o verdadeiro culto que lhe dedica a consciência literária ocidental.

Seu nome, segundo o testemunho do filho Jacopo Alighieri, era um hipocorístico de “Durante”. Nos documentos, era seguido do patronímico “Alagherii” ou do gentílico “de Alagheriis”, enquanto a variante “Alighieri” afirmou-se com o advento de Boccaccio.

Foi muito mais do que literato: numa época onde apenas os escritos em latim eram valorizados, redigiu um poema, de viés épico e teológico, La Divina Commedia (A Divina Comédia), o grande poema de Dante, que é uma das obras-primas da literatura universal e um dos pontos mais altos atingidos pelo espírito humano. A Comedia se tornou a base da língua italiana moderna e culmina a afirmação do modo medieval de entender o mundo.

Essa obra foi originalmente intitulada Comédia e mais tarde foi rebatizada com o adjetivo Divina por Boccacio. A primeira edição que adicionou o novo título foi a publicação do humanista veneziano Lodovicco Dolce publicado em 1555 por Gabriele Giolito de Ferrari.

Nasceu em Florença, onde viveu a primeira parte da sua vida até ser injustamente exilado. O exílio foi ainda maior do que uma simples separação física de sua terra natal: foi abandonado por seus parentes. Apesar dessa condição, seu amor incondicional e capacidade visionária o transformaram no mais importante pensador de sua época.

Vida

Primeiros anos de vida e família

Casa de Dante em Florença

Não há registro oficial da data de nascimento de Dante. Ele informa ter nascido sob o signo de Gêmeos, entre fim de maio e meados de junho. A referência mais confiável é a data de 25 de maio de 1265. Dante, na verdade, é uma abreviação de seu real nome, Durante.

Nasceu numa importante família florentina (cujo apelido era, na realidade, Alaghieri) comprometida politicamente com o partido dos guelfos, uma aliança política envolvida em lutas com outra facção de florentinos: os gibelinos. Os guelfos estavam ainda divididos em “guelfos brancos” e “guelfos negros”. Dante, no Inferno (XV, 76), pretende dizer que a sua família tem raízes na Roma Antiga, ainda que o familiar mais antigo que se lhe conhece citado pelo próprio Dante, no livro Paraíso, (XV, 135), seja Cacciaguida do Eliseu, que terá vivido, quando muito, à volta do ano 1100 (o que, relativamente ao próprio Dante, não é muito antigo).

O seu pai, Alighiero di Bellincione, foi um “guelfo branco’. Não sofreu, porém, qualquer represália após a vitória do partido gibelino na Batalha da Montaperti. Essa consideração por parte dos próprios inimigos denota, com alguma segurança, o prestígio da família.

A mãe de Dante chamava-se Bella degli Abati, nome algo comentado por significar “a bela dos abades”, ainda que Bella seja uma contração de Gabriella. Morreu quando Dante contava apenas com cinco ou seis anos de idade. Alighiero rapidamente se casou com Lapa di Chiarissimo Cialuffi. (Há alguma controvérsia quanto a esse casamento, propondo alguns autores que os dois se tenham unido sem contrair matrimônio, graças a dificuldades levantadas, na época, ao casamento de viúvos). Dela nasceram o irmão de Dante, Francesco, e Tana (Gaetana), sua irmã.

Com a idade de doze anos, em 1277, sua família impôs o casamento com Gemma, filha de Messe Manetto Donati, prática comum — tanto no arranjo quanto na idade — na época. Era dada uma importância excepcional à cerimônia que decorria num ambiente muito formal, com a presença de um notário. Dante teve vários filhos de Gemma. Como acontece, geralmente, com pessoas famosas, apareceram muitos supostos filhos do poeta. É provável, no entanto, que Jacopo, Pietro e Antonia fossem, realmente, seus filhos. Antonia tomou o hábito de freira, com o nome de Irmã Beatriz. Um outro homem, chamado Giovanni, reclamou também a filiação mas, apesar de ter estado com Dante no exílio, restam algumas dúvidas quanto à pretensão.

Educação e poesia

Dante, em afresco de Luca Signorelli.

Pouco se sabe sobre a educação de Dante, presumindo-se que tivesse estudado em casa, de forma autodidata. Sabe-se que estudou a poesia toscana, talvez com a ajuda de Brunetto Latini (numa idade posterior, como se dirá de seguida). A poesia toscana centrava-se na “Scuola poetica siciliana”, um grupo cultural da Sicília que se dava a conhecer, na altura, na Toscânia. Esse interesse depressa se alargou a outros autores, dos quais se destacam os menestréis e poetas provençais, além dos autores da Antiguidade Clássica latina (de entre os quais elegia, preferencialmente, Virgílio, ainda que também tivesse conhecimento da obra de Horácio, Ovídio, Cícero e, de forma mais superficial, Tito Lívio, Séneca, Plínio (o velho) e outros de que encontramos bastantes referências na Divina Comédia.

É importante referir que durante estes séculos escuros (em italiano “Secoli Bui”, expressão usada por alguns para referir-se à Idade Média, designando-a como “Idade das trevas” – noção que hoje em dia é rebatida por muitos historiadores que demonstram que essa época foi muito mais rica culturalmente do que aquilo que a tradição pretende demonstrar), a península Itálica era politicamente dividida em um complexo mosaico de pequenos estados, de modo que a Sicília estava tão longe, cultural e politicamente, de Florença quanto a Provença. As regiões do que hoje é a Itália ainda não compartilhavam a mesma língua nem a mesma cultura, também em virtude das vias de comunicação deficitárias. Não obstante, é notório o espírito curioso de Dante que, sem dúvida, pretendia estar a par das novidades culturais a um nível internacional.

Afresco transferido da madeira, por Andrea del Castagno.

Aos dezoito anos, com Guido Cavalcanti, Lapo Gianni, Cino da Pistoia e, pouco depois, Brunetto Latini, Dante lança o Dolce Stil Nuovo. Na Divina Comédia (Inferno, XV, 82), faz-se uma referência especial a Brunetto Latini, onde se diz que terá instruído Dante. Tanto na Divina Comédia como na Vita Nuova depreende-se que Dante se terá interessado por outros meios de expressão como a pintura e a música.

Ainda jovem (18 anos), conheceu Beatrice Portinari, a filha de Folco dei Portinari, ainda que, crendo no próprio Dante, a tenha fixado na memória quando a viu pela primeira vez, com nove anos (teria Beatriz, nessa altura, oito anos). Há quem diga, no entanto, que Dante a viu uma única vez, nunca tendo falado com ela. Não há elementos biográficos que comprovem o que é que seja.

É difícil interpretar no que consistiu essa paixão, mas, é certo, foi de importância fulcral para a cultura italiana. É sob o signo desse amor que Dante deixou a sua marca profunda no Dolce Stil Nuovo e em toda a poesia lírica italiana, abrindo caminho aos poetas e escritores que se lhe seguiram para desenvolverem o tema do Amor (Amore) que, até então, não tinha sido tão enfatizado. O amor por Beatriz (tal como o amor que Petrarca demonstra por Laura, ainda que numa perspectiva diferente) aparece como a justificativa da poesia e da própria vida, quase se confundindo com as paixões políticas, igualmente importantes para Dante.

Quando Beatriz morreu, em 1290, Dante procurou refúgio espiritual na filosofia da Literatura latina. Pelo Convívio, sabemos que leu a “De consolatione philosophiae“, de Boécio, e a “De amicitia“, de Cícero. Dedicou-se, pois, ao estudo da filosofia em escolas religiosas, como a Dominicana de Santa Maria Novella, tanto mais que ele próprio era membro da Ordem Terceira de São Domingos. Participou nas disputas entre místicos e dialécticos, que se travavam, então, em Florença nos meios acadêmicos, e que se centravam em torno das duas ordens religiosas mais relevantes. Por um lado, os Franciscanos, que defendiam a doutrina dos místicos (São Boaventura), e, por outro, os Dominicanos, que se socorriam das teorias de Tomás de Aquino. A sua paixão “excessiva” pela filosofia é criticada por Beatriz (representando a Teologia), no Purgatório.

Carreira política em Florença

Estátua de Dante na
Galleria degli Uffizi, Florença.

Dante participou, também, na vida militar da época. Em 1289, combateu ao lado dos cavaleiros florentinos, contra os de Arezzo, na batalha de Campaldino, em 11 de junho. Em 1294, estava com os soldados que escoltavam Carlos de Anjou (também referido por vezes como Martel) quando este estava em Florença.

Foi, também, médico e farmacêutico; não pretendia exercer essas profissões mas, segundo uma lei de 1295, todo nobre que pretendesse tomar um cargo público devia pertencer a uma das guildas (Corporazioni di Arti e Mestieri – ou seja, “Corporação de Artes e Ofícios”). Ao entrar na guilda dos boticários, Dante podia, assim, aceder à vida política. Esta profissão não era, de todo, inadequada para Dante, já que, na época, os livros eram vendidos nos boticários. De 1295 a 1300, fez parte do “Conselho dos Cem” (o conselho da comuna de Florença), onde fez parte dos seis priores que governavam a cidade.

O envolvimento político de Dante acarretou-lhe vários problemas. O papa Bonifácio VIII tinha a intenção de ocupar militarmente Florença. Em 1300, Dante estava em San Gimignano, onde preparava a resistência dos guelfos toscanos contra as intrigas papais. Em 1301, o papa enviou Carlos de Valois, (irmão de Felipe o Belo, rei de França), como pacificador da Toscânia. O governo de Florença, no entanto, já recebera mal os embaixadores papais, semanas antes, de forma a repelir qualquer influência da Santa Sé. O Conselho da cidade enviou, então, uma delegação a Roma, com o fim de indagar ao certo as intenções do Sumo Pontífice. Dante chefiava essa delegação.

Exílio e morte

Bonifácio rapidamente enviou os outros representantes de Florença de volta, retendo apenas Dante em Roma. Entretanto, a 1 de novembro de 1301, Carlos de Valois entrava em Florença com os guelfos negros que, por seis dias, devastaram a cidade e massacraram grande número de partidários da facção branca. Instalou-se, então, um governo apoiante dos guelfos negros, e Cante dei Gabrielli di Gubbio foi nomeado “Podestà” (funcionário público designado pelas famílias mais influentes da cidade). Dante foi condenado, em Florença, ao exílio por dois anos, além de ser condenado a pagar uma elevada multa em dinheiro. Ainda em Roma, o papa “sugeriu-lhe” que aí se mantivesse, sendo considerado, a partir de então, um proscrito. Não tendo pago a multa, foi, por consequência, condenado ao exílio perpétuo. Se fosse, entretanto, capturado por soldados de Florença, seria sumariamente executado, queimado vivo.

O poeta participou em várias tentativas para repor os guelfos brancos no poder; em Florença, no entanto, devido a diversas traições, todas falharam. Dante, amargurado com o tratamento de que foi alvo por parte dos seus inimigos, afligia-se também com a inação dos seus antigos aliados. Declarou solenemente, na altura, que pertencia a um partido com um único membro. Foi nesta altura que começou a fazer o esboço do que viria a ser a “Divina Comédia”, poema constituído por 100 cantos, divididos em três livros (“Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”) com 33 cantos cada (exceptuando o primeiro livro que, dos seus 34 cantos, o primeiro é considerado apenas como Canto introdutório).

Foi para Verona, onde foi hóspede de Bartolomeo Della Scala; mudou-se para Sarzana (Ligúria), e, depois, supõe-se que terá vivido algum tempo em Lucca com Madame Gentucca, que o acolheu de forma calorosa (o que, mais tarde, será referido de forma agradecida no Purgatório XXIV,37). Algumas fontes afirmam que teria estado em Paris, entre 1308 e 1310. Outras fontes, menos credíveis, porém, dizem que teria ido até Oxford.

Em 1310, Arrigo VII do Luxemburgo invadia Itália. Dante viu nele a hipótese de se vingar. Escreveu-lhe, bem como a vários príncipes italianos, cartas abertas onde incitava violentamente à destruição do poderio dos guelfos negros. Misturando religião e assuntos privados, invocou a ira divina sobre a sua cidade, sugerindo como alvo principal do desagrado de Deus os seus mais tenazes inimigos pessoais.

Em Florença, Baldo d’Aguglione perdoou a maior parte dos guelfos brancos que estavam no exílio, permitindo-lhes o seu regresso. Dante, no entanto, tinha ultrapassado largamente os limites toleráveis para o partido negro nas suas cartas a Arrigo VII, pelo que o seu regresso não foi permitido.

Dante no exílio, autor desconhecido.

Em 1312, Arrigo assaltou Florença, derrotando os “guelfos negros”. Não há, no entanto, qualquer evidência de uma possível participação de Dante no evento. Há quem diga que Dante se recusou a participar num ataque à sua cidade ao lado de um estrangeiro. Outros, porém, sugerem que o seu nome se tinha tornado incômodo para os próprios “guelfos brancos”, pelo que qualquer traço da sua passagem foi prontamente apagado para a posteridade. Em 1313, com a morte de Arrigo, morreu também a esperança de Dante de rever a sua cidade. Voltou para Verona onde Cangrande I della Scala, o Senhor de Verona, lhe permite viver seguro, confortável e, presume-se, com alguma prosperidade. Cangrande é um dos personagens admitidos por Dante no seu Paraíso (XVII, 76).

Em 1315, Florença foi obrigada, por Uguccione della Faggiuola (oficial militar que controlava a cidade) a outorgar amnistia a todos os exilados. Dante constava na lista daqueles que deveriam receber o perdão. No entanto, era exigido que estes pagassem uma determinada multa e, acima de tudo, que aceitassem participar numa cerimônia de cariz religioso onde se retratariam como ofensores da ordem pública. Dante recusou-se a semelhante humilhação, preferindo o exílio.

Quando Uguccione derrota, finalmente, Florença, a sentença de morte que recaía sobre Dante foi comutada numa pena de prisão, sob a única condição de que teria de ir a Florença jurar solenemente que jamais entraria na cidade. Dante não foi. Como resultado, a pena de morte estendeu-se aos seus filhos.

Dante ainda esperou, mais tarde que fosse possível ser convidado por Florença a um regresso honrado. O exílio era como que uma segunda morte, privando-o de muito do que formava a sua identidade. No Canto XVII, 55-60, do Paraíso, Dante refere o quanto era dolorosa para si a vida de exilado, quando o seu trisavô, Cacciaguida, lhe “profetiza” aquilo que o espera:

Paraíso
(Canto XVII)
Italiano
Paraíso
(Canto XVII)
Português *

“… Tu lascerai ogne cosa diletta
più caramente; e questo è quello strale
che l’arco de lo essilio pria saetta.

Tu proverai sì come sa di sale
lo pane altrui, e come è duro calle
lo scendere e ‘l salir per l’altrui scale …”

“… Deixarás tudo aquilo que te agrada
mais profundamente; é esta seta a tal
logo no arco do exílio disparada.

E provarás como é falto de sal
o pão d’ outros, e como é dura estrada
descer e subir pelas escadas de outros …”

Quanto à esperança de um dia voltar a Florença, Dante descreve o seu sentimento melancólico, como se já estivesse resignado a essa impossibilidade, no Canto XXV, 1-9 do Paraíso:

Paraíso
(Canto XXV)
Italiano
Paraíso
(Canto XXV)
Português *

“Se mai continga che ‘l poema sacro
al quale ha posto mano e cielo e terra,
sì che m’ha fatto per molti anni macro,

vinca la crudeltà che fuor mi serra
del bello ovile ov’io dormi’ agnello,
nimico ai lupi che li danno guerra;

con altra voce omai, con altro vello
ritornerò poeta, e in sul fonte
del mio battesmo prenderò ‘l cappello …”

“Se acontecer que o poema sagrado,
em que céu e terra puseram mão,
(magro me fez, de tanto ano passado)

Vencer a crueldade que em prisão
me exila do redil onde, cordeiro,
dormi, oposto aos lobos que o atacam;

Voz e pêlo distinto do primeiro
terei, chegando poeta, e me façam
a testa ornar com folha de loureiro …”

Tumba de Dante, esculpida por Pietro Lombardo.

É claro que isto nunca aconteceu. Os seus restos mortais mantêm-se em Ravena, não em Florença.

Guido Novello da Polenta, príncipe de Ravena, convidou-o para aí morar, em 1318. Dante aceitou a oferta. Foi em Ravenna que terminou o “Paraíso” e, pouco depois, falecia, talvez de malária, em 1321, com 56 anos, sendo sepultado na Igreja de San Pier Maggiore (mais tarde chamada Igreja de San Francesco). Bernardo Bembo, pretor de Veneza, decidiu honrar os restos mortais do poeta, erigindo-lhe um monumento funerário de acordo com a dignidade de Dante Alighieri.

Na sepultura, constam alguns versos de Bernardo Canaccio, amigo de Dante, onde se refere a Florença com os seguintes termos:

parvi Florentia mater amoris
“Florença, mãe de pequeno amor”

Posteriormente, Florença chegou a lamentar o exílio de Dante e fez repetidos pedidos para o retorno de seus restos mortais. Os responsáveis pela guarda de seu corpo em Ravenna se recusaram a cumprir, chegando ao ponto de esconder os ossos em uma parede falsa do mosteiro. No entanto, em 1829, um túmulo foi construído para ele em Florença, na basílica de Santa Cruz. Esse cenotáfio está vazio desde então, com o corpo de Dante remanescendo em Ravenna, longe da terra que ele amava tão ternamente. Em frente do seu túmulo em Florença lê-se Onorate l’altissimo poeta – que pode ser traduzido como “Honra ao poeta mais exaltado”. A frase é uma citação do quarto canto do Inferno, representando as boas-vindas de Virgílio quando ele volta entre os grandes poetas antigos passando a eternidade no limbo. A continuação da linha, L’ombra sua torna, ch’era dipartita (“seu espírito, que tinha nos deixado, volta”), é uma lamúria ao túmulo vazio.

Em 2007, a reconstrução do rosto de Dante foi concluída em um projeto colaborativo. Artistas da Universidade de Pisa e engenheiros da Universidade de Bolonha em Forli completaram o modelo revelador, que indicou que as características de Dante eram um pouco diferentes do que se pensava.

Obras

Dante e Virgílio no inferno, óleo de Delacroix

A Divina Comédia descreve uma viagem de Dante através do Inferno, Purgatório, e Paraíso, primeiramente guiado pelo poeta romano Virgílio (símbolo da razão humana), autor do poema épico Eneida, através do Inferno e do Purgatório e, depois, no Paraíso, pela mão da sua amada Beatriz – símbolo da graça divina – (com quem, presumem muitos autores, nunca tenha falado e, apenas visto, talvez, de uma a três vezes).

Em termos gerais, os leitores modernos preferem a descrição vívida e psicologicamente interessante para a sensibilidade contemporânea do “Inferno”, onde as paixões se agitam de forma angustiada num ambiente quase cinematográfico. Os outros dois livros, o Purgatório e o Paraíso, já exigem outra abordagem por parte do leitor: contêm subtilezas ao nível filosófico e teológico, metáforas dificilmente compreensíveis para a nossa época, requerendo alguma pesquisa e paciência. O Purgatório é considerado, dos três livros, o mais lírico e humano. É interessante verificar que é, também, aquele onde aparecem mais poetas. O Paraíso, o mais pesadamente teológico de todos, está repleto de visões místicas, raiando o êxtase, onde Dante tenta descrever aquilo que, confessa, é incapaz de exprimir (como acontece, aliás, com muitos textos místicos que fazem a história da literatura religiosa). O poema apresenta-se, como se pode ver num dos excertos acima, como “poema sagrado” o que demonstra que Dante leva muito a sério o lado teológico e, quiçá, profético, da sua obra. As crenças populares cristãs adaptaram muito do conceito de Dante sobre o inferno, o purgatório e o paraíso, como por exemplo o fato de cada pecado merecer uma punição distinta no inferno. A Comédia é o maior símbolo literário e síntese do pensamento medieval, vivenciado pelo autor.

O poema chama-se “Comédia” não por ser engraçado mas porque termina bem (no Paraíso). Era esse o sentido original da palavra Comédia, em contraste com a Tragédia, que terminava, em princípio, mal para os personagens.

Dante escreveu a “Comédia” no seu dialeto local. Ao criar um poema de estrutura épica e com propósitos filosóficos, Dante demonstrava que a língua toscana (muito aproximada do que hoje é conhecido como língua italiana, ou língua vulgar, em oposição ao latim, que se considerava como a língua apropriada para discursos mais sérios) era adequada para o mais elevado tipo de expressão, ao mesmo tempo que estabelecia o Toscano como dialecto padrão para o italiano.

Estátua de Dante na Piazza Dante, Nápoles.

Outras obras importantes do autor são:

  • De Vulgari Eloquentia (“Sobre a Língua vulgar”, escrita, curiosamente, em latim);
  • Vita Nova (“Vida Nova”), onde insere sonetos, comentados, onde narra a história do seu amor por Beatriz. A língua utilizada é a toscana, tanto para os poemas (o que não é grande novidade, já que muitas obras líricas tinham sido escritas em língua vulgar) como para os comentários que, pelo seu carácter mais teórico, já inovam ao prescindir do latim.
  • Le Rime – “As rimas”, também chamadas de “Canzoniere”, onde aparecem vários textos de cariz lírico (sonetos, canções,baladas, sextinas…), onde, novamente, canta o amor idealizado (amor platônico), Beatriz, bem como a Ciência, a Filosofia, a Moral (num sentido alargado do termo);
  • Il Convivio – “O Convívio”, de carácter filosófico, é apresentado pelo poeta como um banquete com 14 pratos (simbolizando as canções), acompanhados do pão (os comentários). Faz parte das obras que pretendem dignificar a língua vulgar, tanto mais que Dante chega aqui a citar autores tão importantes como Aristóteles ou São Tomás de Aquino;
  • De Monarchia – “Monarquia”, onde expõe as suas ideias políticas. O livro, escrito em latim possivelmente entre 1310 e 1314, defende a supremacia do poder temporal sobre o poder papal, lembrando que até Jesus Cristo ressaltou que não desejava o poder temporal. Ao final, recomenda que ambos respeitem-se um ao outro, obedecendo àquele “que é o único governador de todas as coisas, espirituais e temporais”;
  • Outras obras, consideradas menores, como “As Epístolas”, “Éclogas” e “Quaestio de aqua et terra“.

Nota: Quando nos referimos a excertos da Divina Comédia, indicamos primeiro o livro (por exemplo, “Inferno”), depois o Canto, em numeração romana; e, finalmente, em algarismos indo-arábicos, os versos (que aparecem numerados na maior parte das edições da obra).

Curiosidades

Em 2007, cientistas italianos da Universidade de Bologna recriaram a face de Dante. Crê-se que o modelo seja o mais próximo possível de sua verdadeira aparência. Seu retrato, feito por Botticelli, foi usado como base junto ao crânio.

Dante, como expoente da literatura universal foi utilizado como referência cultural e didáctica indispensável pela autora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, que o utilizou como personagem no livro infanto-juvenil “O Cavaleiro da Dinamarca”, onde é apresentado às jovens gerações como alguém que terá tido contacto com realidades transcendentes ou que, não as tendo tido, deixou, ainda assim, uma obra por si mesma transcendente.

Reabilitação

Em julho de 2008, o Comitê Cultural de Florença revogou o exílio e concedeu a seus herdeiros, como forma de compensação a mais alta honraria da cidade, Il Fiorino D’Oro. A proposta, aprovada na câmara de vereadores da cidade,foi apresentada pelo vereador Enrico Bosi, do Partido Povo da Liberdade, tendo sido aprovada por apenas um voto acima do quórum mínimo, uma vez que recebeu oposição de muitos vereadores da esquerda, que a consideraram apenas uma forma de beneficiar o único herdeiro vivo de Dante, Peralvise Serego Alighieri, um produtor de vinho da região de Valpolicella.

Imagens de Dante

Dante, cuja importância para a língua italiana é similar à importância de Camões para a língua portuguesa, foi homenageado por grandes artistas ao longo dos séculos.

  • Dante em retrato de Gustave Doré

  • Dante, na Galeria de Retratos da Universidade do Texas

  • A Disputa (detalhe), por Rafael Sanzio, Stanza della Segnatura, Palácio Pontifício, Vaticano

  • Afresco na Capela Bargello , por Giotto di Bondone

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1266-1337

Ficheiro:Cinque maestri del rinascimento fiorentino, XVI sec, giotto.JPG

Giotto di Bondone mais conhecido simplesmente por Giotto, (Colle Vespignano, 1266 — Florença, 1337) foi um pintor e arquitetoitaliano.

Nasceu perto de Florença, foi discípulo de Cinni di Pepo, mais conhecido na história da arte pela introdução da perspectiva na pintura, durante o Renascimento.

Devido ao alto grau de inovação de seu trabalho (ele é considerado o introdutor da perspectiva na pintura da época), Giotto é considerado por Bocaccio o precursor da pintura renascentista. Ele é considerado o elo entre o renascimento e a pintura medieval e a bizantina.

A característica principal do seu trabalho é a identificação da figura dos santos como seres humanos de aparência comum. Esses santos com ar humanizado eram os mais importantes das cenas que pintava, ocupando sempre posição de destaque na pintura. Assim, a pintura de Giotto vem ao encontro de uma visão humanista do mundo, que vai cada vez mais se firmando até o Renascimento.

Giotto, forma diminutiva de Ambrogio ou Angiolo, não se sabe ao certo, adotou a linguagem visual dos escultores, procurando obter volume e altura realista nas figuras em suas obras. Comparando suas obras com as do seu mestre, elas são muito mais naturalistas, sendo Giotto o pioneiro na introdução do espaço tridimensional na pintura europeia. Em seus trabalhos pela península Itálica, Giotto fez amizades com o rei de Nápoles e Bocaccio, que o menciona em seu livro, Decameron.

O Papa Benedito XI quis empregar Giotto, que passaria então dez anos em Roma. Posteriormente, trabalharia para o Rei de Nápoles. Em 1320, ele retornou a Florença, onde chefiaria a construção da Catedral de Florença. Giotto morreu quando pintava “O Juízo Final” para a capela de Bargello, em Florença. Durante uma escavação na Igreja de Santa Reparata, em Florença, foram descobertos ossos na mesma área que Vasari tinha relatado como o túmulo de Giotto. Um exame forense parece ter confirmado que a ossada era mesmo de Giotto.

Os ossos eram de um homem baixo, que pode ter sofrido de uma forma de nanismo. Isso apóia uma tradição da Basílica de Santa Cruz de que um anão que aparece em um dos afrescos é um auto-retrato de Giotto.

Biografia

Estátua de Giotto, na Galleria degli Uffizi.

De acordo com o historiador Giorgio Vasari, ele teria começado a desenhar ainda com 12 anos, quando era um pastor de ovelhas, fazendo desenhos em rochas. O artista Cimabue, um dos maiores pintores da Toscana, junto com Duccio (em Siena), o teria visto desenhando uma ovelha e pediu ao pai de Giotto para levá-lo para ser o seu aprendiz. Posteriormente, Giotto teria pintado uma mosca no nariz de uma figura com tanta habilidade que seu mestre teria tentado afugentar o inseto várias vezes antes de perceber que se tratava de uma pintura.

Em 1280, Giotto foi com Cimabue para Roma onde havia uma escola de pintores de afrescos, onde o mais famoso era Pietro Cavallini. O famoso escultor florentino Arnolfo di Cambio, de quem Giotto se inspirou bastante em seus afrescos, também estava trabalhando em Roma. De Roma,Cimabue foi para Assis para pintar vários grandes afrescos na recém-construída Basílica de São Francisco de Assis. É possível, mas não certo, que Giotto tenha ido com ele. O primeiro trabalho importante de Giotto teria sido a série de afrescos que contam a vida de Francisco de Assis no teto da basílica. Há, no entanto, dúvidas quanto à autoria da obra. Percebe-se a influência da pintura romana no trabalho de Giotto, assim como a influência do gótico francês, bem como da arte bizantina. A aparência realista das figuras causou controvérsia na época. A cena da Crucificaçãopintada em Florença mostra a clara distinção entre o trabalho de Giotto e o de seu mestre.

De acordo com Vasari, outra obra da fase inicial de Giotto foram os afrescos da Santa Maria Novella e o enorme crucifixo, também na mesma igreja, de 5 metros de altura. As obras foram datadas de 1290 e, portanto, contemporâneas aos afrescos de Assis.

Em 1287, aos 20 anos, Giotto se casou e foi para Roma. Há poucos traços de sua presença na cidade. A Basílica de São João de Latrão tem uma pequena série de afrescos, pintados a pedido do Papa Bonifácio VIII. A fama de Giotto como pintor se espalhou. Ele foi chamado para trabalhar em Pádua e também em Rimini, onde somente um Crucifixo permanece no Templo Malatestiano. Esse trabalho influenciou a chamada Escola de Rimini, de Giovanni e Pietro da Rimini.

Capella degli Scrovegni

O Beijo de Judas, na Capella degli Scovegni.

A Lamentação, na Capella degli Strovegni.

A Capella degli Scrovegni, também chamada CApella Arena, em Pádua, é considerada o maior trabalho de Giotto. Ele retrata cenas da Virgem Maria e da Paixão de Cristo e foi criada entre 1303 e 1310.

Aqui, ele quebra as tradições da narração de cenas medievais. A cena da morte de Cristo foi admirada por muitos artistas renascentistas pela força dramática da cena em seu trabalho. Michelangelo, que estudou a obra de Giotto, inspirou-se nesse trabalho para a pintura da Capela Sistina.

Como era comum na decoração do período medieval, a porção oeste da parede é dominada pelo Julgamento Final. São muitos os painéis famosos da Capela, incluindo um com a Adoração dos Magos, em que aparece uma Estrela de Belém semelhante a um cometa. Giotto viu o Cometa Halley em sua aparição em 1301 no céu italiano e é bem provável que esse objeto astronômico tenha influenciado a estrela da Adoração.

Vários outros pintores do norte da Itália foram influenciados por Giotto, incluindo Guariento, Giusto de’ Menabuoi, Jacopo Avanzi eAltichiero.

Outras obras

Um documento de 1313 mostra a presença de Giotto em Roma, onde ele executou um mosaico para a antiga Basílica de São Pedro, encomendado pelo Cardeal Jacopo Stefaneschi.

Em 1318, ele começou a pintar quatro capelas para quatro diferentes famílias de Florença na Basílica de Santa Cruz. As composições de Giotto influenciaram mais tarde a Cappela Brancacci, de Masaccio.

Entre 1303 e 1310 realizou um dos mais importantes trabalhos, pintura da Capela Degli Strovegni em Pádina.

De acordo com pesquisas do artista e restaurador italiano Luciano Buso, o Santo Sudário é obra de Giotto di Bondone.

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1265 – 1308

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Beato João Duns Escoto, ou Scot ou Scotus, nasceu em Maxton, condado de Roxburgh na Escócia (ou Ulster) em 1265, viveu muitos anos em Paris, em cuja universidade lecionou, e morreu em Colônia no ano de 1308. Membro da Ordem Franciscana, filósofo e teólogo da tradição escolástica, chamado o Doutor Sutil, foi mentor de outro grande nome da filosofia medieval: William de Ockham. Foi beatificado em 20 de Março de 1993, durante o pontificado do Papa João Paulo II.

Formado no ambiente acadêmico da Universidade de Oxford, onde ainda pairava a aura de Robert Grosseteste e Roger Bacon, posicionou-se contrário a São Tomás de Aquino no enfoque da relação entre a razão e a fé.
Seu pensamento é agostiniano, mas de forma menos extremada que São Boaventura ou, mesmo, Matheus de Aquasparta; as diferenças entre ele e São Tomás de Aquino, como as dos outros, provem de uma mistura maior de platonismo (derivado de Santo Agostinho) em sua filosofia.
Para Scotus, as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão. A filosofia, assim, deveria deixar de ser uma serva da teologia, como vinha ocorrendo ao longo de toda a Idade Média e adquirir autonomia.

Obra filosófica

Suas principais obras são o Opus Oxioniense (Obra de Oxford), Quaestiones de Metaphysica (Questões de Metafísica) e De Primo Princípio (Do Primeiro Princípio).

Um dos grandes contributos de Scotus para a história da filosofia, afirmam os historiadores, está no conceito de hecceidade (haecceitas ). Por esta teoria, valoriza a experiência, e distancia a preocupação exclusivista da filosofia com as essências universais e transcendentes.

Notas

Nota: ¹Há várias grafias utilizadas, pela variação idiomática, e, mesmo, dentro de cada idioma, para o nome do filósofo: Jonh Scott, Duns Scotus, João Scoto, Johannes Scotus, João Duns Escoto, etc. O Catálogo de Autoridades Pessoa da Biblioteca Nacional do Brasil indica como entrada padrão: Duns Scotus, John.

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1285 – 1347

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Guilherme de Ockham, em inglês William of Ockam (existem várias grafias para o nome deste franciscano: Ockham, Ockam, Occam, Auquam, Hotham e inclusive, Olram).(1285 em Ockham, Inglaterra — 9 de abril de 1347, Munique), criador da teoria da Navalha de Occam, foi um frade franciscano, filósofo, lógico e teólogo escolástico inglês, considerado como o representante mais eminente da escola nominalista, principal corrente oriunda do pensamento de Roscelino de Compiègne (1050-1120).

Guilherme de Ockham, conhecido como o « doutor invencível » (Doctor Invincibilis) e o « iniciador venerável » (Venerabilis Inceptor), nasceu na vila de Ockham, nos arredores de Londres, na Inglaterra, em 1285, e dedicou seus últimos anos ao estudo e à meditação num convento de Munique, onde morreu em 9 de abril de 1347, vítima da peste negra.

1 Biografia

Quando ainda em idade precoce, ingressou na Ordem Franciscana, onde estudou Filosofia.Acredita-se que ainda jovem, foi para a Universidade de Oxford ensinar ciências filosóficas e matemática, mas nunca teria concluído seu mestrado (o habitual grau de graduação naqueles tempos). Teve contato com outro franciscano, o filósofo e teólogo,Duns Scot, do qual se tornou discípulo. Escreveu vários ensaios sobre as Sententiarum Libri (Sentenças) do teólogo Pedro Lombardo.

Um ponto drástico de sua vida ocorreu quando Occam chegou à conclusão de que o papa João XXII estava defendendo uma heresia acerca da pobreza evangélica. Em função da controvérsia que surgiu, Occam fugiu para Pisa, e, em seguida, acompanhou o imperador Luís da Baviera para Munique. Em Munique, continuou a atacar a figura do Papa, redigiu vários ensaios abordando a infalibilidade papal, defendendo a tese de que a autoridade do líder é limitada pelo direito natural e pela liberdade dos liderados, esta afirmada nos Evangelhos, deixando sua situação com a Igreja cada vez mais difícil. Um de seus argumentos mais fortes foi a afirmação categórica que um cristão não contraria os ensinamentos evangélicos ao se colocar ao lado do poder temporal em disputa com o poder papal.

2 Guilherme de Ockham e o conceito de Liberdade

Esboço de uma Summa logicae – Manuscrito de 1341 com a inscrição frater Occham iste

É um filósofo que deixa transparecer sua intensa luta pela liberdade e ao longo de anos desenvolveu uma teoria de liberdade baseada no sujeito. O indivíduo seria capaz de escolher e saber o que é certo e errado sem nenhuma intervenção exterior. O homem teria o direito de decidir o seu fim e a sociedade não deveria impor nada a ele. Para a ética, a liberdade é o assunto por excelência. A liberdade é muito importante para a ética, porque se ocupa do livre arbítrio, da finalidade de nossa vida e existência.

Para Ockham, a liberdade apresenta-se como a possibilidade que se tem de escolher entre o sim ou o não, de poder escolher entre o que me convém ou não e decidir e dar conta da decisão tomada ou de simplesmente deixar acontecer.

A preocupação de Guilherme de Ockham é com o fato de que o poder organizado e moralizado é contrário à natureza e à liberdade a nós concedida por Deus. Isto não é admitido como verdade por todos os filósofos, e no pensamento medieval do qual Ockham é um representante, isso era uma total desestruturação de uma cultura e sociedade vigentes.

Ockham denuncia aqueles que em nome da religião, passaram a usurpar o livre arbítrio. E que tais usurpadores entendem, assim como ele, a liberdade como um dom de Deus e da natureza.

Ockham situa a ação humana no indivíduo e suas escolhas reais e concretas, presentes não em verdade ou entes universais, mas nas coisas e situações particulares, individuais. Distingue faculdades humanas de faculdades animais, ou seja, o homem possui a capacidade de viver pela arte e pela razão, que no entendimento do filósofo seriam as faculdades humanas e é por elas que deve agir e não pelas faculdades animais (seus instintos). Pressupõe-se assim que é de nossa própria natureza a capacidade de escolha exercida por meio do livre arbítrio, entendida como presente de Deus e da natureza.

3 O princípio de Occam

Occam escreveu sua obra cognominada Ordinatio, esta discorria que todo conhecimento racional tem base na lógica, de acordo com os dados proporcionados pelos sentidos.

Uma vez que nós só conhecemos entidades palpáveis, concretas, os nossos conceitos não passam de meios linguísticos para expressar uma idéia, portanto, precisam da realidade física, para as comprovações.

Criou a máxima pluralidades não devem ser postas sem necessidade (em latim: pluralitas non est ponenda sine neccesitate), chamado de a Navalha de Occam, no inglês, Occam’s Razor.

3.1 A Navalha de Occam

Conceito bastante revolucionário para a época, a Navalha de Occam defende a intuição como ponto de partida para o conhecimento do universo.

Occam com destreza conseguiu demonstrar que o “Duns Scotus”, princípio da economia, conhecido como a “navalha de Occam”, estabelece que “as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão”.

3.2 O confronto de duas teorias

Este é um princípio filosófico que reza o seguinte: existindo diversas teorias e não havendo evidências que comprovem se é mais verdadeira alguma em relação a outras, vale a mais simples, ou se existirem dois caminhos que levem ao mesmo resultado, usa-se o mais curto, e que pode ser provado sensorialmente. Em outras palavras, não se deve aplicar a um fenômeno nenhuma causa que não seja logicamente dedutível da experiência sensorial. A regra, inspirada na economia medieval, foi usada pelo filósofo para eliminar muitas das entidades com que os pensadores escolásticos explicavam a realidade.

3.3 O erro do simplismo

O simplismo aparente da Navalha de Occam, se mal aplicado, pode muitas vezes nos induzir a erros de avaliação em determinados momentos da lógica. Por exemplo, ao efetuarmos determinados experimentos, nem sempre a simplificação é correta, mesmo que o resultado seja muito próximo, ou até idêntico, porém é bastante útil quando o utilizamos em experimentos práticos para comprovar se teorias matemáticas num determinado campo são concordantes.

3.4 Simplicidade e perfeição

Nem sempre a simplicidade é a perfeição, mas a perfeição quase sempre é simples. Muitos autores usam a expressão de que, a simplicidade é a perfeição, quando se lida com experimentos que exigem um certo grau de complexidade. Ao utilizar soluções simplistas de análise, poder-se-á incorrer em erros que podem destruir muitas vezes um trabalho de anos. Simplicidade não é sinônimo de facilidade ou simplismo. Em geral obter uma visão ou uma explicação simples para temas complexos exige um esforço maior do que criar visões complexas, mesmo que corretas, sobre o mesmo tema.

O Cálculo Diferencial e Integral, assim como grande parte das descobertas científicas da humanidade certamente passou, ao longo de sua história, por inúmeras reformulações decorrentes do aprendizado e realimentação pelas comunidades científicas (Em geral na física e na matemática) até chegar ao currículo básico de qualquer curso de matemática de nível superior. A simplicidade é consequência da experiência, da criatividade e da capacidade de sintetização, além de outros talentos.

3.5 Princípios de análise lógica

Um dos mais importantes é a falta de dados para comprovar se a teoria A é mais correta que a teoria B, ambas tendo o mesmo resultado, porém os cálculos e argumentos da teoria A sendo muito mais complexos que para a teoria B. A comunidade científica escolherá sempre a segunda opção, a mais simples.

3.6 Einstein e as simplificações

Provavelmente, quando escreveu que as teorias devem ser tão simples quanto possível, mas nem sempre devemos escolher as mais simples, Albert Einstein estava se referindo ao princípio de Occam em sua Teoria da Relatividade, pois sabia que as hipóteses testadas muitas vezes caíam em contradições, apesar do resultado ser aparentemente perfeito. Daí pode ter sido a utilização do princípio de Occam em alguns pontos considerados contraditórios em seu postulado, pois em matemática, às vezes verdades claras à luz das deduções tornam-se contraditórias ao passar para a linguagem coloquial.

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1300 – 1358

Jean Buridan (em latim: Joannes Buridanus; 1300 — 1358) foi um filósofo e religioso francês.

Embora tenha sido um dos mais famosos e influentes filósofos da Idade Média tardia, ele está hoje entre os nomes menos conhecidos do período. Uma de suas contribuições mais significativas foi desenvolver e popularizar da teoria do Ímpeto, que explicava o movimento de projéteis e objetos em queda livre. Essa teoria pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e para o famoso princípio da inércia, de Isaac Newton.

A pouca atenção dada a Buridan parece estar ligada ao fato de ele ter sido um padre secular, ou seja, era um clérigo que não estava afiliado a uma Ordem religiosa. A maioria dos intelectuais da Idade Média Clássica estiveram ligados a ordens como a dos Franciscanos e Dominicanos, essas ordens sempre tenderam a preservar e cultivar a memória e os escritos de seus mestres mais ilustres – o que facilita o trabalho dos historiadores. Também ocorre o simples fato de que ainda há muito trabalho por fazer na área de estudo da filosofia medieval, muitos mestres importantes, tanto seculares quanto religiosos, ainda estão a esperar a tradução de seus trabalhos para as línguas contemporâneas.

Sobre Buridan, Pierre Duhem, historiador das ciências, comenta:

Jean Buridan teve a incrível audácia de dizer: Os movimentos dos céus estão submetidos às mesmas leis dos movimentos das coisas cá de baixo, a causa que mantém as revoluções das esferas celestes é a mesma que mantém a rotação do rebolo do ferreiro; há uma Mecânica única pela qual se regem todas as coisas criadas, a esfera do Sol e o pião que o menino põe em rotação. Jamais houve, talvez, no domínio da ciência física, revolução tão profunda, tão fecunda quanto esta. (DUHEM, Pierre Histoire des doctrines cosmologiques de Platon à Aristote, tomo VII, pp. 328-340.)

1 O asno de Buridan

O paradoxo conhecido como o asno de Buridan não foi originado pelo próprio Buridan. É encontrado na obra De Caelo, de Aristóteles, onde o autor pergunta como um cão diante de duas refeições igualmente tentadoras poderia racionalmente escolher entre elas.

Buridan em nenhum momento discute este problema específico, mas sua relevância é que ele defende um determinismo moral pelo qual, salvo por ignorância ou impedimento, um ser humano diante de cursos alternativos de ação deve sempre escolher o maior bem. Buridan defendia que a escolha devia ser adiada até que se tivesse mais informação sobre o resultado de cada ação possível. Escritores posteriores satirizaram este ponto de vista imaginando um burro que, diante de dois montes de feno igualmente acessíveis e apetitosos, deveria deter-se enquanto pondera por uma decisão.

Esta questão é motivo de reflexão até hoje, em especial por teóricos da Inteligência Artificial.

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1304 – 1374

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Francesco Petrarca (Arezzo, 20 de julho de 1304 — Arquà, 19 de julho de 1374) foi um intelectual, poeta e humanista italiano, famoso, principalmente, devido ao seu romanceiro. É considerado o inventor do soneto, tipo de poema composto de 14 versos. Foi baseado no trabalho de Petrarca (e também de Dante e Boccaccio) que Pietro Bembo, no século XVI, criou o modelo para o italiano moderno, mais tarde adotado pela Accademia della Crusca.

Pesquisador e filólogo, divulgador e escritor, é tido como o “pai do Humanismo”. Mas esse grande latinista deve sua fama principalmente a seus poemas, redigidos em língua italiana.

Biografia

Petrarca na pintura Ciclo dos Famosos Homens e Mulheres,

por Andrea di Bartolo di Bargilla. Galeria Uffizzi, Florença

Petrarca nasceu em Arezzo, filho de um notário, e passou sua infância na pequena cidade de Incisa in Val d’Arno, perto deFlorença. Seu pai, Ser Petracco, tinha sido exilado em Florença em 1302, junto com Dante, pelos Guelfos Negros. Petrarca passou grande parte dos seus primeiros anos em Avinhão e Carpentras, para onde sua família se mudou, a fim de seguir o Papa Clemente V, quando se dá a instalação do Papado de Avinhão, em 1309.

Inicialmente, estudou em Montpellier (1316–1320) e Bolonha (1320–1326), onde o pai insistiu para que estudasse Direito. Contudo, Petrarca se interessava pela escrita e pela Literatura Latina.

Após a morte do pai, em 1326, Petrarca volta a Avinhão, onde trabalhou em vários e diferentes empregos burocráticos, tendo assim mais tempo livre para trabalhar em seus escritos. Ao ser lançada a sua primeira grande obra, Africa, um épico em latim sobre o grande general romano Scipio Africanus, Petrarca se torna uma celebridade na Europa. Em 1341, ele trouxe de volta a antiga tradição da laurea poetas e foi coroado em Roma, sendo o primeiro homem, desde a Antiguidade, a receber esta honra.

Viajou intensamente pela Europa e trabalhou como embaixador. Gostava muito de escrever cartas e tinha em Boccaccio um de seus mais notáveis amigos. Durante suas viagens, colecionou manuscritos latinos antigos e assim tornou-se um dos primeiros a redescobrir o conhecimento da Roma Antiga e Grécia Antiga. Entre outras realizações, participou da primeira tradução latina de Homero e em 1345, descobriu pessoalmente uma inédita coleção de cartas de Cícero.

Desdenhando o que acreditava ser a ignorância dos séculos que precederam a sua era, diz-se que Petrarca usou a expressão Idade das Trevas para se referir à Idade Média.

Petrarca afirmava que em 26 de Abril de 1336, junto com seu irmão e dois servos, alcançou o topo do Monte Ventoux (1909 m) e escreveu um relato fictício da aventura, composto tempos mais tarde na forma de cartas para seu amigo Francesco Dionigi. Posteriormente, esse relato se tornou a história de uma real expedição de alpinismo. Portanto, 26 de Abril de 1336 é considerado o dia do nascimento do alpinismo, sendo Petrarca tido como o pai do alpinismo.

Na última parte de sua vida, viajou bastante pelo norte da Itália.

Sua carreira na Igreja não permitiu que se casasse, mas foi considerado o pai de duas crianças postumamente. Em 1367, Petrarca fixou-se em Pádua, onde passou seus últimos anos em contemplação religiosa. Doou sua notável biblioteca de manuscritos para a cidade de Veneza, onde hoje fazem parte do núcleo da Biblioteca Marciana.

Morreu em 19 de julho de 1374 no Vêneto.

Laura e a Poesia

O nome de Petrarca está associado de maneira indissolúvel ao de Laura, a mulher amada que ele canta em Rerum vulgarium fragmenta (Fragmentos em língua popular), mais conhecidos pelo nome de Il Canzoniere.

Em 1327, em uma sexta-feira Santa, a visão de uma mulher chamada Laura na Igreja de Santa Clara de Avinhão despertou em Petrarca uma paixão duradoura, celebrada nas Rime sparse (“Rimas Esparsas”). Mais tarde, poetas renascentistas que copiaram o estilo de Petrarca deram o nome a essa coleção de 366 poemas de Il Canzoniere (“O Cancioneiro”). Laura pode ter sido Laura de Noves, esposa de Hugues de Sade e um ancestral do Marquês de Sade. Petrarca sempre negou a acusação de que ela possa ter sido um personagem idealizado ou com pseudônimo falso (visto que o nome Laura tem semelhança com láurea). Sua descrição realista em seus poemas contrasta com os clichês do Trovadorismo e do amor cortês. Sua presença causa do poeta uma alegria indescritível, mas seu amor não-correspondido criava desejos instantâneos. Há pouca informação concreta na obra de Petrarca sobre Laura, exceto que é linda, tem cabelos claros e é uma moça modesta e digna. Laura e Petrarca tiveram pouco ou nenhum contato pessoal. De acordo com seu Secretum, ela o recusava porque já era casada com outro homem. Ele canalizou seus sentimentos para os poemas de amor que eram exclamatórios e escreveu prosa em que mostrava seu desprezo por homens que buscavam mulheres.

Petrarca aperfeiçoou a conhecida forma do soneto, herdada de Giacomo da Lentini, e que Dante amplamente usou. Muitos dos poemas de Petrarca, colecionados no Cancioneiro(dedicado a Laura), eram sonetos. O compositor romântico Franz Liszt musicou alguns dos sonetos de Petrarca, Tre sonetti del Petrarca.

Obra

Petrarca é mais conhecido por sua poesia italiana: principalmente o Canzoniere e o Trionfi (“Triunfos”). Contudo, Petrarca foi um entusiasmado estudioso do Latim e escreveu a maioria de sua obras nessa língua. Seus escritos em Latim foram muito variados e incluíram trabalhos acadêmicos, ensaios introspectivos, cartas e mais poesia. Entre eles estão: Secretum (“Meu Livro Secreto”), um diálogo imaginário, intensamente pessoal e cheio de culpa com Augustine of Hippo; De Viris Illustribus (“Sobre os Homens Famosos”), uma série de biografias morais; Rerum Memorandarum Libri, um tratado incompleto sobre as virtudes cardeais; De Otio Religiosorum (“Sobre o Lazer Religioso”) e De Vita Solitaria (“Sobre a Vida Solitária”), que elogia a vida contemplativa; De Remediis Utriusque Fortunae (“Remédios para os trancos e barrancos”), um livro de auto-ajuda que permaneceu popular por muitos anos; Itinerarium (“O Guia de Petrarca para a Terra Santa”), um ancestral distante dos guia de viagem; um número de críticas violentas contra seus oponentes tais como médicos, escolásticos e os franceses; o Carmen Bucolicum, uma coleção de doze poemas pastorais; e o épico incompleto Africa. Petrarca também publicou muitos volumes de suas cartas, incluindo algumas para alguns já mortos como Cícero e Virgílio. Infelizmente, muitos dos seus escritos em Latim são difícies de serem encontrados hoje. É difícil identificar datas precisas para seus escritos porque ele os revisou constantemente durante sua vida.

Além disso, Petrarca juntou suas cartas em dois grandes livros chamados Epistolae familiares e Seniles, uma ideia que veio de seu conhecimento das cartas de Cícero. Ele deixou fora da Epistolae familiares um grupo especial de dezenove cartas polêmicas chamadas Liber sine nomine que foram muito criticadas durante o Papado de Avinhão. Estas cartas foram publicadas sem nome para proteger os destinatários, todos eles mantinham uma ligação íntima com Petrarca. Os destinatários incluíam Philippe de Cabassoles, bispo de Cavaillon; Ildebrandino Conti, bispo de Pádua; Cola di Rienzo, tribuno de Roma; Francesco Nelli, padre do Prior da Igreja dos Santos Apóstolos em Florença; e Niccolà di Capoccia, um cardela e padre de Saint Vitalis.

Sua Carta para a Posteridade (a última carta na obra Seniles) dá uma autobiografia e uma síntese de sua filosofia de vida.

Dolce stil novo

dolce stil novo é uma expressão de Dante (incluída na Divina Comédia), que indica um grupo de sete poetas: Guido Guinizelli, Guido Cavalcanti, Lapo Gianni, Gianni Alfani, Dino Frescobaldi, Cino de Pistois e o próprio Dante e identificou um dos mais importantes movimentos literários da Itália no século XIII. Uma das marcas do dolce stil novo foi a introspecção, que foi mais tarde desenvolvida com mais vigor por Petrarca.

Estátua de Petrarca no exterior do Palácio Uffizzi, em Florença.

Filosofia

Petrarca é tradicionalmente chamado o pai do Humanismo. Ele inspirou a filosofia humanista que levou à Renascença. Ele acreditava no imenso valor prático e na imensa moral do estudo da História Antiga e da Literatura Antiga – isto é, o estudo do pensamento e da ação humana.

Embora o Humanismo tenha mais tarde sido associado ao secularismo, Petraca era um devoto cristão e não via conflitos entre a realização do potencial humano e a fé religiosa. Um homem muito introspectivo, ele deu forma, em grande parte, ao nascente movimento humanista porque muitos de seus conflitos internos e meditações expressadas em suas obras foram sumamente recebidas pelos filósofos humanistas Renascentistas e debatidas por muitos anos. Por exemplo, Petrarca lutou com a relação própria entre a vida ativa e a vida contemplativa, e teve uma tendência a enfatizar a importância da solidão e do estudo. O político e pensador Leonardo Bruni defendeu a vida ativa, ou humanismo cívico. O resultado foi que um surpreendente número de líderes políticos, militares e religiosos durante a Renascença apontaram a noção de que sua busca pela glória pessoal deveria se basear no exemplo clássico e na contemplação.

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1323- 1382

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Nicole d’ OresmeNicole Oresme, ou Nicolas de Oresme (1323 – 11 de julho de 1382) foi um gênio intelectual e provavelmente o pensador mais original do Século XIV. Economista, filósofo, matemático, físico, astrônomo, biólogo, psicólogo e musicólogo; foi também um teólogo dedicado e Bispo de Lisieux, tradutor para o idioma Francês, conselheiro do rei Carlos V da França e um dos principais fundadores e divulgadores das ciências modernas.

Oresme combateu fortemente a astrologia e especulou sobre a possibilidade de haver outros mundos habitados no espaço. Ele foi o último grande intelectual europeu a ter crescido antes do surgimento da peste negra, evento que teve impacto bastante negativo na inovação intelectual no período final da Idade Média.

1 Filosofia natural

Nicole d’Oresme demonstrou que as razões propostas pela física Aristotélica contra o movimento do planeta Terra não eram válidas e invocou o argumento da simplicidade (da navalha de Ockham) à favor da teoria de que é a Terra que se move, e não os corpos celestiais.
No geral, o argumento de Oresme a favor do movimento terrestre é mais explícito e bem mais claro do que o que foi dado séculos depois por Copérnico.

Entre outras proezas, Oresme foi o descobridor da curvatura da luz através da refração atmosférica; embora, até hoje, o crédito por esse feito tenha sido dado à Robert Hooke. Oresme também estudo os movimentos uniforme e uniformemente variado, deduziu o teorema da velocidade média e a lei da queda dos corpos, que é mais frequentemente atribuída a Galileu.

2 Economia

Na economia, Nicole afirmava que o dinheiro é um produto originário do mercado, e não do Estado, que era uma mercadoria a mais e não apenas um meio de troca, e por isso, originalmente, certificadores privados informavam seus clientes sobre a pureza do metal usado nas moedas. Ele asseverou que a inflação é resultado da falsificação da pureza dos metais mediante um decreto do Estado, uma vez que este nacionalizou o dinheiro. Esta teoria econômica tem pontos em comum com a Teoria Austríaca do Ciclo Econômico contemporânea, que surgiu sete séculos mais tarde.

As principais reflexões de Nicole d’Oresme sobre a moeda são as seguintes:

a) Apenas o rei deveria cunhar moedas e definir o valor, o peso e a pureza de cada uma. Devemos lembrar que, no século XIV, o poder do rei é considerado inegável e semelhante ao poder divino.

b) A moeda tem dois valores: valor nominal, que é definido pelo Rei, e o valor intrínseco, que é baseado principalmente no tipo de material utilizado e no peso da moeda. Normalmente, o valor nominal e o intrínseco eram diferentes. Valor nominal + Prêmio de cunhagem = Valor intrínseco. Prêmio de cunhagem = custos, por parte da coroa, para a cunhagem de dinheiro.

c) A riqueza da Monarquia é proporcional à quantidade e valor das moedas que possui.

d) Para Nilcole d’Oresme existem três conceitos proibidos em relação à moeda, e estes se caracterizam pelas seguintes práticas:

  • Tráfico, câmbio e custódia;
  • Usura;
  • Adulteração

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1313 – 1375

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Giovanni Boccaccio (Florença ou Certaldo, 16 de junho de 1313 – Certaldo, 21 de dezembro de 1375) foi um poeta e crítico literário italiano, especializado na obra de Dante Alighieri.

Filho de um mercador, Boccaccio não se dedicou ao comércio como era o desejo de seu pai, preferindo cultivar o talento literário que se manifestou deste muito cedo. Foi um importante humanista, autor de um número notável de obras, incluindo Decamerão, o poema alegórico Visão Amorosa (Amorosa visione) e De claris mulieribus, uma série de biografias de mulheres ilustres. O “Decamerão” fez de Boccaccio o primeiro grande realista da literatura universal.

Ao ler “A Comédia”, de Dante Alighieri, ficou tão fascinado que a renomeou de “A Divina Comédia”, título com que a obra seria imortalizada. Considerado pelos seus contemporâneos florentinos uma autoridade sobre Dante, o governo da cidade convidou-o, em 1373, a fazer uma leitura pública da Divina Comédia. Se bem que haja poucos registos, crê-se que Boccaccio fez apenas cerca de 55 palestras, pois a doença obrigava-o a interromper a apresentação no Canto XVII do Inferno. Nunca conseguiria terminar o projecto, mas o texto com os seus comentários ficou para a posteridade: Esposizioni sopra la Comedia di Dante. Boccacio foi autor de uma das primeiras biografias de Dante, o Trattatello in laude di Dante, também conhecido como Vita di Dante. Encontra-se sepultado na Igreja de São Jacó e Filipe na Toscana, Itália.

Obras

  • Amorosa visione (1342)
  • Buccolicum carmen (1367-69)
  • Caccia di Diana (1334-37)
  • Comedia delle ninfe fiorentine (Amato, 1341-42)
  • Corbaccio (cerca de 1365, data controversa)
  • De claris mulieribus (1361, reeditado com revisão em 1375)
  • Decameron (1349-52, revisado em 1370-71)
  • Elegia di Madonna Fiammetta (1343-44)
  • Esposizioni sopra la Comedia di Dante (1373-74)
  • Filocolo (1336-39)
  • Filostrato (1335 ou 1340)
  • Genealogia deorum gentilium libri (1360, revisado em 1374)
  • Ninfale fiesolano (entre 1344-46, data controversa)
  • Rime (concluído em 1374)
  • Teseida delle nozze di Emilia (em torno de 1341)
  • Trattatello in laude di Dante (1357, em latim De origine vita studiis et moribus viri clarissimi Dantis Aligerii florentini poetae illustris et de operibus compositis ab eodem)
  • Zibaldone Magliabechiano

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1332 – 1406

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Abu Zayd ‘Abd al-Rahman ibn Muhammad ibn Khaldun al-Hadrami (عبد الرحمن بن محمد بن خلدون الحضرمي) ou Ibn Khaldun (Norte da África, atual Túnis, 27 de Maio de 1332 — Cairo, 17 de Março de 1406) foi um polímata árabe — astrônomo,economista, historiador, jurista islâmico, advogado islâmico, erudito islâmico, teólogo islâmico, hafiz, matemático, estrategista militar, nutricionista, filósofo, cientista social e estadista.

Ele é considerado um precursor de várias disciplinas científicas sociais: demografia, história cultural, historiografia, filosofia da história, e sociologia. Ele também é considerado um dos precursores da moderna economia, ao lado do antigo erudito indiano Chanakya. Ibn Khaldun é considerado por muitos como o pai de várias destas disciplinas e das ciências sociais em geral, por ter antecipado muitos elementos dessas disciplinas séculos antes de terem sido fundadas no Ocidente.

É mais conhecido por seu Muqaddimah (conhecido como Prolegômenos no Ocidente), o primeiro volume de seu livro sobre a história universal, Kitab al-Ibar.

Ibn Khaldun é tido por muitos acadêmicos como uma das principais ajudas para a compreensão das sociedades muçulmanas.

Biografia

Nasceu em Tunísia numa família de classe miserável que migrou desde Sevilha, no Al-Andalus. Os seus antepassados, árabes iemenitas, estabeleceram-se no Al-Andalus nos inícios do domínio Muçulmano da península, durante o século VIII. Depois da queda de Sevilha, migraram para a Tunísia. Na sua história, ele descreve a sua família, os Banu Khaldun, como se segue, traçando a sua genealogia até Khaldun, pelo lado do seu pai::

“… E nossos antepassados são de Hadhramaut, dos Árabes do Iémen, via Wa’il ibn Hajar, dos melhores dos Árabes, bem-conhecidos e respeitados.”

Abd ar-Rahman ibn Muhammad ibn Muhammad ibn Muhammad ibn al-Hasan ibn Muhammad ibn Jabir ibn Muhammad ibn Ibrahim ibn Abd ar-Rahman ibn Khaldun. Na minha genealogia até Khaldun eu contei apenas estes 10, mas devem ter havido mais…”

No entanto, alguns biógrafos (e.g., Mohammad Enan) questionam a sua pretensão, sugerindo que a sua família pode ter sido de Berberes que assumiam origem Árabe de modo a ganhar em estatuto social.

Ibn Khaldun estudou nas várias etapas e ramos da aprendizagem Árabe com grande sucesso. Em 1352, ele obteve emprego com o sultão da Dinastia Marinida, Abu Inan Fares I, em Fez. No início de 1356, a sua integridade foi posta em causa, pelo que foi colocado na prisão até a morte do sultão Abu Inan em 1358, altura em que o vizir al-Hasan ibn Omaro libertou e reintegrou-o no seu posto. Ibn Khaldun continuou a prestar serviços ao sucessor de Abu Inan, Abu Salem Ibrahim III, mas, por ter ofendido o primeiro-ministro, obteve a permissão para emigrar para Espanha.

Ibn al Ahmar, que estava em dívida por favores de que se beneficiara quando da sua estadia na corte de Abu Salem, recebeu Ibn Khaldun com grande cordialidade em Granada. Isto excitou o ciúme do Vizir, e ele foi por isso enviado de volta a África em 1364, onde Abu Abdallah, o sultão de Bougie, da Dinastia Háfsida, seu antigo companheiro na prisão, o acolheu cordialmente.

Após a queda de Abu Abdallah, Ibn Khaldun mobilizou uma força considerável entre os Árabes do deserto e entrou ao serviço do Sultão de Tlemcen. Poucos anos mais tarde, foi feito prisioneiro por Abdalaziz (Abd ul Aziz), que tinha derrotado o sultão de Tlemcen e tomado o trono.

Ibn Khaldun entrou então num estabelecimento religioso, e ocupou-se de tarefas escolásticas, até que em 1370 foi chamado a Tlemcen pelo novo sultão.

Após a morte de Abd ul Aziz, Ibn Khaldun residiu em Fez, gozando do patrocínio e confiança do regente. Em 1375, foi viver com a tribo Awlad Arif, da Argélia central, na cidade de Qalat Ibn Salama. Tomou ali vantagem da sua solidão para escrever a Muqaddimah (ou “Prolegômenos” à sua história subsequente.) Em 1378, ele entrou ao serviço do sultão da sua cidade natal, Tunis, onde se dedicou quase exclusivamente aos estudos e escreveu a história dos Berberes.

Tendo recebido permissão para peregrinar até Meca, visitou o Cairo, onde foi apresentado ao Sultão mameluco al-Malik udh-Dhahir Barquq, que insistiu que ele ficasse ali; no ano de 1384 foi feito grande cadi da escola Maliki de fiqh (jurisprudência) ou lei religiosa de Cairo. Desempenhou este cargo com prudência e integridade, removendo muitos abusos da administração da justiça no Egito.

Nesta altura, o navio em que sua mulher e família vinham ao seu encontro, com toda a sua propriedade, afundou, e todos os tripulantes desapareceram. Ele conseguiu encontrar consolo completando a sua história dos Árabes de Espanha. Nesta mesma altura foi retirado do seu trabalho de cadi, o que lhe deu mais tempo livre para a sua obra.

Três anos mais tarde, fez peregrinação a Meca, e no seu regresso viveu em retiro em Fayyum até 1399 (TIAGO), quando foi chamado outra vez para continuar as suas funções de cadi. Foi removido e reafirmado no cargo nada menos do que cinco vezes até sua morte. Está sepultado no Cairo.

Obra

  • Muqaddimah é a obra na qual delineou uma teoria da História Cíclica. O historiador Britânico Arnold J. Toynbee chamou-a “sem dúvida a melhor obra do seu gênero que alguma vez foi criada por alguém em qualquer tempo ou lugar”. Há uma tradução em língua portuguesa, diretamente do árabe, feita por Safady. Encontra-se na biblioteca da USP. Há uma tradução completa para o inglês, por Franz Rosenthal (3 vols., Princeton, 1958).

Também escreveu narrativas históricas baseadas nas descrições de Timur, o líder Mongol.

Ernest Gellner, que como antropólogo se ocupou do estudo de tribos do Magrebe, refere-se muitas vezes, nos seus livros, a Ibn Khaldun, em especial quando trata da organização social da civilização muçulmana. O conceito de assabiyah é fundamental em sua obra.

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1363 – 1429

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Jean Charlier de Gerson (1363-1429) (Johannes Gerson) ( 13 de Dezembro de 1363 † Rethel, perto de Ardennes, 12 de Julho de 1429), chamado de Doctor christianissimus, foi teólogo, erudito, educador, filósofo, pregador, reformador e poeta francês, além de chanceler da Universidade de Paris. Exerceu papel relevante no processo que culminou com a morte de Jan Hus (1371-1415) e de Jerônimo de Praga (1365-1416).

Biografia

Estudou no Colégio de Navarra, em Paris, e se doutorou em teologia em 1393. Em 1395, sucedeu a Pierre d’Ailly (1351-1420) no cargo de chanceler da Universidade de Paris, sendo nomeado posteriormente Bispo de Puy, arcebispo de Cambrai e cardeal. Após o assassinato do Duque de Orléans, em 1408, acusou o Duque de Borgonha, como autor do assassinato e condenou Jean Petit (1360-1411)1 , que o defendia.

Sua firmeza também se evidenciou em relação à Igreja: quando foi intransigente contra as doutrinas consideradas heréticas, tal qual no Concílio de Pisa e no Concílio de Constança, no qual contribuiu com a morte de Jan Hus e de Jerônimo de Praga, sustentando com força os direitos à autonomia da igreja galicana, e combatendo todo relaxamento dos costumes eclesiásticos, reivindicando a superioridade do poder do concílio dos bispos em relação ao do papa e se empenhou em por um fim à Cisma do Ocidente.

Após o Concílio de Constança não conseguiu voltar à França, por causa das desordens que se produziram, e se retirou para a Baviera. Durante este exílio, compôs as Consolações da Teologia, sua obra em quatro volumes. Dois anos depois, voltou à França, porém, não tomou parte em nenhum assunto político e se retirou para o convento lionês dos Celestinos, escrevendo e ensinando. É um dos prováveis autores da obra “Imitação de Cristo”.

Teologia

Como teólogo, tentou elaborar uma teologia mística que se opunha à teologia escolástica. Personagem de transição entre a Idade Média e o Renascimento, buscou um acordo entre formalista e deterministas, condenou Duns Scot e a Juan de Ripa, os quais multiplicaram as essências e introduziram nos conceitos de Deus, formas metafísicas e razões ideais, de tal maneira que o Deus resultante se tornou uma construção intelectual arbitrária. Condenou também a identificação platônica de Deus com o Bem ou com uma natureza neoplatonicamente necessária, reivindicando a primazia da vontade e da liberdade divina, essencial, em seus conceitos, ao cristianismo, já que a primazia da vontade divina anula qualquer certeza demonstrativa no relacionamento com Ele.

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1395 – 1472

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Basílio Bessarion (Johannes Bessarion, grego: Βασίλειος Βησσαρίων; Trebizonda, 2 de janeiro de 1403 – Ravena, 18 de novembro de 1472) foi um clérigo e erudito bizantino, arcebispo de Niceia, Patriarca latino de Constantinopla e cardeal da Igreja Católica Romana. Participou nos concílios de Ferrara e Florência defendendo a União das Igrejas católica ortodoxa e católica romana.

Realizou traduções das obras de Aristóteles e Teofrasto, e defendeu a não contradição entre as filosofias aristotélica e platônica.

Vida

Nascido com o nome de João, numa data entre 1389, 1395 e 1403. Educado em Constantinopla, em 1423 mudou-se para Mistra, emMoreia, para acudir às aulas de Gemistus Pletho. Frente às acusações do aristotélico Jorge de Trebizonda que apresentava Platão como incompatível com o cristianismo, como de vida descuidada e como pouco sábio, escreveu na sua defesa In calumniatorem Platonis, sem atacar a figura de Aristóteles, a quem mostrou um grande respeito, mas defendendo a Platão e mostrando a sua predileção por ele.

Em 1423 entrou na Ordem de São Basílio, adotando o nome monástico de Bessarion (um antigo anacoreta egípcio). Ordenado presbítero em 1431, já em 1436 foi designado hegúmeno de um mosteiro basiliano, e no ano seguinte o imperador João VIII Paleólogo nomeou-o arcebispo de Niceia. Acompanhou o Imperador a Itália na sua tentativa de reunir as Igrejas Ortodoxa e Romana e pôr fim ao cisma de 1054. Entre 1438 e 1439 participou no Concílio de Basileia, nessa época transladado para Ferrara e logo para Florência. Bessarion apoiou a união e ganhou o favor do Papa Eugênio IV, que o investiu cardeal a 18 de dezembro de 1439.

Cardinalato

Recebeu o barrete cardinalício e o título de Cardeal-presbítero de Santos XII Apóstolos em 8 de janeiro de 1440. Foi redator, junto a Ambrósio Traversario, do decreto de Florência e Ferrara no qual se estabelecia o fim do cisma.

Desempenhou sucessivamente o arcebispado de Siponto e as sedes suburbicárias de Sabina e Frascati. Proposto para Papa à morte de Nicolau V em 1455, não resultou eleito.

Em 1449 foi nomeado Patriarca Latino de Jerusalém, cargo que exerceu até 1458, quando foi nomeado administrador apostólico daDiocese de Pamplona, na Espanha, encarregando-se da gestão o seu Vigário-Geral, Juan de Michaelis. Em 1463 foi designado Patriarca Latino de Constantinopla, por nomeação do Papa Pio II, sucedendo o anterior Patriarca, Isidoro de Kiev (1458-1462), já falecido.

Bessarion foi um dos cardeais encarregados da causa de canonização de Bernardino de Siena em 1449, que foi canonizado no ano seguinte. Foi para Narni com os cardeais Alessandro Oliva, O.E.S.A. e Enea Silvio Piccolomini para trazer o crânio do Apóstolo Santo André para Roma, chegando em 12 de abril de 1462 em Ponte Molle, onde o Papa Pio II tomou, e o trouxe no dia seguinte para a basílica Patriarcal do Vaticano.

Bessarion teve uma das maiores bibliotecas da sua época. Doou mais de 800 códices gregos e bizantinos à República de Veneza, ao ser relevado em julho de 1462 da Sede Episcopal de Pamplona pelo bispo Nicolás de Echávarri. Atualmente os manuscritos de Bessarion formam um dos legados mais importantes da Biblioteca Marciana em Veneza.

Em novembro de 1464, juntamente com os cardeais Guillaume d’Estouteville e Juan Carvajal, foi nomeado comissário da Santa Cruzada.

Os seus trabalhos para evitar o empuxo do Império Otomano na Europa estiveram sempre muito relacionados à estratégia militar e diplomática nos reinos europeus do Centro e o Oeste da Europa do Cardeal Juan Carvajal. Ainda tentou promover a união da Igreja Católica com a Igreja Ortodoxa Russa com o casamento de Ivan III com a filha de Tomás Paleólogo, Sofia Paleólogo.

Amigo e benfeitor dos sábios, a quem ele deixou muitos de seus livros, ele traduziu para o latim as obras de muitos autores gregos, assim como várias obras de teologia, filosofia e literatura, nomeadamente “Defesa de Platão” em 1469, que tinha uma grande influência. Sua vida, escrita por Luigi Bandini, foi publicada em Roma em 1777.

Conclaves

  • Conclave de 1447 – participou da eleição do Papa Nicolau V.
  • Conclave de 1455 – participou da eleição do Papa Calisto III.
  • Conclave de 1458 – participou da eleição do Papa Pio II.
  • Conclave de 1464 – participou da eleição do Papa Paulo II.
  • Conclave de 1471 – participou da eleição do Papa Sisto IV.

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1401 – 1464

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Nicolau de Cusa ou Nicolau Krebs ou Chrypffs (Cusa, Tréveris, Alemanha 1401 – Todi, Úmbria, Itália 11 de agosto de 1464) foi um cardeal da Igreja Católica Romana e filósofo do Renascimento. Também autor de inúmeras obras sendo a principal delas Da Douta Ignorância publicada em 1440.

Biografia

Filho de um barqueiro João Cryfts e de Catarina Roemer. Teólogo e filosófo humanista, é considerado o pai da filosofia alemã e, como personagem chave na transição do pensamento medieval ao do Renascimento, um dos primeiro filósofos da Idade Moderna

Entre seus pensamentos está a divisão do saber humano em dois graus, o intelectual e o racional. O primeiro nos conferiria a noção mística de Deus, e o segundo tinha origem na sensibilidade. Este dualismo é muito peculiar ao pensamento místico.

Em 1425 matricula-se em Teologia em Colônia, ali recebe as doutrinas de Santo Alberto Magno, do platonismo e de Ramón Llull. A partir de 1426 o legado papal (Orsini) pede-lhe que seja seu secretário, isto lhe permite ascender ao mundo dos Humanistas, o introduz no mundo da política eclesiástica e do estudo. Dedica-se ao estudo dos códices e descobre até 800 textos de Cícero, 16 comédias de Plauto, etc.

É ordenado presbítero em 1430, e entre 1432 e 1436 defendeu de maneira ativa o conciliarismo, mas a partir do Concílio de Basileia se desconcerta e se reconcilia com as teses do Papa, convertendo-se no personagem mais relevante.

Doutor em Direito canônico, participou no Concílio de Basileia em 1431. Identificado como anti-aristotélico ou antiescolástico, introduziu a noção de coincidentia oppositorum (coincidência de opostos), que é Deus, para superar todas as contradições da realidade. Foi um dos primeiros filósofos a questionar o modelo geocêntrico do mundo. Conseguiu um breve período de conciliação entre as igrejas Católica e Ortodoxa, se empenhou em aproximar a Igreja dos hussistas, predicou a cruzada contra os turcos e mediou na pacificação das relações entre França e Inglaterra.

Em 1450 foi nomeado Cardeal e Bispo de Bressanone. O duque Segismundo não aceitou sua nomeação.

Códice Cusano 220

Nicolau de Cusa fundou um asilo para idosos em Kues, hoje conhecida como Bernkastel-Kues, cidade localizada a cerca de 130 quilômetros ao sul de Bona, capital da Alemanha. Este edifício abriga hoje a biblioteca de Cusa, com mais de 310 manuscritos.

Entre os manuscritos ali preservados encontra-se o Códice Cusano 220 que inclui um sermão proferido por Nicolau de Cusa em 1430, intitulado In principio erat verbum (No princípio era o Verbo). Nesse sermão em defesa da Trindade, Nicolau de Cusa utiliza a grafia latina Iehoua para se referir ao nome de Deus, hoje conhecido pelas grafias Jeová ou Javé, em português. Na folha 56, em referência ao nome divino, há a seguinte declaração:

“Ele [o nome] é dado por Deus. É o Tetagrama, isto é, nome composto por quatro letras. […] Esse é, sem dúvida, o santíssimo e grande nome de Deus.”

Este códice, do início do Século XV, é um dos mais antigos documentos existentes onde o Tetragrama é traduzido pela forma latinizada Iehoua, indicando que formas do nome do Deus mencionado na Bíblia, similares a Jehovah ou Jeová, têm sido por séculos a transcrição literária mais comum do nome divino.

Destaca sobretudo sua atividade política como legado papal, se empenhou em fazer uma reforma da Igreja e foi um grande conciliador de posturas confrontadas, chegando mesmo a unificá-las. Em 1459 o papa Pio II o nomeia Cardeal Camerlengo e Vigário-Geral.

Foi amigo do médico Paolo Toscanelli e inventou as lentes côncavas para tratar a miopia.

Pensamento filosófico

  • Todo conhecimento vai desde o conhecido até o desconhecido, mediante o estabelecimento de proporcionalidades.
  • Não existe proporção perfeita entre a coisa conhecida e nosso conhecimento dela, nem, em geral, entre o medido e a medida. A ciência humana é, por isso, conjectural.
  • Deus é ratio essendi e ratio cognoscendi de toda a realidade; de modo que, qualquer investigação filosófica tem por horizonte a Deus. Não há pergunta nem ente que não suponha necessariamente a Deus como princípio.

Todas as coisas são manifestação de Deus

Nicolau de Cusa parte de uma ideia onde todo que foi criado, incluindo o homem, são a imagem de Deus. Tudo é manifestação de um único modelo, mas não uma cópia, e sim um sinal deste Ser Supremo.

Através das coisas materiais podemos nos aproximar do Ser Supremo, mas o Ser Supremo é inalcançável, porque como a imagem não é perfeita, o Ser Supremo é inalcançável.

“A verdade da imagem não pode ser vista tal como é em si, através da imagem, porque a imagem nunca chega a ser o modelo” toda perfeição vem do exemplar que é razão das coisas. Este é o jeito como Deus reluz com as coisas. Como consequência, o Absoluto é incompreensível, posto que o invisível não pode se transformar no visível, o infinito não se encontra no finito. Como dirá: “Porque em Deus se produz uma contradição” é devido a Deus ser Absoluto e ao mesmo tempo, é único e múltiplo.

Nós conhecemos por comparação, por diferenciação, ao separar uma coisa de outra, sabe-se p que é cada coisa. Assim, por comparação, adquire-se conhecimento.

Temos que nos aproximar do absoluto desde o concreto que é visível, deste modo o invisível e faz visível, pelo menos através de seus sinais. Deus é a síntese de contrário, da unidade e da multiplicidade de tudo. Por isso, Deus não é captado em nenhum objeto porque nenhum objeto se limita, por isso Deus é o não outro, o que expressa um duplo significado: 1. Que Deus não se separou do mundo, sendo que este constitui seu próprio ser. 2. Ao anunciar o não outro, está anunciando que a unidade não se encontra determinada em nada concreto. “Deus é tudo e em tudo e não é nada no todo”

Da Douta Ignorância

A ignorância de uma mente infinita frente a uma finitude não é a indiferença. O reconhecimento da ignorância é uma ignorância instruída, douta. Contudo, a natureza intelectiva se sente atraída por conhecer o incompreensível. É o retorno, nos atrai uma pregustação natural, que nos impulsa a seguir buscando. Tem uma aspiração até a sabedoria, até Deus, ainda reconhecendo que o sábio é agora quem descobre que não pode alcançar a Deus, a plenitude do conhecer.

Deus é esquivo, inalcançável.

A douta ignorância não é transcendente, a sabedoria não vem de fora infundida, mas é dentro de si mesma. Isto cria o choque com a modernidade.

O conhecimento surge de si mesmo. A mente se adequa e cresce, mesmo sabendo que nunca alcançará o Absoluto, mas vai avançando.

A douta ignorância tem a relação que a razão avança e aproxima-se do conhecimento. O conhecimento se fundamenta no sensível, na experiência, na assimilação, mas isso não é o verdadeiro conhecimento. O verdadeiro conhecimento é o que se desprende da experiência.

A razão é a que deve determinar as coisas, o distinguir não é o Absoluto, mas há coisas não distinguíveis ou que são confundíveis.

Para poder encontrar o verdadeiro conhecimento, tem que se separar das características das coisas e encontrar a essência das coisas. E tem-se que buscar o que faz a coisa ser o que é, desprendendo-se de tudo o que não o faz único, para encontrar a qualidade ou categoria essencial. O que permite encontrar a qualidade no pequeno limite.

Por exemplo: no menor dos homens, encontramos a Humanidade.

Temos que prescindir da extensão da experiência para encontrar a realidade, para captar o conceito puro, mesmo que não seja captado de modo completo.

O intelecto capta a atualidade, enquanto que a experiência capta a extensão, por assimilação se captam os objetos e por comparação com nossos modelos, os conhecemos.

Quando reconhecemos algo que nosso próprio intelecto (imagem do Absoluto que está em nós) tem como modelo por intermédio da experiência sensível.

“Então, mediante os atos de sua vida intelectiva, encontra em si mesmo descrito o que busca. Tens que entender esta descrição como um resplendor do exemplar de todas as coisas, à maneira como a verdade resplandece em sua imagem” A Mente V, página 70.

“E a mente não se sacia pois, porque não intui a verdade precisa de tudo, e sim intui a verdade em uma certa necessidade determinada que possui cada coisa em quanto que uma é de um modo e outra de outro, e cada uma está composta de suas partes. E a mente vê que este modo de ver não é a mesma verdade, e sim uma participação da verdade de modo que uma coisa é verdadeira de um modo e outra, de outro, alteridade que não pode nunca concordar com a mesma verdade, considerada em sua precisão absoluta e infinita. Por isso, a mente, olhando sua própria simplicidade, é diria-se, não somente abstraída da matéria mas também incomunicável com a matéria, ou seja, no modo de uma forma não unificável se serve de esta simplicidade como instrumento para assimilar-se a todas as coisas” Diálogos do Idiota VII, pág. 78

A mente é a imagem de Deus e na mente há todo conhecimento. A mente não se conforma com a assimilação.

Encontra-se a plenitude de ser em cada uma de suas formas e não se sacia com isto e busca a essência de tudo. Busca a simplificação absoluta, a unificação, o Ser em si, o Absoluto, o esquivo, o princípio do Absoluto das essências.

É a tendência ao Absoluto inevitável para a razão humana, para ir mais além da alteridade, e que nunca chega a alcançar, é esquiva.

Cosmologia de Nicolau de Cusa

E surge uma imagem do mundo que é imagem de Deus.

Se Deus é o unitário e o infinito de uma vez, o mundo também é infinito. Este é o passo radical da física moderna: se o universo é infinito, não tem fim, conclui-se que não existe centro do universo, porque a Terra não é o centro do universo, e tampouco existe ponto de referência, tudo é relativo e não existe um lugar de privilégio no universo.

Também existe quietude, apesar de tudo estar em movimento, inclusive o Sol. Que não conheçamos o movimento, não significa que não exista.

Obras mais importantes

  • In principio erat verbum, incluído no Códice Cusano 220 (1430)
  • De concordantia catholica (1434)
  • De docta ignorantia (1440)
  • De coniecturis (1441)
  • Idiota de mente, Idiota de sapientia, Idiota de staticis experimentis (1450)
  • De visione Dei (1453)
  • De Possest (1460)
  • Compendium sive compendiossisima directio (1463)
  • De apice theoriae (1464)

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1433 – 1499

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Marsílio Ficino (em italiano Marsilio Ficino; Figline Valdarno, província de Florença, 19 de outubro de 1433 — Careggi, Florença, 1° de outubrode 1499), filósofo italiano, é o maior representante do Humanismo florentino.

Juntamente com Giovanni Pico della Mirandola, está na origem dos grandes sistemas de pensamento renascentistas e da filosofia do século XVII. Traduziu obras de Platão e difundiu suas idéias.

Trajetória

Depois de adquirir as primeiras noções de língua grega, inicia seus estudos de filosofia e já em 1454, aos 19 anos, escreve uma coletânea de textos em latim, a Summa philosophiae, em que trata de física, de lógica, de Deus e de aliae multae questiones. Em suas cartas a amigos, mostra profundo interesse em prosseguir seus estudos platônicos. Estudou também os textos de Galeno, Hipócrates, Aristóteles, Averróis e Avicena.

Marsílio Ficino teve a fortuna de ser filho do médico dos poderosos Médicis de Florença. Assim, desde a sua juventude tornou-se amigo e manteve estreita relação intelectual com Cosme de Médici, o Velho, um dos homens mais ricos da Europa àquela época e grande entusiasta da cultura grega. Cosme escolheu Ficino para estudar e difundir a tradição platônica em Florença. Para tanto, doou-lhe uma “villa” em Careggi, na parte norte de Florença, para ali sediar a academia platônica, ou antes,neoplatônica florentina, inspirada na antiga Academia de Platão. Além disso, Cosme confiou-lhe também a missão de traduzir o Corpus Hermeticum – os escritos atribuídos ao legendário Hermes Trismegisto – bem como as Eneadas de Plotino, entre outros textos de filósofos neoplatônicos. Após a morte de Cosme, seu filho Pedro e depois o neto, Lourenço, o Magnífico, continuaram a apoiá-lo.

As atividades da Academia consistiam de reuniões, debates, discursos, cantos e bailes ao som da lira, em um estilo de vida não guiado por um regulamento preciso mas pela personalidade de Ficino. Anualmente, no dia 7 de novembro, suposta data do aniversário de Platão, um seleto grupo de intelectuais se reunia em Careggi, a convite de Lourenço, para um banquete, claramente alusivo a “O Banquete” de Platão.

Marsilio Ficino utilizou pela primeira vez a expressão Amor platonicus, como um sinônimo de amor socrático.

Como um homem do Renascimento, Ficino tinha também conhecimentos em outras áreas, tais como medicina e música, mas revelou-se sobretudo um grande tradutor. Traduziu para o latim não só a obra de Platão (1477) mas também, por sugestão de Pico della Mirandola, Plotino (1485) e outros neoplatônicos. Seu trabalho de tradução terá influência decisiva para a formação do pensamento da Idade de Ouro da Renascença.

Em 1473 foi ordenado padre. Não obstante, por seu interesse pelas ciências ocultas é acusado de necromancia em 1482, e escreve uma Apologia em sua própria defesa.

Com a morte de Lourenço, em 1492, rompe-se o equilíbrio político entre Florença e os demais estados italianos, obtido graças a sua grande habilidade política. Segue-se um período sangrento de guerras e invasões. O declínio dos Médicis influirá negativamente sobre a vida de Ficino. As atividades da Academia são extintas e seu pensamento será duramente criticado pelo poderoso clérigo Girolamo Savonarola, contra o qual o Ficino escreverá uma Apologia em 1498. Desgostoso, o filósofo se retira, vindo a falecer em sua casa de Careggi, em 1499.

Obra filosófica

Domenico Ghirlandaio : Zacarias no Templo (1486-1490). Detalhe: Marsílio Ficino (esq.), Cristoforo Landino, Angelo Poliziano e Demetrios Chalkondyles. Capela de Santa Maria Novella, Florença.

A parte mais substancial da obra filosófica de Marsílio Ficino foi completada entre 1458 e 1493. Sua Theologia platonicaou De immortalitate animarum, dedicada a Lourenço de Médicis, é considerada a síntese do seu pensamento hermético e filosófico. Trata-se de um tratado sistemático sobre a imortalidade da alma, no qual procura conciliar o platonismo e o cristianismo.

Seu pensamento propõe uma visão do Homem com forte afinidade cósmica e mágica, no centro de uma machina mundianimada e altamente espiritualizada, porque imbuída do spiritus mundi. A função principal do pensamento humano seria a de atingir – através de uma iluminação racional (ratio), intelectual (mens) e imaginativa (spiritus e fantasia) – a auto-consciência da própria imortalidade e a divinização do Homem, graças àqueles signa e symbola – signos cósmicos e astrais comparáveis a hieróglifos universais, originários do mundo celeste.

Existiria, segundo Ficino, uma antiga e consistente tradição teológica – desde Hermes Trimegisto até Platão, passando por Zoroastro, Orfeu, Pitágoras e outros – que se propõe a subtrair a alma do engano dos sentidos e da fantasia, para conduzi-la à mente que percebe a verdade e a ordem de todas as coisas que existem em Deus ou que emanam de Deus. Assim estabelecia vínculos dessa antiga tradição com o Cristianismo, exprimindo o universalismo religioso da Renascença.

Segundo Ficino, o agir humano em todas as suas manifestações – artísticas, técnicas, filosóficas ou religiosas – exprime, no fundo, a presença divina de uma mens infinita na Natureza, dentro de uma visão cíclica da história, marcada pelo mito do retorno platônico. Sua idéia animadora é a exaltação do homem como microcosmo, síntese do universo, um conceito antigo, neoplatônico, mas que teve no Humanismo do Renascimento valor e significado particulares.

A atividade principal de Marsílio Ficino foi traduzir. Traduziu elegantemente, para o latim, Platão (1477) e Plotino (1485), além de outros neoplatônicos. Expôs o seu pensamento em uma grande obra (Theologia platonica de immortalitate animorum – 1491), em que procura concordar o platonismo, do qual era entusiasta, com o cristianismo, em que acreditava seriamente. Entretanto não foi um metafísico, mas um eclético e suas finalidades eram morais.

Sua idéia animadora é a exaltação do homem como microcosmo, síntese do universo – conceito antigo, neoplatônico, mas que teve no humanismo do Renascimento um valor e um significado particulares. Outra idéia que o inspirava é a da continuidade do desenvolvimento religioso, desde os antigos sábios e filósofos – Zoroastro, Orfeu, Pitágoras, Platão – até o cristianismo, idéia que expressa o universalismo religioso da Renascença.

Frases

“O Homem é o mais desgraçado dos animais: além da imbecillitas corporis, comum a todos os viventes, tem também a inquietudo animi, isto é, a certeza de dever morrer.”

“E assim, portanto, há uma idade que temos que chamar de ouro… e que o nosso século seja assim, áureo, ninguém duvidará disso se tomar em consideração os admiráveis engenhos que nele se achou.”

Sobre a razão:

“Conhece-te a ti mesmo, ó linhagem divina vestida com trajes mortais. Despe-te, eu te peço, separa o quanto podes, e podes o quanto te esforces; separa, digo, a alma do corpo, a razão dos afetos do sentido. Verás logo, cessadas as brutalidades terrenas, um puro ouro, e, afastadas as nuvens, verás um luminoso ar; e então, acredita-me, respeitarás a ti mesma como um raio eterno do divino sol.” (Lettere, ep. 110, 1-9)

Sobre o amor:

“Quando dizemos amor, entendam desejo de beleza.” (Sopra lo Amore, I iv)

Sobre a alma:

Anima copula mundi. (A alma racional como termo médio entre o divino e o terreno)

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1437 – 1508

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Dom Isaac ben Judah ou Yitzchak ben Yehuda Abravanel (hebraico: יצחק בן יהודה אברבנאל; Lisboa, 1437 – Veneza, 1508) foi um estadista, filósofo, comentador da Bíblia e financista judeu português. Em várias obras ele é referido apenas pelo seu apelido, que por vezes surge como Abravanel, Abarbanel ou Abrabanel. Muitos estudiosos da Torá e do Talmude referem-se a ele simplesmente como “O Abarbanel“.

Nasceu em Lisboa, em 1437, e viveu vários anos na cidade de Queluz. Faleceu em Veneza em 1508 e foi enterrado em Pádua.

A família Abravanel é uma das mais antigas e distintas famílias judaicas sefarditas, cuja ascendência direta tem origem no Rei David bíblico. Membros desta família viveram em Sevilha, onde viveu o seu representante mais velho, de nome, Judá Abravanel.

Notas biográficas

Brasão da família Abravanel

Isaac Abravanel foi aluno de Joseph Hayyim, rabino de Lisboa. Versado em literatura rabínica e nos estudos do seu tempo, ele devotou os seus jovens anos ao estudo da filosofia judaica. Com apenas 20 anos de idade ele escreveu sobre a forma original dos elementos naturais, sobre questões religiosas, sobre profecias, etc. As suas capacidades na política também lhe valeram a atenção de terceiros mesmo ainda na juventude. Entrou para o serviço do rei Afonso V de Portugal como tesoureiro e em breve ganhou a confiança do seu mestre.

Não obstante a sua alta posição e grande riqueza que ele herdou do seu pai, o seu amor pelos pobres e oprimidos era notável. Quando Arzila, em Marrocos, foi tomada pelos portugueses e os prisioneiros judeus foram vendidos como escravos, ele contribuiu largamente com os fundos necessários para os libertar e organizou também colectas em seu favor por todo Portugal. Também escreveu ao seu rico e influente amigo Jehiel de Pisa, em apelo pelos presos.

Após a morte do Rei D. Afonso V, foi obrigado a deixar o seu cargo, tendo sido acusado pelo Rei D. João II de conivência com o Duque de Bragança, que tinha sido executado sob acusação de conspiração. Avisado a tempo, Abravanel salvou-se, fugindo em sobressalto para Castela em 1483. A sua grande fortuna foi confiscada por decreto real.

Em Toledo, sua nova residência, ele ocupou-se inicialmente com estudos bíblicos, e no decorrer de 6 meses produziu uma grande quantidade de comentários aos livros de Josué, Juízes e Samuel. Mas pouco depois ele começou a servir a casa de Castela. Juntamente com o seu amigo, o influente Don Abraham Sênior, de Segóvia, ele encarregou-se de administrar as receitas e fornecer abastecimentos ao exército real, com contratos que ele executou bem, para satisfação total de Isabel de Castela.

Durante as Guerras mouriscas, Abravanel emprestou somas avultadas de dinheiro ao governo. Quando foi decretada a expulsão dos Judeus de Espanha, ele tentou por todos os meios convencer o rei a revogar o édito. Em vão, ele ofereceu-lhe 30.000 ducados. Também costumam atribuir a ele um texto que ficou conhecido como A resposta de D. Abravanel ao Decreto de Alhambra. Porém a origem real deste documento encontra-se numa obra de ficção publicada em 1988, intitulada Alhambra Decree do autor David Raphael. Com os seus companheiros de fé, Abravanel deixou a Espanha para ir viver para Nápoles, onde em breve entraria para os serviços do rei. Por um período curto, ele viveu em paz, mas quando a cidade foi tomada pelos franceses, ele foi roubado de todas as suas possessões e seguiu o seu rei Fernando, em 1495, para Messina; e mais tarde paraCorfu; e em 1496 instalou-se em Monopoli, e finalmente em 1503 em Veneza, onde os seus serviços foram empregues na negociação de um tratado comercial entre Portugal e a República de Veneza.

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1497 – 1560

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Philipp Melanchthon (em português Filipe Melâncton; Bretten, 16 de fevereiro de 1497 — Wittenberg, 19 de abril de 1560) foi umreformador alemão. Colaborador de Lutero, redigiu a Confissão de Augsburgo (1530) e converteu-se no principal líder do luteranismo após a morte do próprio Lutero.

Nascido Phillipp Schwarzerdt, em Bretten, na Saxônia, o mais velho entre cinco irmãos, era filho de Georg Schwarzerdt, mestre fundidor, e de sua esposa da família Reuter, uma rica família de comerciantes. Teve educação esmerada e distingui-se nos estudos de grego e latim. Perdeu o pai aos onze anos. Um de seus mestres (tio-avô) foi o humanista Johannes Reuchlin, que o chamavaMelanchthon, tradução para o grego de seu nome alemão, Schwarzerdt, que significa “terra preta”, e assim passou a ser conhecido. Reuchlin obteve que fosse aceito na Universidade de Heidelberg aos doze anos de idade. Terminou ali seus estudos no ano de 1511, como bacharel em artes. Porém não foi aceito para os exames de mestrado, por ser considerado muito jovem para ser um professor. Passou à Universidade de Tübingen, onde foi aceito em 1514 com 17 anos, na Faculdade de Filosofia. Johannes Reuchlin o recomendou ao príncipe-eleitor Frederico da Saxônia para a recém-fundada Universidade de Wittenberg; ali, sua aula inaugural, em 1518, intitulou-se “Reforma da Instrução dos Jovens”. Foi aluno de Teologia de Lutero, em 1519, o qual, por sua vez, apesar de 14 anos mais velho, foi seu aluno de grego. Melanchthon casou em 1520 com Katharina Krapp, a filha do prefeito de Wittenberg.

É considerado o primeiro sistemático da Reforma (Loci communes, 1521 – posteriormente reeditado com melhoramentos). Melanchthon publicou trabalhos não apenas na Teologia, mas também na Psicologia (De anima), Física (escreveu um trabalho sobre o sistema solar proposto por Copérnico) e filosofia (Philosophia moralis e vários outros comentários). Tudo isso contribui para que ele tivesse um respaldo no meio universitário.

Frontispício do livro Loci communes

Além desses trabalhos, Melanchthon escreveu comentários ao Novo Testamento, publicando em 1537 seu comentário sobre a Epístola aos Colossenses e entre 1529 e 1556 seu comentário sobre a Epístola aos Romanos. Foi o homem que efetivamente escreveu a Confissão de Augsburgo e também a Apologia desta confissão, as quais continuam tendo caráter fundamental para as igrejas luteranas até os dias de hoje. Tornou-se conhecido como o “educador da Alemanha”(Praeceptor Germaniae) por organizar e reformar as escolas alemãs. Ele estava desgostoso com a pobreza da instrução nas escolas alemãs durante a Idade Média o que exprime em seu De Miseriis Paedagogorum no qual relata o triste estado da instrução em escolas. Melanchthon instalou em sua própria casa uma escola experimental onde fez experiências pedagógicas por dez anos. Até o século XVIII os manuais acadêmicos e escolares de Melanchthon foram usados por todos os lados, inclusive em institutos ligados a Roma (naturalmente com a omissão de seu nome). Seus conceitos de direito natural e razão tiveram influência sobre a filosofia iluminista.

Antes de sua morte foi reconhecido pelo seu trabalho de reforma e expansão do sistema universitário alemão, que produziu principalmente intelectuais, servidores públicos e pregadores ilustres, todos bem preparados.

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1852 – 1933

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Hans Vaihinger (Nehren, 25 de setembro de 1852 — Halle an der Saale, 18 de dezembro de 1933) foi um filósofo alemão mais conhecido como acadêmico de Kant e por sua obra Die Philosophie des Als Ob (A filosofia do “como se”), publicada em 1911, mas escrita há mais de trinta anos antes.

Vaihinger nasceu em Nehren (Württemberg), Alemanha, perto de Tübingen, e foi criado como ele próprio descreveu como um “ambiente muito religioso”. Ele foi educado em Tübingen, Leipzig e Berlin, tornando-se um tutor e, posteriormente, um professor de filosofia em Estrasburgo antes de ir para a universidade em Halle em 1884. A partir de 1892, tornou-se catedrático

A filosofia do “como se”

Em seu livro Philosophie des Als Ob, Vaihinger argumentou que os seres humanos nunca podem realmente conhecer a realidade subjacente do mundo e que como resultado, constroem sistemas de pensamento para em seguida, assumir que isso combina a realidades: nós nos comportamos “como se” o mundo correspondesse aos nossos modelos. Em particular, ele usou exemplos das ciências físicas, como prótons, eletróns, e onda eletromagnética. Nenhum desses fenômenos foram observados diretamente, mas a ciência finge que eles existem e usa observações feitas nestes pressupostos para criar novas e melhores construções.

Vaihinger admitiu que teve vários precursores, especialmente a obra Teoria das ficções de Jeremy Bentham . No prefácio da edição em inglês de seu trabalho, Vaihinger expressou seu “Princípio do ficcionalismo”. Isto é que “uma idéia cuja inverdade teórico ou incorreção, e com isso sua falsidade, é admitida não por essa razão praticamente sem valor e inútil, pois tal idéia, apesar de sua nulidade teórica, pode ter grande importância prática.” Além disso, Vaihinger negou que sua filosofia era uma forma de ceticismo, porque o ceticismo implica uma dúvida, enquanto que em sua filosofia ‘como se’ da aceitação de ficções patentemente falsas justifica-se como uma solução não-racional e pragmática a problemas que não têm respostas racionais.

A filosofia ‘como se’ de Vaihinger pode ser vista como uma das premissas centrais sobre as quais George Kelly se baseia. Kelly creditou Vaihinger por influenciar sua teoria, especialmente a idéia de que nossas construções são vistas mais como hipóteses úteis, do que representações da realidade objetiva. Kelly escreveu: “a filosofia de Vaihinger tem um valor para a psicologia(…) Vaihinger começou a desenvolver um sistema de filosofia que chamou de “filosofia do ‘como se’ “, em que ofereceu um sistema de pensamento no qual Deus e a realidade podem ser melhor representados como paradigmas. Isso não quer dizer que Deus ou a realidade era menos certos do que qualquer outra coisa no reino da consciência do homem, mas apenas que todas as questões que confrontam o homem podem melhor ser consideradas na forma hipotética”.

O livro The Sense of an Ending (1967) de Frank Kermode fez uma menção de Vaihinger como um útil metodólogo de narratividade. Ele diz que “ficções literárias pertencem à categoria de Vaihinger de ‘o conscientemente falso’. Eles não estão sujeitos, como hipóteses, a prova ou refutação, apenas, se vierem a perder a sua eficácia operacional para a negligência.”

Mais tarde, James Hillman desenvolveu as obras de Vaihinger e Adler com ficções psicológicas como um tema central da sua obra Healing Fiction em que faz um de seus casos mais acessíveis para identificar a tendência de literalizar, ao invés de “ver através dos nossos sentidos”, com a neurose e a loucura.

Recepção crítica e legado

Durante sua vida as obras de Vaihinger foram geralmente bem recebidos tanto na Alemanha como no exterior, especialmente nos Estados Unidos. Quando, em 1924, a sua filosofia de ‘como se’ foi publicada em Inglês, o livro original de 1911 já estava em sua sexto edição. No entanto, o jornalista norte-americano H. L. Mencken foi contundente em sua crítica do livro, que ele descartou como sem importância, “nota de rodapé de todos os sistemas existentes.”Vaihinger também foi criticado pelos positivistas lógicos que fizeram” curtas referências depreciativas” ao seu trabalho.

Após a sua morte e a mudança radical intelectual que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, a obra de Vaihinger recebeu pouca atenção dos filósofos. Coube aos psicólogos, como Kelly e escritores como Kermode recorrerem de suas idéias centrais. No entanto, o interesse dos estudiosos da literatura continuou modestamente com a publicação de um recente “literatura crítica Vaihinger-flexionada”. Ainda pode haver um renascimento do interesse nos círculos de filosofia também. A reavaliação de Vaihinger pelo filósofo americano Arthur Belas concluiu que Vaihinger era realmente o “proeminente filósofo da modelagem do século XX”.

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306 – 373

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Efrém da Síria ou Efrém, o Sírio (em siríaco: ܐܦܪܝܡ ܣܘܪܝܝܐ; transl.: Mor/Mar Afrêm Sûryāyâ; em grego: Ἐφραίμ ὁ Σῦρος; transl.: Ephraem Syrus; 306 — 9 de junho de 373) foi um prolífico compositor de hinos e teólogo do século IV. Ele é venerado por cristãos do mundo inteiro, mas especialmente pela Igreja Ortodoxa Síria, como um santo.

Efrém escreveu uma grande variedade de hinos, poemas e sermões de exegese bíblica, em verso e em prosa. Eram obras de teologia prática para a edificação da igreja em tempos turbulentos. Suas obras eram tão populares que, por séculos após a sua morte, os autores cristãos escreveram centenas de obras pseudepígrafes em seu nome. As obras de Efrém são testemunhas de uma forma mais antiga de cristianismo na qual as ideias ocidentais tinham pouca influência.

Efrém tem sido considerado o mais importante de todos os Padres da Igreja na tradição siríaca da igreja.

Vida

A recém-escavada Igreja de Tiago de Nísibis em Nísibis, onde Efrém ensinou e ministrou.

Efrém nasceu por volta do ano de 306 na cidade de Nísibis (atualmente a cidade de Nusaybin, na Turquia próximo à fronteira com a Síria) que tinha se tornado parte do Império Romano apenas em 298. Evidências internas da hinódia de Efrém sugerem que seus pais eram parte da crescente comunidade cristã da cidade, embora hagiógrafos posteriores escrevessem que seu seria um sacerdote pagão. Diversas línguas eram faladas em Nísibis no tempo de Efrém, a maior parte delas dialetos do aramaico, sendo que a comunidade cristã utilizava-se de um dialeto siríaco. A cultura local incluía influências pagãs, judaicas e seitas do início do cristianismo.

Tiago (em latim: Jacobus), o primeiro bispo de Nísibiss, foi consagrado em 308 e Efrém cresceu sob sua liderança na comunidade. Ele está registrado como um dos signatários do Primeiro Concílio de Niceia em 325. Efrém foi batizado ainda menino e, quase certamente, se tornou “filho da aliança”, uma forma não usual do proto-monasticismo siríaco. Tiago indicou Efrém como professor (em siríaco: malp̄ānâ, um título que ainda inspira grande respeito entre os cristãos siríacos). Ele foi ordenado como diácono no seu batismo ou em seguida. Efrém começou a compor seus hinos e escrever os comentários sobre a bíblia como parte de sua função de educador. Em seus hinos, ele às vezes se refere a si mesmo como um “boiadeiro” (ܥܠܢܐ, ‘allānâ), ao seu bispo como o “pastor” (ܪܥܝܐ, rā‘yâ) e à sua comunidade como “rebanho” (ܕܝܪܐ, dayrâ). Tradicionalmente, acredita-se que Efrém tenha sido o fundador da Escola de Nísibis, que em séculos posteriores era o centro do conhecimento do Cristianismo oriental.

Em 337 o imperador Constantino, que legalizou e promoveu a prática do cristianismo no Império Romano, morreu. Aproveitando a oportunidade, Sapor II iniciou uma série de ataques no norte da Mesopotâmia romana. Nísibis sofreu cercos em 338, 346 e 350. Durante o primeiro deles, Efrém credita ao bispo Tiago a defesa da cidade com suas preces. No terceiro, em 350, Sapor desviou o rio Migdônio para minar as muralhas de Nísibis. Porém, os habitantes rapidamente a consertaram enquanto a cavalaria de elefantes persa atolou no solo úmido. Efrém celebrou o que ele entendeu ser uma salvação milagrosa da cidade num hino que retratou Nísibis como sendo a Arca de Noé, flutuando em segurança durante o dilúvio.

Uma ligação física importante para a época de Efrém é o batistério de Nísibis. A inscrição diz que ele foi construído durante o bispo Vologeses em 359. Naquele ano, Sapor atacou novamente. As cidades na vizinhança de Nísibis foram todas destruídas, uma por uma, e seus habitantes ou foram mortos ou foram deportados. Constâncio II estava incapacitado de responder e a campanha de Juliano, o Apóstata terminou com a sua morte no campo de batalha. Seu exército então elegeu Joviano como novo imperador e, para resgatar seu exército, ele foi forçado a entregar Nísibis para os sassânidas, além de ser obrigado a permitir que toda a população cristã fosse expulsa.

Efrém, com outros, primeiro foi até Amida (Diyarbakır), eventualmente se assentando em Edessa (moderna Şanlıurfa) em 363. Efrém, já com quase sessenta anos, se devotou ao ministério em sua nova igreja e parece ter continuado sua obra como professor, talvez na Escola de Edessa. A cidade sempre esteve no coração do mundo siríaco e a estava repleta de filosofias e religiões rivais. Efrém comentou que a os cristãos ortodoxos niceanos eram chamados simplesmente de ‘palutianos’ em Edessa, em homenagem à um bispo anterior. Arianos, marcionitas, maniqueístas, bardesanistas e várias seitas gnósticas proclamavam-se como a verdadeira igreja. Nesta confusão, Efrém escreveu um grande número de hinos defendendo a ortodoxia niceana. Um escritor siríaco posterior, Tiago de Serugh, escreveu que Efrém ensaiava seus coros, todos compostos apenas por mulheres, para que cantassem no ritmo das canções siríacas mais populares no fórum de Edessa. Após um período de dez anos morando ali, Efrém sucumbiu à peste enquanto ministrava às suas vítimas. A data mais confiável de sua morte é 9 de junho de 373.

Obras

o Interior da Igreja de São Tiago de Nísibis.

Mais de quatrocentos hinos compostos por Efrém ainda existem. Dado que muitos devem ter se perdido, não há dúvidas sobre sua produtividade. O historiador da Igreja Sozomeno acredita que Efrém tenha escrito mais de três milhões de linhas. Efrém combina em seus textos três heranças principais: ele se baseia em modelos e métodos do antigo judaísmo rabínico, ele utiliza com habilidade a filosofia e ciência gregas e se delicia na tradição mesopotâmica do simbolismo oculto.

As mais importantes entre suas obras são os seus hinos edificantes e líricos (ܡܕܖ̈ܫܐ, madrāšê). Estes hinos estão cheios de um imaginário rico e poético baseado em fontes bíblicas, nas tradições populares, em outras religiões e na filosofia. Os madrāšê foran escritos em estrofes de versos silábicos e empregam mais de cinquenta diferentes esquemas métricos. Cada madrāšâ tinha seu qālâ(ܩܠܐ), uma canção tradicional identificada por seu verso inicial. Todos estes qālê se perderam atualmente. Parece que Bardesanes e Mani também compuseram madrāšê e Efrém percebeu que esta mídia seria uma ferramenta adequada para combater seus adversários e suas alegações. Os madrāšê se juntavam em vários ciclos hínicos, cada grupo com um título – Carmina NisibenaSobre a FéSobre o ParaísoSobre a VirgindadeContra Heresias – mas alguns deste títulos não fazem jus à todos os hinos da coleção (por exemplo, apenas a primeira metade da Carmina Nisibena é sobre Nísibis). Cada madrāšâ geralmente tinha um refrão (ܥܘܢܝܬܐ, ‘ûnîṯâ), que era repetido após cada estrofe.

Particularmente influenciais foram seus “Hinos contra as heresias”. Efrém os utilizava para alertar seu rebanho das heresias que ameaçavam dividir a igreja primitiva. Ele lamentava os fiéis que eram “atirados de um lado para o outro e carregados em cada nova doutrina, pela esperteza humana, por suas habilidades e desejos enganadores”. Ele também bolou hinos carregados com detalhes da doutrina para inocular os cristãos que pensavam corretamente contra heresias como o docetismo. Os “Hinos contra as heresias” empregam metáforas coloridas para descrever a encarnação de Cristo como sendo tanto totalmente humana e, ao mesmo tempo, divina. Efrém afirma que a unidade de Cristo com a humanidade e a divindade representa a paz, perfeição e a salvação. Em contraste, o docetismo e outras heresias procuravam dividir ou reduzir a natureza de Cristo.

Efrém também escreveu homilias em verso (ܡܐܡܖ̈ܐ, mêmrê). Estes sermões em poesia existem em quantidade muito menor que os madrāšê. Os mêmrê foram escritos em pares heptassilábicos (pares de linhas com sete sílabas cada).

A terceira categoria de escritos de Efrém foi a obra em prosa. Ele escreveu comentários sobre o Diatessarão, sobre o Gênesis e sobre o Êxodo. Já sobre o Novo Testamento, ele comentou sobre os Atos dos Apóstolos e as Epístolas Paulinas. Ele também escreveu refutações contra Bardesanes, Mani, Marcião e outros.

Efrém escreveu exclusivamente em siríaco, mas as traduções de suas obras existem em armênio, copta, georgiano, grego e outras línguas. Algumas de suas obras só sobreviveram em traduções (principalmente armênias). As igrejas siríacas ainda usam muitos dos hinos de Efrém como parte de seu ciclo litúrgico anual. Porém, a mair parte destes hinos litúrgicos foram editados.

“Efrém grego”

Ícone de Santo Efrém (direita) junto com São Jorge (acima) e São João Damasceno.

As habilidosas meditações de Efrém sobre os símbolos da fé cristã e sua postura contra a heresia fizeram dele um fonte popular de inspiração por toda a Igreja. Por isso, há um enorme corpus de pseudepígrafes e hagiografias lendárias envolvendo seu nome. Algumas destas composições estão em verso, geralmente uma versão dos pares heptassilábicos de Efrém. A maioria destas obras são obras consideravelmente mais novas em grego. Estudantes de Efrém geralmente se referem a este corpus como tendo um único e imaginário autor, chamado “Efrém grego” ou Ephraem Graecus (contrastando com o real Efrém siríaco). Isso não é o mesmo que dizer que todos os textos atribuídos ao Efrém grego são de autoria de outros, ainda que muitos sejam. Embora as composições gregas sejam a maior fonte das obras pseudepígrafes, também existe material em latim, eslavônico e árabe. Até o momento, muito pouca atenção dos estudiosos foi dirigida a estas obras e, por isso, muitas ainda são consideradas autênticas pelas igrejas que as utilizam.

A mais conhecida obra de “Efrém grego” é a Oração de Santo Efrém, que é recitada em todas as missas durante a Grande Quaresma(similar à Quaresma ocidental, mas com importantes diferenças para os cristãos orientais).

O livro Caverna dos Tesouros, que conta a história dos 5.500 anos desde a Criação até a crucificação de Jesus, é atribuído a Efrém, porém provavelmente foi escrito após a sua morte.

4 Veneração como santo

Logo após a morte de Efrém, relatos lendários sobre sua vida começaram a circular. Uma dos primeiras ‘modificações’ é a afirmação que o pai de Efrém seria um sacerdote pagão do deus Abnil ou Abizal. Porém, evidências internas em suas obras autênticas sugerem que ele foi criado por pais cristãos. Esta lenda pode ser uma polêmica anti-paganismo ou pode também ser uma referência ao status de seu pai antes de uma conversão ao Cristianismo.

A segunda lenda ligada à Efrém é a de que ele seria um monge. No tempo de Efrém, monasticismo estava ainda em sua infância no Egito. Ele parece ter sido parte dos Filhos da aliança, um grupo fechado, urbano de cristãos que ‘se aliaram’ entre si para os serviços religiosos e também numa abstinência sexual. Alguns dos termos siríacos que Efrém se utiliza para descrever esta comunidade foram depois utilizados para descrever as comunidades monásticas, mas a afirmação de que ele teria sido um monge é um anacronismo. Hagiógrafos posteriores geralmente apresentavam Efrém como um asceta extremado, ainda que as mesmas evidências internas mostrem que ele tinha um papel muito ativo, tanto dentro de sua comunidade na Igreja quanto como testemunha ocular dos que não eram parte dela.

No esquema hagiográfico da Igreja Ortodoxa Oriental, Efrém é um dos “Pais Veneráveis” (ou seja, um monge santo). Sua festa é celebrada em 28 de janeiro e no sábado dos Pais Veneráveis (sábado do Maslenitsa), justamente o sábado antes do início da Grande Quaresma.

Popularmente, acredita-se que Efrém tenha feito viagens lendárias. Em uma delas, ele teria visitado Basílio de Cesareia, o que o ligaria com os Padres Capadócios, uma importante ligação entre a visão espiritual entre eles, que tanto tinham em comum. Efrém também supostamente teria visitado São Pichoi nos mosteiros de Scetes no Egito. Assim como no caso da visita à Basílio, esta também seria uma ponte teológica entre as origens do monasticismo e sua rápida difusão por toda a Igreja.

Em 5 de outubro de 1920, o Papa Bento XV proclamou Efrém um Doutor da Igreja. Esta proclamação foi feita antes que edições críticas das obras consideradas como autênticas dele fossem disponibilizadas para uma análise crítica.

Tempos atuais

O Papa Bento XVI discorrendo sobre Santo Efrém na afirmou:

A presença de Jesus no seio de Maria levou-o a considerar a altíssima dignidade da mulher (…) de quem sempre fala com sensibilidade e respeito” (…) “Para Efrém, assim como não há redenção sem Jesus, não há a encarnação sem Maria. As dimensões divina e humana do mistério da nossa redenção se encontram já em seus textos.
— Papa Bento XVI,

Na audiência geral de 7 de dezembro de 2005 foi citado por Bento XVI:

…Assim, também nós rezamos com o Salmo de louvor, de ação de graças e de confiança. Desejamos continuar a fazer correr este fio de louvor hínico através do testemunho de um cantor cristão, o grande Efrém Sírio (século IV), autor de textos de extraordinária fragrância poética e espiritual.
— Papa Bento XVI,
Por maior que seja a nossa admiração por ti, ó Senhor, / a tua glória supera o que os nossos lábios podem expressar”, canta Efrém num hino (Hinos sobre a Virgindade, 7: A harpa do Espírito, Roma 1999, p. 66), e noutro: “Louvor a ti, para quem todas as coisas são fáceis, / porque tu és omnipotente” (Hinos sobre a Natividade, 11: ibidem, p. 48), e este é o último motivo da nossa confiança, que Deus tem o poder da misericórdia e usa o seu poder para a misericórdia. Por fim, mais uma citação: “Louvor a ti de todos os que compreendem a tua verdade
— Papa Bento XVI

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1810 – 1903

Ficheiro:Leo XIII.jpg

Papa Leão XIII, (nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci Prosperi Buzzi; Carpineto Romano, 2 de março de 1810— Roma, 20 de julho de 1903), foi Papa de 20 de Fevereiro de 1878 até à data de sua morte.

Foi ordenado sacerdote da Igreja Católica em 31 de dezembro de 1837, em 18 de janeiro de 1843 foi indicado Núncio Apostólico para a Bélgica e ordenado bispo titular de Tamiathis em 19 de fevereiro de 1843. Em 27 de julho de 1846 tomou posse como Arcebispo de Perugia, Itália, e em 19 de dezembro de 1853 foi criado cardeal com o título de Cardeal-presbítero de São Crisógono. Foi eleito papa em 20 de fevereiro de 1878 e coroado em 3 de março do mesmo ano.

Biografia

Primeiros anos

Foi o sexto filho dos sete filhos do Conde Lodovico Pecci e de sua esposa Anna Prosperi Buzi. Existiram algumas dúvidas sobre a nobreza da família Pecci, e quando o jovem Gioacchino solicita a sua admissão na “Academia dos Nobres em Roma”, se reuniu com uma certa oposição, sob a qual ele escreveu a história de sua família, o que demonstra que os Pecci foram de Carpineto um ramo dos Pecci de Siena, obrigado a emigrar para os Estados Pontifícios na primeira metade do século XVI, em virtude de Clemente VII, porque haviam estado do lado dos Médice.

Aos oito anos de idade, juntamente com seu irmão Giuseppe, de dez anos de idade, foi enviado para estudar no novo centro educativo em Viterbo no seminário. Permaneceu ali seis anos (1818-24), e ali adquiriu aquela clássica facilidade no uso do Latim e do Italiano, justamente admirado em seus escritos oficiais e em seus poemas.

Grande parte deste crédito é devido ao seu mestre, o Padre Leonardo Garibaldi. Quando em 1824, o Colégio Romano foi restituído aos jesuítas Gioacchino e seu irmão Giuseppe estudaram ali humanidades e retórica. No final do curso de retórica Gioacchino foi escolhido para apresentar em latim o tema “O contraste entre pagãos e cristãos de Roma”. Não com menor êxito foram os seus três anos de curso de filosofia e ciências naturais.

Leão XIII, Papa, em 1898.

Permanecia ainda incerto quanto à sua chamada para o estado sacerdotal, apesar de que havia sido desejo de sua mãe que abraçasse o estado eclesiástico. Como muitos jovens romanos daquela época fossem destinados à carreira pública ele, no entanto se dedicou aos estudos de teologia, de direito civil e canônico. Entre seus mestres contava o famoso teólogo Perrone e o escriturista Patrizi. Em 1832 obteve o doutorado em teologia, após o que, após algumas dificuldades, pediu e obteve a admissão na Academia dos Nobres Eclesiásticos e iniciou os estudos de direito civil e canônico na Universidade de “Sapienza”.

Episcopado

Pecci notabilizou-se primeiramente como popular e bem sucedido Arcebispo de Perugia, o que conduziu a sua nomeação como Cardeal em 1853. Em 20 de Fevereiro de 1878, foi eleito para sucessor do Papa Pio IX.

Pontificado

A Beata Maria do Divino Coração, condessa de Droste zu Vischering, influenciou o Papa Leão XIII a efetuar a consagração do Mundo ao Sagrado Coração de Jesus.

É frequente referir-se ao Papa Leão XIII pelas suas doutrinas sociais e econômicas, nas quais ele argumentava a falha do capitalismo e do comunismo. Ficou famoso como o “papa das encíclicas sociais”. A mais conhecida de todas nessas matérias, a Rerum Novarum, de 1891, sobre os direitos e deveres do capital e trabalho, introduziu a ideia da subsidiariedade no pensamento social católico. Esta encíclica marcou o início da sistematização do pensamento social católico, chamado vulgarmente de Doutrina social da Igreja Católica e foi um contributo para o despertar de uma esquerda católica que se via no movimento do socialismo cristão. Este documento influenciou fortemente a criação do Corporativismo e da Democracia cristã.

Concedeu a Sua Alteza Imperial, a Princesa D. Isabel uma Rosa de Ouro, símbolo de generosidade por esta ter publicado a Lei Áurea, lei que extinguiu a escravidão no Brasil.

A bula Apostolicae Curae de 1896, afirma que as ordenações de diáconos, padres e bispos nas igrejas anglicanas, incluindo a Igreja Anglicana, não são válidas e, portanto, nulas. A Igreja Católica, no entanto, reconhece a validade de ordenações na Igreja Ortodoxa de Leste e Oriental.

No dia 11 de Junho de 1899, o Papa Leão XIII, sob a influência de algumas cartas recebidas por parte de uma religiosa da Congregação das Irmãs da Caridade do Bom Pastor, a Beata Maria do Divino Coração, condessa de Droste zu Vischering, que, a residir em Portugal, recebeu inúmeras revelações privadas de Jesus Cristo, efetuou um ato de consagração solene de todo o gênero humano ao Sagrado Coração de Jesus. Tal facto veio a ocorrer logo após a publicação da Encíclica Annum Sacrum e próprio Papa chamou a essa consagração solene “o maior ato do meu pontificado”.

Dentre muitas outras publicou a encíclica Arcanum Divinae Sapientiae sobre os valores da família, onde faz a abordagem dos problemas relacionados com o matrimônio. Neste documento faz a defesa da indissolubilidade do casamento e críticas ao divórcio. Leão XIII condenou também a Maçonaria e, pela Carta Apostólica de 1899 Testem Benevolentiae, condenou a heresia chamada Americanismo.

Encíclicas publicadas

  • Ad Extremas (24 de junho de 1893)
  • Adiutricem (5 de setembro de 1895)
  • Aeterni Patris (4 de agosto de 1879)
  • Affari Vos (8 de dezembro de 1897)
  • Annum Sacrum (25 de maio de 1899)
  • Arcanum Divinae (10 de fevereiro de 1880)
  • Augustissimae Virginis Mariae (12 de setembro de 1897)
  • Au Milieu Des Sollicitudes (16 de fevereiro de 1892)
  • Auspicato Concessum (17 de setembro de 1882)
  • Caritatis (19 de março de 1894)
  • Caritatis Studium (25 de julho de 1898)
  • Catholicae Ecclesiae (20 de novembro de 1890)
  • Christi Nomen (24 de dezembro de 1894)
  • Constanti Hungarorum (2 de setembro de 1893)
  • Cum Multa (8 de dezembro de 1882)
  • Custodi di quella Fede (8 de dezembro de 1892)
  • Dall’alto dell’Apostolico Seggio (15 de outubro de 1890)
  • Depuis le Jour (8 de setembro de 1899)
  • Diuturni temporis (5 de setembro de 1898)
  • Diuturnum (29 de junho de 1881)
  • Divinum illud munus (9 de maio de 1897)
  • Dum Multa (24 de dezembro de 1902)
  • Etsi Cunctas (21 de dezembro de 1888)
  • Etsi Nos (15 de febrero de 1882)
  • Exeunte Iam Anno (25 de dezembro de 1888)
  • Fidentem Piumque Animum (20 de setembro de 1896)
  • Fin dal Principio (8 de dezembro de 1902)
  • Grande Munus (30 de setembro de 1880)
  • Graves de Communi Re (18 de janeiro de 1901)
  • Gravissimas (16 de maio de 1901)
  • Humanum Genus (20 de abril de 1884)
  • Iampridem (6 de janeiro de 1886)
  • Immortale Dei (1 de novembro de 1885)
  • In Amplissimo (15 de abril de 1902)
  • Inimica Vis (8 de dezembro de 1892)
  • In Ipso (3 de março de 1891)
  • In Plurimis (5 de maio de 1888)
  • Inscrutabili Dei Consilio (21 de abril de 1878)
  • Insignes (1 de maio de 1896)
  • Inter Graves (1 de maio de 1894)
  • Iucunda Semper Expectatione (8 de setembro de 1894)
  • Laetitiae Sanctae (8 de setembro de 1893)
  • Libertas (20 de junho de 1888)
  • Licet Multa (3 de agosto de 1881)
  • Litteras a Vobis (2 de julho de 1894)
  • Longinqua (6 de janeiro de 1895)
  • Magnae Dei Matris (8 de setembro de 1892)
  • Magni Nobis (7 de março de 1889)
  • Militantis Ecclesiae (1 de agosto de 1897)
  • Mirae Caritatis (28 de maio de 1902)
  • Nobilissima Gallorum Gens (8 de fevereiro de 1884)
  • Non Mediocri (25 de outubro de 1893)
  • Octobri Mense (22 de setembro de 1891)
  • Officio Sanctissimo (22 de dezembro de 1887)
  • Omnibus Compertum (21 de julho de 1900)
  • Pastoralis (25 de julho de 1891)
  • Pastoralis Officii (12 de setembro de 1891)
  • Paternae (18 de setembro de 1899)
  • Paterna Caritas (25 de julho de 1888)
  • Pergrata (14 de setembro de 1886)
  • Permoti Nos (10 de julho de 1895)
  • Providentissimus Deus (18 de novembro de 1893)
  • Quae Ad Nos (22 de novembro de 1902)
  • Quam Aerumnosa (10 de dezembro de 1888)
  • Quamquam Pluries (15 de agosto de 1889)
  • Quam Religiosa (16 de agosto de 1898)
  • Quarto Abeunte Saeculo (16 de julho de 1892)
  • Quod Anniversarius (1 de abril de 1888)
  • Quod Apostolici Muneris (28 de dezembro de 1878)
  • Quod Auctoritate (22 de dezembro de 1885)
  • Quod Multum (22 de agosto de 1886)
  • Quod Votis (30 de abril de 1902)
  • Quum Diuturnum (25 de dezembro de 1898)
  • Reputantibus (20 de agosto de 1901)
  • Rerum Novarum (15 de maio de 1891)
  • Saepe Nos (24 de junho de 1888)
  • Sancta Dei Civitas (3 de dezembro de 1880)
  • Sapientiae Christianae (10 de janeiro de 1890)
  • Satis Cognitum (29 de junho de 1896)
  • Spectata Fides (27 de novembro de 1885)
  • Spesse Volte (5 de agosto de 1898)
  • Superiore Anno (30 de agosto de 1884)
  • Supremi Apostolatus Officio (1 de setembro de 1883)
  • Tametsi Futura Prospicientibus (1 de novembro de 1900)
  • Urbanitatis Veteris (20 de novembro de 1901)
  • Vi è Ben Noto (20 de setembro de 1887)

Brasão e lema

Brasão pontifício de Leão XIII

  • Descrição: Escudo eclesiástico. Em azul, com um carpino plantado numa planície, tudo ao natural, atravessado de uma faixeta de prata, adestrado em chefe de um cometa de jalde, posto em banda e acompanhado, em ponta, de duas flores-de-lis prateadas. O escudo está assente em tarja branca. O conjunto pousado sobre duas chaves decussadas, a primeira de jalde e a segunda de argente, atadas por um cordão de goles, com seus pingentes. Timbre: a tiara papal de prata com três coroas de jalde. Sob o escudo, um listel de blau com o mote: LVMEN IN CÆLO, em letras de argente. Quando são postos suportes, estes são dois anjos de carnação, sustentando cada um, na mão livre, uma cruz trevolada tripla, de jalde.
  • Interpretação: O escudo obedece às regras heráldicas para os eclesiásticos. Nele estão representadas as armas modificadas da família do pontífice, os Pecci, antiga família de Siena, Província de Florença, na região da Toscana, da qual um dos ramos passou a Carpineto Romano, nos Estados Pontifícios, no século XVI. O campo de blau (azul) representa o firmamento celeste e ainda o manto de Nossa Senhora, sendo que este esmalte significa: justiça, serenidade, fortaleza, boa fama e nobreza. O carpino é símbolo da imortalidade e representa o local de origem da família Pecci, Carpineto Romano, sendo que a expressão “ao natural” é um recurso para coloca-lo, juntamente com a planície, naturalmente de sinopla (verde), sobre o campo de blau (azul), sem ferir as leis da heráldica.

O Cardeal Camerlengo certifica a morte de Leão XIII

  • A faixeta, por seu metal argente (prata) traduz: inocência, castidade, pureza e eloqüência. O cometa representa Nosso Senhor Jesus Cristo, “Luz do Mundo”, numa referência ao Cântico de Simeão (Lc 2,32), e também faze alusão à escolha divina do Cardeal Pecci para Pastor Universal da Igreja, sendo de jalde (ouro) simboliza: nobreza, autoridade, premência, generosidade, ardor e descortínio. As duas flores-de-lis ( no brasão familiar consta uma só), relembram a origem remota da família, na Província de Florença, sendo de argente (prata) têm o significado já descrito deste metal. Os elementos externos do brasão expressam a jurisdição suprema do papa.
  • As duas chaves “decussadas”, uma de jalde (ouro) e a outra de argente (prata) são símbolos do poder espiritual e do poder temporal. E são uma referência do poder máximo do Sucessor de Pedro , relatado no Evangelho de São Mateus, que narra que Nosso Senhor Jesus Cristo disse a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado no céu” (Mt 16, 19).
  • Por conseguinte, as chaves são o símbolo típico do poder dado por Cristo a São Pedro e aos seus sucessores. A tiara papal usada como timbre, recorda, por sua simbologia, os três poderes papais: de Ordem, Jurisdição e Magistério, e sua unidade na mesma pessoa. No listel o lema “Luz no céu” é mais uma referência ao ‘’Cântico de Simeão’’ (Lc 2,32): “Luz para iluminar as nações todas”.

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Fonte: Wikipédia

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